Este artigo foi escrito exclusivamente para o Investing.com. Publicado originalmente em inglês em 30/04/2021
- Commodities são barômetros de inflação
- Metais, energia, commodities agrícolas, tudo aponta para a condição econômica
- Fed e Tesouro Americano ignoram os sinais
- Econometria, uma arte, e não uma ciência
- Manipulação de dados: estatísticas semanais de oferta monetária desaparecem
Em agosto de 2020, o Federal Reserve fez uma mudança nada sutil em sua política de inflação. O banco central americano mudou sua taxa-alvo de 2% para uma “média” de 2%. A instituição está disposta a tolerar uma inflação bem acima da meta anterior antes de elevar sua taxa básica de juros de curto prazo, os chamados fundos do Fed, nos próximos anos.
O tsunami de liquidez do banco central e estímulos governamentais para estabilizar a economia diante dos efeitos da pandemia global é altamente inflacionário, já que aumenta a oferta monetária e a dívida nacional dos EUA. O Fed está fazendo um salto de fé quando o assunto é inflação, assumindo que será capaz de interromper a crescente onda de uma condição econômica que erode o poder aquisitivo do dinheiro.
Nos últimos meses, os preços das commodities estão em alta. O valor das matérias-primas serve de barômetro da inflação. Medir a inflação é uma arte subjetiva, e não uma ciência. As commodities nos mostram que ela já se encontra em níveis que precisam ser enfrentados com política monetária, mas o banco central americano continua altamente acomodatício.
Se o período de 2008 a 2011 serve de modelo para o que virá depois da pandemia de 2020, tudo leva a crer que veremos commodities com preços muito mais altos daqui para frente. Afinal, o nível de estímulo monetário e fiscal tem sido muito maior em 2020/2021 do que no início da crise financeira de 2008.
Commodities são barômetros de inflação
As commodities são as matérias-primas que as pessoas e empresas usam no seu dia a dia. São bens essenciais que abastecem casas e empresas, fornecem nutrição e ingredientes essenciais em produtos, além de oferecer abrigo na forma de metais, minerais e requisitos industriais para construção e infraestrutura de obras civis.
A inflação é uma condição econômica que ocorre quando os preços de bens e serviços sobem, juntamente com o declínio do poder de compra do dinheiro. Como as commodities são produtos essenciais, são altamente sensíveis a pressões inflacionárias. Desde março de 2020, os preços das commodities não só sinalizam que a inflação está no horizonte, como também se faz presente e é cada vez maior.
Metais, energia, commodities agrícolas, tudo aponta para a condição econômica
O cobre é um dos líderes no setor de metais industriais e matérias-primas. Em março de 2020, o pânico causado pela Covid-19 fez os preços despencarem, e o cobre futuro negociado na Comex atingiu US$ 2,0595 por libra, menor patamar desde junho de 2016. Desde então, o preço do metal vermelho mais do que dobrou.
Fonte: CQG
O gráfico mensal destaca que o cobre tem subido de forma constante nos últimos treze meses. A máxima mais recente no contrato futuro contínuo foi a US$ 4,3630 em fevereiro. O cobre futuro estava perto do pico do fim da semana passada. Ele é líder entre os metais de base negociados na Bolsa de Metais de Londres (LME). Os preços do alumínio, níquel, bronze, zinco e estanho na LME registraram forte valorização no último ano, já que os insumos de infraestrutura mostram sinais de pressões inflacionárias.
Já o petróleo é líder no setor de energia. Em abril de 2020, o barril de WTI futuro na Nymex atingiu sua mínima histórica abaixo de zero, e o Brent futuro negociado na ICE registrou seu nível mais baixo do século a US$ 16 por barril. A carnificina de preços ocorreu devido a evaporação da demanda de energia com o alastramento da pandemia e medidas de distanciamento social, provocando o fechamento de empresas e a hibernação de pessoas para evitar o vírus.
Fonte: CQG
O gráfico semanal ilustra a alta do barril de petróleo de mais de US$ 100 desde abril de 2020 a abril de 2021. O contrato futuro mais próximo na Nymex estava acima de US$ 62 ao fim da semana passada.
Os grãos são importantes ingredientes na alimentação e fornecem nutrição a mais de 7,757 bilhões de habitantes do planeta. Estamos agora no início da safra de 2021 no hemisfério norte, com o preço da soja, milho e trigo em máximas plurianuais.
Fonte: CQG
O milho estava sendo negociado com a cotação mais alta desde julho de 2013 ao fim da semana passada, a mais de US$ 6,50 por bushel.
Fonte: CQG
O contrato futuro mais próximo da soja estava a US$ 15,40, máxima de oito anos.
Fonte: CQG
O trigo custava mais de US$ 7,10 por bushel recentemente, atingindo seu preço mais elevado desde 2014. O principal ingrediente alimentício disparou na estação de plantio e cultivo da safra de 2021.
Fonte: CQG
O quarto gráfico é o da madeira serrada e destaca que os preços do material estão na máxima histórica de mais de US$ 1,370 por 1.000 pés superficiais.
Os preços das commodities são gritantes no sentido de que as pressões inflacionárias estão aumentando. As tendências de preço seguem altistas, dizendo-nos que o valor do dinheiro está caindo.
