De 1980 a 1992, milhares de homens se mudaram para Serra Pelada, no Pará, em busca de ouro. O local foi o maior garimpo a céu aberto do mundo e se estima que pelo menos 42 toneladas de ouro tenham sido retiradas do local.
Tudo começou em plena floresta amazônica, na Fazenda de Três Barras, no sudoeste do Pará. A primeira pepita foi encontrada por uma criança, em 1979, na beira de um riacho, dentro da fazenda de Genésio Ferreira da Silva. O pai da criança levou a pedra até Genésio, que a mandou para averiguação em Marabá, pra confirmar se era ouro mesmo. Dizem que junto com a confirmação da pepita, já chegaram alguns garimpeiros, que Genésio permitiu que tentassem encontrar mais ouro dentro de sua propriedade. E eles encontraram muito!
O ouro de aluvião, aquele que aparece nos vales dos rios, em camadas superficiais da terra, era abundante. Não precisou de muito pra que a notícia se espalhasse pela região, depois pelo estado do Pará e logo pelo país todo. No final, 10% da arrecadação ficava com Genésio. Ou pelo menos foi isso que ele tentou fazer, atribuindo a alguns homens a exclusividade da exploração. Mas os 30 que chegaram antes viraram milhares em meses, e dezenas de milhares em um ano.
Já no primeiro semestre de 1981, o garimpo manual contava com 20 mil pessoas, todos com uma única intenção: bamburrar (palavra usada pelos garimpeiros que significa enriquecer)! Já nos primeiros meses da exploração, a vegetação foi toda retirada e a terra dividida em barrancos individuais, na colina que pertencia à Vale (BVMF:VALE3). Afinal, aquele ouro de aluvião da fazenda de Genésio acabou rapidinho.
A colina tinha uns 150 metros de altura e foi dividida em lotes de 2 x 3 metros, entre os pioneiros na exploração. Os donos desses lotes contratavam 5 tipos de trabalhadores. O primeiro deles era o “meia-praça”, que era basicamente o gerente e ficava com 5% do ouro encontrado no lote. O segundo era o “cavador”, que rompia o solo com a picareta atrás do metal. O “formiga” era o terceiro tipo, responsável por levar os sacos de terra de 40 kg pra fora do lote. O quarto tipo era o “apontador”, que contava os sacos retirados do lote e, por último, existia o “apurador”, que lavava a terra e fazia a separação do ouro usando mercúrio. Todos esses últimos eram assalariados e não tinham exatamente uma participação no lucro, como o meia-praça.
Foto: Sebastião Salgado
Depois de separado, o ouro era fundido em barra e vendido para a Caixa Econômica Federal — única compradora oficial do ouro da serra — que pagava um preço 15% menor que o praticado no mercado internacional. Afinal, o Estado tinha que ganhar alguma coisa, certo?
Movidos pelo sonho de ficarem ricos, estima-se que Serra Pelada atraiu mais de 90 mil homens durante toda a década de 80, até 1992, quando o garimpo foi fechado.
A serra batia recordes de extração a cada ano. Em 1981, a extração chegou a 2,5 toneladas, número superado somente no primeiro semestre do ano seguinte. Em 1983, foi encontrada a maior petita do mundo no local — uma pedra de 36 kg — que foi anunciada no Jornal Nacional, por Cid Moreira. Esse ano ficou marcado como o pico da extração, já que 13,9 toneladas de ouro foram extraídas do local.
A euforia continuou até 1986, mas a quantidade extraída já tinha começado a cair e chegou a apenas 2,6 toneladas no final desse ano, 5 vezes menos que no pico de 1983. Escândalos de corrupção começaram a aparecer na cooperativa de garimpeiros e a violência estava no auge. Na Vila 30 — comunidade que o garimpo fez surgir a 30 km da serra — havia um lema: “de dia é 30, de noite é 38”.
Foto: Sebastião Salgado
Na vila, os preços praticados chegaram a fazer inveja à capital mais cara do Brasil, até que em 1987, dos 100 mil habitantes do local, apenas 15 mil estavam empregados. A produção de ouro tinha caído absurdamente e a colina que existia no início deu lugar a um buraco que já tinha atingido 100 metros de profundidade. A verdade é que quase ninguém mais conseguia retirar ouro de lá.
Em 1988, foram extraídos apenas 745 kg do local e em 1990 essa marca caiu pra 250 kg. Por fim, em 1991 já não tinha mais nada lá. A perfuração de um lençol freático e as fortes chuvas típicas da região transformaram o buraco de mais de 100 metros de profundidade em um grande lago. O garimpo manual ficou oficialmente impossível e os milhares de garimpeiros ficaram sem emprego. Miséria e violência tomaram conta da região, coisa impensável para um lugar onde poucos anos atrás garimpeiros sortudos tiravam pepitas de mais de 30 kg de ouro.
Em 1992, a área foi devolvida à Vale, que foi indenizada em 1984 em US$ 59 milhões, pelo Governo Federal. A Serra Pelada tinha virado história e sobraram no local apenas alguns desiludidos renitentes, que se negavam a voltar para casa de mãos vazias.
