Após a criação do teto de gastos no governo Michel Temer em 2016, o Brasil pôde pela primeira vez experimentar taxas de juros decentes. A taxa Selic historicamente alta deixou sequelas e criou graves distorções na economia aumentando a desigualdade e fomentando a criação do rentista.
Além disso, os juros altos aumentam o custo do crédito para as famílias e o custo do capital para as empresas. Juros altos beneficiam uma pequena parcela da população às custas do sofrimento da maioria.
A história econômica nos mostra que nenhum país do mundo que alcançou a prosperidade fazendo a transição da pobreza para a riqueza o fez com taxas de juros historicamente elevadas. Do bar da esquina ao Banco Central é consenso que os juros altos são um problema para a economia.
No entanto, a sua solução enfrenta fortes divergências, para alguns a raiz de todo o mal da economia brasileira reside na taxa de juros nas alturas que só serve para favorecer os grandes e malvados bancos e banqueiros. Para outros os juros são consequência de um problema maior, e não a sua causa, atribuindo à situação fiscal do país a origem de todos os problemas.
As medidas recentes adotadas pelo governo federal, com o aval do Congresso Nacional, respondem a questão claramente e nos mostra que resolvê-lo exige grande habilidade política (coisa escassa hoje em Brasília). Porém, algo precisa ser feito para resolver a questão, pois, embora seja possível é pouco provável que um país que se acostumou a pagar juros de 2 dígitos para se financiar dê certo.
Os juros elevados atuam na economia como um freio de mão enguiçado de um veículo. Mesmo que você pise no acelerador com toda a força você não irá alcançar a velocidade esperada.
Após o desastre do governo Dilma foi preciso recuperar a credibilidade e a confiança de um país devastado por um mal mais letal que a pandemia da Covid-19. Nesse contexto de terra arrasada era preciso limitar o crescimento dos gastos públicos que vinham crescendo acima da inflação, pois a situação do país estava ficando insustentável, se nada fosse feito à época poderíamos ter seguido um caminho de implosão similar à vivida pelos Hermanos Argentinos.
Manter as contas do governo equilibradas é fundamental para a situação fiscal do país. Embora muitos brasileiros não se deem conta do problema um governo endividado precisa aumentar impostos e pagar juros mais altos que seus pares menos endividados para se financiar e toda a população sai perdendo. Com o surgimento do teto de gastos, pela 1ª vez o brasileiro pode desfrutar de juros “normais” e voltou a conviver com a estabilidade dos preços.
Após o teto, a credibilidade passou a ser recuperada e a partir daí foi possível controlar a inflação. Uma inflação controlada melhora imediatamente a qualidade de vida dos mais pobres e sinaliza clareza e estabilidade futura para todos os agentes econômicos, do rico ao pobre. O teto cumpriu o seu papel e trouxe benefícios a economia brasileira. No entanto, os gastos de combate a pandemia e o recente pacote fiscal expansionista do governo Bolsonaro praticamente destruíram a âncora fiscal criada por Temer. Segundo estimativas do ministério da economia os gastos estatais nos próximos meses se aproximaram de R$ 41 bilhões.
Além disso os gordos dividendos da Petrobras (BVMF:PETR4) serão antecipados e distribuídos ao maior acionista, no caso o governo, no final de Agosto e Setembro. Há não ser que ocorra uma tragédia a economia brasileira no 2 º semestre deverá ser bem diferente do que foi visto no 1 º. As medidas fiscais adotadas pelo governo devem turbinar a economia até Dezembro, no entanto a consequência disso é que sacrificaremos o ano de 2023.
A política fiscal implementada soa como uma pessoa compulsiva que ignora as restrições orçamentárias e se rende as tentações de curto prazo usando o cartão de crédito sem responsabilidade sacrificando a sua qualidade de vida futura, afinal um dia a fatura irá chegar.
A médio prazo a política poderá trazer mais malefícios do que benefícios, no entanto isso ainda não foi visto como algo ruim pelo brasileiro comum devido à grande dificuldade de se entender as consequências da política fiscal. O fato de se ter o benefício imediato e os custos rolados para o futuro não é de fácil percepção para a população.
No entanto, é uma questão de tempo para essa conta chegar. Como alerta a filósofa Ayn Rand "Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade."
O ano de 2023 ainda não chegou mas já coloca o próximo governo em um grande impasse. Segundo a regra do teto de gastos as despesas de 2023 devem crescer em torno de 7% a 8% (inflação esperada de 2022), com a crescente pressão para manter permanente o auxílio Brasil de R$ 600 o governo precisará escolher entre manter o benefício ou ceder ao crescente lobby e dar aumento salarial aos servidores. No orçamento não há recurso para bancar os dois.
No entanto, como essa conta será paga? A dívida bruta do governo consolidado (engloba as 3 esferas do poder público) já está em 91%, enquanto a média dos países emergentes é 67%. Além disso a alta dos juros aumenta o custo da dívida. Um aumento de impostos pode ser considerado, mas certamente enfrentará grande resistência.
Segundo o discurso dos principais candidatos a Presidência as políticas “temporárias” de transferência de renda tendem a se tornar cada vez mais permanentes. É questão de tempo para novos e velhos problemas sociais, agravados pela pandemia, pressionarem o governo central a aumentar o gasto e proteção estatal, mas as políticas assistencialistas não alcançarão o efeito esperado com uma política econômica que necessita de juros altos.
Atualmente os estados estão com os cofres cheios saindo de R$ 60 bilhões em 2019 para R$ 220 bilhões em 2022. No entanto, a redução do ICMS reduz o seu fluxo de caixa futuro de forma permanente. Sem corte de gastos e uma compensação do governo federal em algum momento essa conta não irá fechar e certamente haverá litígio entre os governos estaduais e federal.
Sem uma reforma tributária que corrija distorções históricas o único meio de agradar gregos e troianos é furar novamente o já fragilizado teto de gastos.
Em Brasília já se cogita a necessidade de se criar novo regime fiscal. No entanto isso é um grande equívoco, o problema do país não é a ausência de regras fiscais, mas sim o não cumprimento das regras em vigor.
Mesmo diante de todos os problemas estruturais a economia brasileira vem demonstrando grande resiliência. O fato de o país estar no final do ciclo de alta dos juros o coloca em uma posição privilegiada. Os dados fiscais, turbinados pela alta das commodities, vieram acima do esperado e a situação do país é melhor do que se projetava. Os ativos de risco brasileiro estão com um valuation bastante atrativo. Mesmo diante de todos os riscos iminentes a bolsa está num ponto de entrada interessante. A solução do problema se passa por Brasília respeitar as “regras do jogo” em vigor e garantir estabilidade. O que faz o Ibovespa cair há 12 meses é toda a incerteza e o que o fará subir será a previsibilidade.