Diversas vezes depois do Plano Real em 1994 ouvimos que o Brasil estava pronto para ter taxas de juros baixas que levariam o país à maturidade econômica financeira. Assim como na famosa peça do autor irlandês Samuel Beckett, nosso Godot nunca chegava.
Com a decisão do Banco Central de reduzir a taxa Selic para 2,25% ao ano e a possibilidade de novas quedas, podemos dizer que o dia chegou, infelizmente desacompanhado do cenário de maturidade que tanto almejávamos. A queda da taxa de juros é reflexo de mais uma crise econômica, que em função do coronavírus dragou o crescimento da economia mundial para níveis nunca vistos.
Sob a ótica do investidor, a primeira reação que nos vem à cabeça é que aplicar nosso dinheiro indexado ao CDI não renderá mais nada. Contudo, quando nos aprofundamos na análise, percebemos que nem tudo está perdido para o investidor que deseja continuar tendo uma rentabilidade interessante, sem se expor a riscos desproporcionais ao seu apetite.
A primeira e talvez mais importante análise que devemos fazer é diferenciar taxa de juros nominal e taxa de juros real. O CDI é uma remuneração nominal do capital. Atrelado a taxa Selic, que é definida pelo COPOM (Comitê de Política Monetária) e segue o modelo de metas de inflação para determiná-la. Simplificando bastante o raciocínio, quanto menor a inflação e a expectativa futura de inflação, menor a taxa Selic e consequentemente o CDI.
Fica fácil entender que, quando o CDI está baixo, obrigatoriamente a inflação, atual e esperada, está baixa. O IPCA, índice oficial de inflação, do mês de maio deve mostrar queda de 0,60% nos preços, e a pesquisa semanal do Banco Central prevê uma inflação anual de 1,59%.
Embora taxas de juros nominais elevadas como vivemos no passado nos deem a sensação de evolução rápida do patrimônio, parte dessa taxa está apenas corrigindo nosso capital pela inflação, ou seja, o que realmente importa é a taxa de juros real, que nada mais é que a taxa de juros nominal, menos a inflação verificada.
Em 2015, mesmo com o segundo CDI mais alto da série, tivemos uma taxa real de apenas 2,32%. Cabe aqui mais uma reflexão. Os investimentos no Brasil, salvo os produtos incentivados, pagam imposto de renda sobre o retorno nominal e não sobre o real.
Sendo assim, o juro real líquido de IR em 2015, quando o CDI foi 13,24%, foi de apenas 0,33% (2,32% - 1,99% de IR), quase o mesmo que o retorno líquido de IR de 0,31% projetado para 2020.
Em função do IR sobre aplicações financeiras, para um mesmo nível de juro real, é preferível termos CDI e inflação mais baixas.
Existem diversos ativos financeiros nos quais o retorno é indexado à inflação. A postura agressiva do Banco Central na queda da taxa Selic sugere que as projeções do mercado em relação à taxa de juro real no futuro tenham caído.
Mais uma vez focando a análise para uma visão de investidor, podemos dizer que mesmo com o CDI mais baixo, é possível comprar títulos com retornos reais melhores que antes da última queda. O mesmo movimento observado nos títulos públicos ocorreu no mercado de taxas de juros futuras pré-fixadas.
O mercado acredita que o preço justo do CDI de hoje até o fim de 2022 é de 4,30%. Isto quer dizer que se eu imagino que o CDI médio do período será mais alto que 4,30%, posso comprar os contratos futuros para travar esta taxa de juros caso o CDI suba. O contrário vale para quem acredita que o CDI médio será mais baixo.
Para finalizar a análise sobre o impacto da taxa de juros em nossos investimentos e principalmente os efeitos da queda do CDI, vale revisitarmos alguns conceitos. No mercado financeiro, o termo utilizado para definir o ganho adicional acima da taxa de juros básico da economia é chamado de alfa. Nós, gestores de carteiras, somos perseguidores incansáveis de alfa.
Durante anos, dado o histórico de CDI elevado, as carteiras e fundos eram medidos em percentual do CDI. Percentuais acima de 100% do CDI, geravam alfa positivo. Com a queda do CDI, temos feito o trabalho de alterar a remuneração dos ativos investidos por nós de percentual do CDI para CDI + alfa.
Temos ouvido diversos analistas de finanças pessoais enfatizarem que o investidor deve fugir do CDI. Esta análise nem sempre é verdade, uma vez que ativos que rendem CDI + taxa de juros podem ser bastante interessantes.
A demanda atual do mercado por liquidez tem propiciado alternativas muito boas de investimento em ativos com alfa elevado, algumas vezes acima de 5% ao ano.
Um ativo que rende CDI + 6% ao ano, por exemplo, renderá o juro real mais 6% ao ano. Se os analistas estiverem certos em suas previsões de CDI e inflação, uma carteira a 100% do CDI terá rendimento real de 0,65% ao ano. Já uma carteira com alfa de 6%, ou seja, que rende CDI + 6% ao ano será uma carteira que rende 6,65% de juro real, quase 10 vezes mais que uma carteira que rende 100% do CDI.
Resumindo alguns conceitos discutidos até aqui, entendemos que é importante sempre ter em mente que nosso patrimônio vai subir em função do juro real líquido de IR. Hoje, embora o CDI seja baixo, a curva futura não cedeu na mesma proporção e o mercado de crédito continua praticando alfas elevados. Cada vez mais é importante entender que, mesmo aplicando em CDI, o que importa é o alfa gerado pela aplicação.