Não, não é sobre Serra Pelada que Howard Marks — um dos maiores investidores do mundo — escreveu na sua carta da Oaktree no meio do ano passado. Mas ao mesmo tempo, foi sobre a Serra Pelada.
Como assim? Você deve estar se perguntando. É claro que não foi literalmente sobre a exploração do ouro e os garimpeiros de Serra Pelada que ele escreveu, mas foi sobre o mesmo sentimento que permeou o pessoal da serra: a vontade de enriquecer e o otimismo exagerado. Acontece que na carta de Marks, o que acabou despertando esse sentimento a partir das quedas absurdas de março de 2020, foi a política monetária do Fed para combater os efeitos da pandemia.
Marks falou sobre muita coisa, durante as 13 páginas da carta. Entre elas: ciclos de mercado, bull e bear markets, criptomoedas, super stocks (FAAMG) e sobre comportamento humano. Ele ressaltou a grande importância que a psicologia tem nos preços dos ativos financeiros. Seja para cima, quando os investidores estão eufóricos e acham que os preços não podem cair. Seja para baixo, quando esses mesmo investidores estão extremamente depressivos e acham que os preços nunca mais irão voltar a subir.
Ele fala sobre as fases de um bull market e o efeito psicológico causado nos investidores pelas novidades das teses mirabolantes de investimento vendidas muito caras, que passam a ideia de que algo novo se tornará imprescindível no futuro. Conta como um bull market atrai a maioria das pessoas só pela euforia de bons resultados causados pelo momento.
Em suas palavras, no primeiro estágio, quando os preços estão baixos e uma aura de pessimismo ainda impregna o mercado, as únicas coisas que são necessárias ter pra comprar são: dinheiro e estômago. No estágio dois, quando os preços começam a subir, os bons retornos encorajam os investidores, que são cada vez mais atraídos pelo otimismo gerado por esses mesmos resultados. No terceiro estágio do bull market, cautela e seletividade deixam de existir e as pessoas compram agressivamente, justamente no momento que deveriam ter mais cuidado.
“O que um homem sábio faz no início, um tolo faz no final”.
Infelizmente, investidores recompensados por sua tolerância ao risco, com uma sequência de ganhos extraordinários, param de discernir investimentos bons de ruins. De repente, o sentimento positivo sobre alguns exemplos de ativos em um setor novo e promissor, são estendidos a todos os ativos daquele setor, e tudo parece que vai dar certo. Pra você ter uma ideia, o número de SPACs no mercado americano saiu de 59 em 2019, para mais de 600 em 2021.
No breve texto de Glen Kyle sobre os ciclos de mercado, a gente pode ver as três fases bem claras. A primeira é a Accumulation, lá no início, com pouca gente. A segunda começa em Momentum builds, com mais gente entrando. Por fim, a terceira está ali, em FOMO e Euphoria, que é quando a razão deixa de existir.
Porém, nada dura para sempre e nenhum preço sobe indefinidamente. Preços excessivamente altos, geralmente, revertem para a média e isso deixa muita gente desesperada no caminho, principalmente quem comprou no último estágio do bull market.
No mundo real, as coisas flutuam entre “muito boas” até “nem tão boas assim”. Porém, no mundo dos investimentos, a percepção dos investidores flutua de: “isso é perfeito”, para “tem 0 chances de dar certo”. Isso faz com que teses, antes vistas como fortes e impecáveis, ao primeiro sinal de fraqueza passem a ser vistas como um desastre.
Em tempos de alegria, com tudo dando certo, tech bulls vão falar que é preciso investir em ações de crescimento, cujas empresas terão décadas pela frente de potencial incremento nos lucros. Nesses tempos, lucro não é importante, e queimar caixa é justificável, já que a empresa está queimando dinheiro para ganhar escala e tudo que importa é o tamanho do mercado endereçável daquele produto ou serviço.
Mas depois de um declínio considerável nos preços dessas ações, o que se houve é que o investidor deve colocar seu dinheiro em empresas sólidas, geradoras de caixa e que investir em empresas que não dão lucro é jogar dinheiro no lixo.
Se você acha que o preço é reflexo apenas dos fundamentos, você está enganado. Os fundamentos de uma empresa, por exemplo, são objetos de análises feitas por seres humanos. O problema é que essas análises estão repletas de sentimentos, emoções e outros fatores psicológicos, que podem mudar drasticamente em um curto espaço de tempo.
Essa mudança de sentimento, às vezes catalisada por fatores de política monetária, às vezes por fatores políticos como guerras, às vezes somente por medo ou otimismo exagerados, marcam as fases dos ciclos de mercado.
Uma das citações da carta, de um trecho do artigo “The Unreachables”, de Theodor Reik — um dos primeiros alunos de Freud — é extremamente ilustrativa:
“Existem ciclos recorrentes, altos e baixos, mas o curso dos eventos é essencialmente o mesmo, com pequenas variações. Dizem que a história se repete. Talvez isso não seja o mais correto; ela apenas rima.” (tradução livre)
Por isso, tenha cuidado com as promessas de um Eldorado, como foi a Serra Pelada, e procure entender sobre o ciclo de mercado. Não seja o garimpeiro que chegou depois de 1986!