Fed e Tesouro Americano ignoram os sinais
No ano passado, os Federal Reserve e o governo dos EUA responderam à pandemia global com um tsunami de liquidez e estímulo. No entanto, a taxa básica de juros no país permanece perto de zero. O Fed continua comprando US$ 120 bilhões em títulos de dívida a cada mês.
Fonte: Barchart
O gráfico do título americano de 30 anos destaca o declínio no mercado, fazendo as taxas de juros subirem ainda mais ao longo da curva a termo. O título de junho caiu de 183-06 em agosto de 2020 para a mínima mais recente a 153-29 no fim de março de 2021. O contrato futuro de T-bonds tocou seu patamar mais baixo desde junho de 2019. No fim da semana passada, estava muito mais perto da mínima recente do que da máxima de agosto de 2020 a 158-09.
O Fed disse para o mercado não esperar aumentos nos juros básicos em 2021 e não indicou qualquer intenção de reduzir as compras de dívida. O Fed está ignorando o mercado de títulos. Além disso, fez vista grossa para a alta dos preços das commodities e outros ativos que continuam emitindo sinais de alerta da inflação. O mercado de ações está na máxima histórica, os preços dos imóveis estão disparando e as moedas digitais registram movimentos parabólicos.
O dólar é a moeda de reserva mundial. A oferta monetária tem aumentando por causa da liquidez injetada pelo Fed. Ao mesmo tempo, o índice dólar vem caindo desde março de 2020.
Fonte: Barchart
O gráfico mostra que o índice dólar, que compara a moeda americana ao euro e outras divisas, caiu de 103,96 em março de 2020 para a mínima de 89,165 no início de 2021. Após uma recuperação até o nível de 93.47 no fim de março, o dólar seguiu em tendência de queda em abril, fechando a semana passada abaixo de 91.
O Tesouro americano está emitindo dívida sem parar para financiar os trilhões em programas de estímulo para enfrentar a pandemia. O fato é que o Fed, o governo americano e outros países ao redor do mundo estão ignorando os sinais inflacionários.
Econometria, uma arte, e não uma ciência
Em agosto de 2020, o Fed fez uma mudança nada sutil na meta de inflação, ao passar a considerar uma “média” de 2%. Embora os dados de inflação mostrem aumento dos preços, o Fed insiste em sua política monetária acomodatícia. Alguns membros do Fomc disseram que querem ver o “pleno emprego” e o crescimento dos salários antes de encerrar o fim da política de afrouxo. Ao mesmo tempo, banco central projeta que o PIB dos EUA crescerá 6,5% em 2021. Não há precedentes para essa taxa de crescimento econômico e estímulo fiscal e monetário.
A Economia é uma ciência social, e não empírica. O Fed assume que pode reverter o impacto inflacionário da acomodação, mas pode ser um salto de fé. Quando as pressões inflacionárias começarem a subir, pode ser difícil contê-las. Os preços das commodities nos dizem que a inflação já chegou. O Fed e o governo americano podem se ver na situação de correr atrás da inflação, com elevações de juros sem o resultado esperado. A inflação ou a estagflação podem acabar sendo a fatura deixada pela pandemia, em razão dos maiores níveis de acomodação já vistos.
Manipulação de dados: estatísticas semanais de oferta monetária desaparecem
O déficit dos EUA está aumentando. O último pacote trilionário de reconstrução de infraestrutura pode fazê-lo ficar acima de US$ 30 trilhões. E a oferta monetária continua crescendo na esteira da liquidez do banco central americano.
Em um movimento que questiona o compromisso do Fed com a transparência, o banco central recentemente descontinuou a atualização de dados semanais de oferta monetária M1 e M2, fazendo-o apenas mensalmente. Em seu último depoimento ao congresso do país, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que o dinheiro não importa, porque não tem relação com a inflação. Se o valor do dinheiro é irrelevante para a inflação, o que está relacionado com essa condição econômica?
Steve Hanke, professor de Economia Aplicada da Universidade Johns Hopkins, disse recentemente que a iniciativa demonstra uma mudança significativa na visão do Fed. Hanke declarou:
“Em princípio, não acham que esse dado seja importante. Eles querem descartar completamente os monetaristas, basicamente colocando-os de lado. Eles querem enterrar Milton Friedman de uma vez por todas ao mostrar deixar de informar devidamente as estatísticas monetárias".
Além dos referidos aumentos de preço, a China acaba de reportar um crescimento de 18,3% no PIB. Os sinais inflacionários estão em todas as partes. O que o Fed fará daqui para frente? Talvez redefinir a inflação seria outra abordagem para mascarar seu efeito.
O tempo dirá se essa abordagem para estabilizar a economia só está aumentando a fatura da Covid-19. Os mercados podem estar prestes a enfrentar um caminho pedregoso nos próximos meses. Os mercados são um reflexo do cenário político e econômico. Estamos em uma conjuntura perigosa com a chama da inflação flamejando. Seja cauteloso nos mercados, a volatilidade está no horizonte. Os bancos centrais e governos podem ficar sem munição quando decidirem lidar com as pressões que decidiram ignorar.