Esta é a quinta e última análise da Série Especial: Juros neutros e próximos passos da política monetária do Copom
O futuro é algo escorregadio. Apesar do esforço da humanidade em tentar domesticar há séculos este último animal selvagem, o tempo insiste em escapar por entre os dedos de qualquer mortal que acredite conseguir pegar Cronos pelo cabelo. Toda a indústria financeira sonha com este presente divino: conseguir de vez estacionar o tempo e com isso ganhar para si o tempo de todos os demais.
Os financistas tentam tal bruxaria de diversas formas, seja através de gráficos ou métodos quantitativos na esperança que ao final do dia se possa ter descoberto o balanço do tempo entre médias móveis e estatísticas variáveis. O grande norteador de tal empreitada é a perspectiva que ao final tudo convirja à média e assim seguimos tentando enquadrar o tempo no seu retrato, como que querendo resumir um filme à um único frame.
Os economistas tentam tal façanha há muito tempo também e o método, em alguma medida, difere em parte do estilo de um financista. Os economistas, bem, parte deles, criaram uma hipótese mais robusta em termos lógicos, mas tão inexequível quanto os outros bruxos por aí. A ideia central é que existiria um Equilíbrio Geral entre Demanda e Oferta, um ponto de equilíbrio onde não haveria ruído ou fricções de tal sorte que o dinheiro cumpriria fielmente sua função de ser apenas um lubrificante geral das trocas econômicas.
Segundo este Equilíbrio Geral, distorções nos preços indicam por resíduo que algo não está certo no patamar de produção; se há deflação estaríamos abaixo do pleno emprego dos fatores existentes, se os preços sobem isso quer dizer necessariamente que estamos tencionando mais que devia o tecido econômico. O problema é que esta conta é feita de traz para frente, se assume que há algo lá pela distorção ao redor.
O método é parecido como que um astrônomo usaria para descobrir um buraco negro, eu presumo. Como não se pode observar diretamente um buraco negro os astrônomos deduziriam que ele está lá porque os planetas ao redor adquirem órbitas exóticas em relação aos planetas e outros objetos que estão naquela região. É com método similar que se descobre uma taxa de juros neutra.
Tudo se relaciona com a hipótese de que no longo prazo há um Equilíbrio Geral, uma curva de oferta perfeitamente vertical e não mais positivamente inclinada que reagiria apenas com inflação à qualquer deslocamento da demanda. Esta é uma hipótese matematicamente elegante e ousaria dizer que quase religiosa também, afinal o que é a ideia de Deus que não um grande Equilíbrio Geral, um balanço perfeito entre tudo que foi, é e será?
Na astronomia tais reduções funcionam uma vez que se trabalha efetivamente com constantes absolutas. A velocidade da luz é uma delas, uma régua invariável em relação ao tudo ao redor. Agora tentem imaginar se a luz fosse ela mesmo variável, oscilando de valor em dadas situações. Se isso fosse verdade, as teorias da astronomia moderna cairiam como um castelo de cartas. Em parte este é o drama da inflação atual do Brasil, o longo prazo colapsou tornando a taxa neutra uma ficção.
Não há forma segura, como disse acima, para se auferir o Equilíbrio Geral. Umas das parcas tentativas dos economistas e seus precários astrolábios é usar um método de suavização estatística das séries do PIB e o método mais usado é o Filtro HP. E o que este filtro nos diz? Ele aponta com clareza que o PIB Potencial, aquele que se confundiria com o Equilíbrio Geral, está caindo fortemente há anos. Logo, isto permitiria dizer que poderíamos ter uma taxa de juros mais baixa que o usual.
Vimos essa taxa de juros cair e todos se espantaram quando a taxa Selic caiu para 2%, patamar este que nunca se imaginou possível. Mas aí tivemos a reviravolta: a inflação começou a disparar como que dizendo que o equilíbrio havia sido rompido mais uma vez. Os economistas então correram para dizer que o problema é que o futuro estava contaminado pela política e isto alterou a curva de lugar, fazendo que longo prazo se deslocasse para a esquerda.
É como se o buraco negro mudasse de natureza e, ao invés de atrair os planetas, começasse a expelí-los.
Não sou um economista que veja o dinheiro desta forma em Equilíbrio Geral, gosto de ver o dinheiro como um contínuo espaço-tempo que acomoda os planetas ao redor, uma economia monetária na qual o dinheiro joga ele mesmo um papel importante, atraindo ou distanciando planetas.
O ponto é que hoje estamos num dilema. Ou bem acreditamos que estamos com o PIB abaixo do potencial e que nossos instrumentos são falhos para medir o insondável, ou que o futuro colapsou e neste sentido precisamos elevar os juros para este novo ponto de equilíbrio.
Nunca a condução da Política Monetária foi tão “artística”.