Os modelos de precificação de ativos trazem respostas confortadoras, não trazem? O que seria de nós, ao avaliar um projeto de investimento, na hora de definir a taxa de desconto adequada ao seu risco? O que seria dos reguladores na hora de arbitrar a remuneração adequada ao permissionário de serviços públicos sem que ela fosse, nem abusiva, nem desestimulante? O que seria dos analistas de M&A sem uma taxa adequada ao valuation dos ativos?
Mas será que tais respostas deveriam nos deixar tão tranquilos assim? Será que em um dos melhores exemplos de "efeito manada" e "profecia autorrealizável" não estamos adotando o CAPM como uma "mentira conveniente"? Será que o rei está nú?
Como para qualquer modelo teórico, também para o CAPM foram estabelecidas premissas cujo objetivo é tornar a modelagem da realidade simples o bastante para caber em nossas equações.
Tais premissas são:
- Os investidores são racionais e procuram maximizar sua utilidade econômica;
- Os investidores existem em grande número e se comportam de forma competitivas;
- O horizonte de tempo considerado nas expectativas de todos os investidores é o mesmo;
- Todos os investidores possuem o mesmo nível de acesso a todos os ativos;
- Não existem taxas, corretagens ou outros custos de transação;
- Todos os investidores possuem as mesmas crenças sobre as oportunidades de investimento, ou seja, possuem expectativas homogêneas;
- Os investidores podem emprestar e tomar emprestado montantes ilimitados de recursos à taxa livre de risco;
- Os investidores podem vender a descoberto qualquer ativo, bem como reter qualquer fração de uma determinada ação.
Em princípio, quaisquer desvios da realidade onde são gerados os dados que baseiam os cálculos do CAPM dessas premissas, adiciona um erro ao resultado encontrado. Não, não conheço quem saiba medir esses erros (caso você conheça, por favor, deixe as referências aqui nos comentários), mas sabemos que eles existem e que não são pequenos, vejamos: a racionalidade dos investidores (ou do ser humano, se preferir) é um dos maiores mitos da nossa sociedade. Sim, podemos admitir que todos tentem maximizar suas curvas de utilidade, mas daí a afirmar que tais utilidades são economicamente valoradas de forma racional é um salto muito grande.
Admitir que grupos de investidores não atuem em conluio diante de interesses comuns (confessáveis ou não) é fechar os olhos para a realidade de todos os dias.
Quanto eu tinha 35 anos de idade a menos, meu horizonte de tempo de investimento era bem maior do que é hoje em dia. Então, se não existe esta consistência nem com um único investidor, o que esperar do conjunto deles (ainda mais um conjunto amplo o suficiente como exigido na premissa anterior).
Sobre a quarta premissa só posso escrever uma coisa: quem me dera. Existe um conjunto significativo de cláusulas de barreira em diversos ativos e mercados.
Sobre a quinta premissa, na verdade, é só por isso que estamos aqui hoje. Não fossem os custos de transação que tornam o Mercado imperfeito, não haveria o porquê das Instituições que o compõem existirem, não é?
Na sexta premissa (para alguns a mais forte de todas) esperar que tenhamos todos a mesma visão do futuro, ou seja, que todos acreditemos no mesmo comportamento dos ativos no futuro é como uma pá de cal na credibilidade dos resultados do modelo, não é? Para isto acontecer, no mínimo, precisaríamos ter acesso às mesmas informações.
As premissas 7 e 8 (poderíamos colocar a número 5 também neste grupo) se referem a um mercado eficiente e sem custos de transação. Vou poupar o leitor, posto que qualquer comentário seria redundante.
Bom, mesmo sem saber medir o impacto de cada um desses desvios nos resultados do modelo, não é difícil intuir que sua precisão é duvidosa.
Podemos, ainda, colocar em pauta as discricionariedades (usualmente aceitas em seus cálculos) como a escolha do período de análise, os índices representativos das taxas livres de risco e do retorno do mercado, do risco soberanos sem falar na própria escolha do Beta que, em alguns casos, pode recair em um setor ou outro, ou ainda, em uma composição entre eles.
Somados todos esses efeitos (erros) para que serve a taxa de oportunidade calculada?
Acho esta é uma ótima pergunta e tenho algumas hipóteses para respondê-la. A primeira delas é que sua principal função é tirar do tomador de decisão a responsabilidade por eventuais erros, ou seja, mais uma aplicação do comportamento tipificado por " se a culpa é minha, posso colocá-la em quem eu quiser*, no caso, no modelo.
Outra hipótese seria o efeito manada: se todo mundo usa, por que não vou usar? Afinal, não preciso de um número correto, preciso de um número que não tenha que ser explicado, que tal?
Minha terceira hipótese é de que quão mais pessoas usam esses modelos, mais a realidade converge para os resultados calculados (profecia autorrealizável).
Qual você acha mais plausível?
*Professor do Coppead e do Instituto de Economia da UFRJ