Níveis perigosamente baixos dos reservatórios levam o governo a buscar mitigar a escassez de energia que se avizinha. Vejamos as opções concebíveis.
Iniciemos com o caso da escassez orgânica. A demanda de um setor tem crescimento continuado, exigindo dinamicamente novos investimentos na expansão da capacidade. O mercado resolve este desafio com elegância: a escassez induz elevação de preço e lucro dos operadores, capitalizando-os para efetuar a expansão, reequilibrando a oferta à procura crescente.
Passemos agora para o mundo das rupturas. Suponha que ocorreu uma escassez transitória, requerendo que se intervenha temporariamente.
Uma primeira opção truculenta seria impor um racionamento: se haverá uma deficiência de oferta de, digamos, 30%, entrega-se 30% a menos para cada consumidor e mantem-se o mesmo preço. De sabor soviético, esta solução trata todos os consumidores igualitariamente, independentemente da percepção individual de importância que aquele produto tenha: em nome da justiça social, gera-se o máximo de desarticulação da produção, engessamento dos usuários e com mais recessão do que seria inevitável.
Outra solução simplista seria aumentar o preço: com base na elasticidade da demanda, calcula-se qual o aumento de preço que gera uma redução almejada e impõe-se tal reajuste. Ao contrário do modelo anterior, a oferta existente vai ser comprada por quem se dispuser a pagar mais, o que levará a um ajuste de PIB mais eficiente do que na opção soviética. Entretanto, os mais vulneráveis, sejam famílias e empresas, sofrerão mais: eles terão que diminuir o consumo do bem escasso, atingidos em cheio pelo encarecimento e ficando numa situação bem pior do que anteriormente. Ora, dirão os devotos da Mão Invisível, é isto mesmo, mera aplicação de Darwin na economia, quem pode mais, sofre menos. Mitiga-se o impacto sobre o PIB, mas eleva-se o custo social.
Na busca de uma solução de mercado socialmente mais aceitável para a falta de chuvas que nos afeta, é preciso entender a natureza do caso brasileiro. Quando de situação semelhante ocorrida no Governo FHC, houve em esforço governamental louvável de estimular a construção de termoelétricas, mais custosas, mas blindadas contra a aleatoriedade do regime de chuvas. De fato, somos privilegiados por um relevo que nos permite gerar o grosso da nossa energia pela força hidráulica, a forma menos poluidora da atmosfera e de custo operacional mais baixo: uma vez construída a barragem, os custos anuais são negligíveis, comparados às alternativas. Inteligentemente, então, a demanda é atendida recrutando-se primeiramente o potencial hidráulico de geração e, adicionalmente as termoelétricas.
Vale dizer, graças à capacidade ociosa das termoelétricas, a ameaça de não termos energia é remota. O problema é que, com a deficiência do suprimento hidráulico imposta pela seca, mais e mais termoelétricas são recrutadas e o custo de produção delas é crescente, trazendo um aumento progressivo da tarifa. Há energia, mas com impacto inflacionário crescente.
Uma forma de atenuar este impacto inflacionário seria penalizando mais pesadamente a demanda de pico, pois as termoelétricas operam mais intensamente nos horários de concentração de consumo, a custos extravagantes. Verdade, se a política tarifária for mais punitiva nestes horários, empresas e famílias serão tangidas a mudar seus hábitos de produção e consumo, deslocando-se para momentos de mais baixa demanda, evitando o recrutamento das termoelétricas e diminuindo o impacto inflacionário do contingenciamento.
A solução anterior, entretanto, vai continuar consumindo as parcas reservas dos reservatórios a ritmo incompatível com as chuvas e, perdurando a seca, poderemos chegar efetivamente a não ter energia hidráulica e sermos forçados a um racionamento dramático.
Se o desequilíbrio entre oferta e procura decorresse de um excesso de demanda, pouco haveria a acrescentar à solução de mercado inicialmente descrita, pois a receita crescente do produtor é a fonte de novos investimentos que reequilibrarão o mercado. Mas o caso atual é um problema transitório, emergencial que não precisa induzir crescimento de capacidade, basta reduzir momentaneamente a demanda.
Isto sugere a aplicação de um modelo mais sofisticado e de sucesso no passado: dar a cada consumidor, indivíduos ou empresas, mais flexibilidade no seu ajuste. Simplificadamente, suponha que a demanda agregada por energia deva cair 30% e que um aumento linear de tarifa de 25% promova o equilíbrio. O reajuste é decretado, mas com uma ressalva: ele é valido para quem consumir neste mês o mesmo volume consumido por ele no mesmo mês há um ano. Para cada porcentagem de redução deste nível balizador, o consumidor desfrutaria de um desconto, crescente quanto maior for a economia proporcional alcançada; simetricamente, se o consumidor ultrapassar o seu consumo referencial do ano passado, incorrerá em um sobre-preço, também crescente com o consumo adicional incorrido. Tudo se passa como se o sistema outorgasse a cada consumidor o direito de comprar ou “vender” energia, pois mudando seus hábitos de consumo familiar ou o processo produtivo de sua empresa, cada um poderia escolher quanto do reajuste ele está disposto a aceitar.
Neste modelo, a eficiência produtiva é preservada, os reservatórios serão exauridos a ritmo tolerável e cada consumidor poderá escolher entre pagar e continuar a consumir ou defender-se do confisco de renda imposto pelo reajuste, moderando seu consumo.