O ministro do petróleo da Arábia Saudita, Abdulaziz bin Salman, fez duas apostas audaciosas na semana passada. A primeira foi que os maiores “violadores em série” da Opep – Iraque e Nigéria – iriam parar de desrespeitar suas respectivas cotas e produzir conforme o acordado a partir daquele momento.
Sua segunda e não menos importante aposta foi que os produtores de “shale oil” nos EUA também seriam disciplinados para evitar uma superprodução, principalmente com a recompensa dos preços mais altos gerados pela restrição de oferta de outros produtores mundiais de petróleo.
Em uma nota emitida nesta segunda-feira, Phil Flynn, analista de energia da corretora Price Futures Group, de Chicago, não pôde deixar de observar que Salman tentou soar como um “salvador da pátria” dos produtores norte-americanos pressionados financeiramente, ao projetar a Opep como sua única fonte confiável de estabilidade de mercado em tempos de dificuldade.
Flynn citou Salman sobre a posição da Opep e da Arábia Saudita:
“Queremos ser mais úteis. Acho que o mundo espera que assumamos a liderança. Quando o mercado precisar de alguma estabilização, pode contar com a nossa ajuda.”
“Estamos aqui para salvar o dia”, disseram os sauditas aos produtores americanos
Apesar do seu otimismo com o petróleo, Flynn não conseguiu deixar de notar a ironia nas palavras do ministro saudita, uma vez que o mercado nos últimos cinco anos tem sido influenciado por outros fatores além da rivalidade entre a Opep e o “shale”. “Aí vêm eles para salvar o dia”, afirmou Flynn, referindo-se aos sauditas, não sem um quê de sarcasmo.
Mas ele reconheceu que Salman estava correto em certa medida: a indústria do “shale” sem dúvida teve um ano extremamente desafiador e precisava de ajuda. Foram registrados 33 pedidos de falência de produtores americanos nos primeiros nove meses de 2019, contra 28 durante todo o ano de 2018. O número de sondas de perfuração caiu para 663, atingindo a mínima de 33 meses.
Antes mesmo das suas reuniões em Viena, na semana passada, as autoridades da Opep já vinham profetizando a ruína dos produtores norte-americanos. O Secretário-Geral, Mohammed Barkindo, declarou, no fim de novembro, que a desaceleração do shale “está se intensificando aos poucos” e que a Opep ficou sabendo que os produtores americanos “já estiveram mais otimistas no passado, em vista da variedade de desafios que estão enfrentando”.
Será que a produção de “shale” realmente está com os dias contados?
Será que os produtores norte-americanos estão mesmo prontos para jogar a toalha, como secretamente espera Salman, permitindo que a Opep retome o poder indomável que tinha antes da revolução do “shale oil” em 2014, quando conseguia influenciar a oferta e os preços do petróleo?
Tudo depende de qual orientação você está seguindo agora.
Se for a do Goldman Sachs, a resposta estará bastante em linha com o que está sendo divulgado em Viena.
Como uma das vozes mais influentes do mercado petrolífero, até suas previsões de preço serem frustradas pela dinâmica do boom no “shale”, o Goldman insiste que levará anos para que os produtores norte-americanos resolvam seus excessos de dívida, capacidade e emissões e se tornem de fato uma ameaça concreta para a Opep.
Em uma nota para os clientes logo após a conclusão das reuniões da Opep, em 6 de dezembro, analistas do Goldman disseram:
“A expectativa é que a restrição no ‘shale’ persista mesmo com preços moderadamente mais altos."
“O baixo desempenho financeiro, o excesso de alavancagem e o foco cada vez maior em emissões elevaram muito o custo de capital dos produtores de ‘shale oil’. O mais importante é que essa pressão não vem mais dos preços do petróleo, como em 2015-16, mas dos mercados de ações e dívidas.”
Goldman afirma que a economia de caixa, e não sua queima, será a ênfase do “shale"
O banco de Wall Street observou que muitos produtores americanos estão focados em priorizar a preservação de capital e os retornos aos acionistas, e não na expansão de gastos.
“A expectativa dos nossos analistas nos EUA é que haja um aumento nos fluxos de caixa acima dos preços orçados em 2020, que serão destinados à redução de dívidas, distribuição de dividendos e recompras de ações, em vez de perfuração."
A consultoria Rystad Energy, de Oslo, tem uma visão diferente sobre o destino do “shale” no longo prazo, apesar dos árduos esforços da Opep para conter a ameaça do seu inimigo norte-americano.
Rystad observa que, apesar do significativo declínio na contagem de sondas nos EUA, não houve uma queda drástica no número de poços perfurados.
Mas Rystad acredita que o “shale” pode continuar se expandindo
A Rystad acredita que a produção de petróleo leve nos EUA se expandirá até pelo menos 11,6 milhões de barris por dia (bpd) até 2022, o que significa uma taxa de crescimento anual composta de 10% entre 2019 e 2022.
Trata-se de um número bastante conservador, em comparação com as estimativas atuais do Departamento de Informações Energéticas dos EUA (EIA, na sigla em inglês), que mostra que o país já produziu 12,9 milhões de bpd nas últimas semanas.
Com base nessa estimativa da EIA, o setor de extração e produção nos EUA produzia 45% a mais de petróleo do que em outubro de 2014, apesar do número significativamente menor de sondas em operação no país, observou Dominick Chirichella, do Instituto de Gestão Energética, em Nova York.
Impressionante eficiência produtiva
De acordo com Chirichella:
“Em outubro de 2014, cada sonda em operação produzia 5.515,85 bpd. Na última sexta-feira, no entanto, esse número era de 19,457 bpd. Trata-se de um ganho de eficiência de 3,5 vezes.”
A produtividade está claramente comprovada na bacia Eagle Ford, uma das mais prolíficas dos campos de xisto no sul do Texas.
De acordo com a IHS Markit, a Eagle Ford finalmente registrou fluxo de caixa positivo em 2019, com a redução das perfurações. Mas esse período de lucratividade pode estar acabando com o declínio na produção.
“Gerar fluxo de caixa livre é fácil: basta parar de abrir novos poços”, declarou Raoul LeBlanc, da IHS Markit, à Bloomberg. “O fato é que, em muitos casos, a produção imediatamente apresentará fortes declínios.”
Ao final, produtores norte-americanos terão que perfurar mais
Para conseguir um equilíbrio correto, seria necessário que muitos produtores de “shale” voltassem a elevar a produção – o contrário do ambiente de “cessar-fogo” esperado pela Opep.
O Goldman, em uma nota após a reunião da Opep, manifestou-se no mesmo sentido.
“Existe um limite para esse nível de restrição dos produtores americanos diante de preços mais elevados, haja vista que a maioria deles oferece retornos atraentes acima de US$ 60 por barril de WTI.”
“Por isso, acreditamos que um mercado muito restrito prejudicaria mais uma vez os cortes da Opep+."
O WTI, referência do petróleo nos EUA, está cotado em torno de US$ 59 por barril. Uma das apostas da Opep pode ficar ameaçada em breve.