Anna Lucia Horta e Tomás Kovensky
Em 2021, principalmente durante a Conferência do Clima (COP26) em Glasgow, diversos novos compromissos ligados à adaptação climática foram apresentados, muitos deles com caráter voluntário e espontâneo. A indagação recorrente é a mesma que vem sendo feita ao longo dos últimos anos: o saldo total dos esforços anunciados foi positivo? Seu resultado será suficiente para endereçar os riscos climáticos que são cada vez mais iminentes?
A repercussão e avaliação dos observadores internacionais foi difusa. Para alguns, os compromissos foram pouco ambiciosos e insuficientes para limitar aumento de temperatura média a no máximo 1,5°C (se comparado ao níveis pré-industriais). Para outros, vários dos compromissos que foram firmados, somados às iniciativas independentes e voluntárias, contribuíram para manter vivo este objetivo. Um consenso é que, para alcançar estas metas ambiciosas, serão necessários recursos para financiar uma transição rumo a uma economia de baixo carbono. Este consenso traz os vários atores do mercado financeiro para um lugar de destaque na agenda climática global, o que foi refletido na agenda da conferência do clima.
Algumas parcerias e compromissos voluntários que se destacaram na agenda de finanças foram: a Carta compromisso intitulada “Race to Zero”, assinada por mais de 30 instituições financeiras detentoras de US$ 8,7 trilhões de ativos sob gestão, que busca a redução de emissões provenientes de seus portfólios até 2025, por meio de diversas estratégias, como a eliminação do desmatamento ligado à produção de commodities agrícolas, entre outras foi um marco importante. Outras novas iniciativas são o GFANZ (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), para financiar a transição à economia net zero (sem emissão liquida de carbono), Net Zero Asset Owner Alliance, Net Zero Asset Manager Initiative e Net Zero Banking Alliance, entre outras. Tomando a GFANZ como exemplo, o compromisso é superior a US$ 130 trilhões e foi firmado por mais de 450 instituições, em cerca de 45 países. Os desafios para implementar o compromisso são proporcionais ao volume financeiro em questão. Se os compromissos globais são estratégicos, é necessário que as táticas sejam regionais e locais e que contem com parceiros com presença em cada uma das realidades locais, assegurando que a sua implementação seja bem-sucedida.
A economia global é composta por uma infinidade de setores e, certamente, uma única solução não atenderá a todos. O IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), criado no âmbito das Nações Unidas, estimou que 23% das emissões globais de gases do efeito estufa (GEE) estão associadas ao uso da terra, incluindo 11% das emissões globais de GEE do desmatamento e da conversão de ecossistemas naturais. Um dos pontos de discussão mais destacados na agenda global climática este ano foi a necessidade de estabelecer sistemas alimentares mais sustentáveis baseados em modelos inclusivos, de produção natural positiva, equitativos e com padrões de consumo sustentável. Estes aspectos são fundamentais para assegurar a resiliência produtiva, que pode ser afetada por mudanças nos padrões de temperatura e clima, que podem interromper as cadeias de abastecimento, afetar a produtividade e levar a preços mais altos as commodities.
O IFACC – Iniciativa de Finanças Inovadoras para Amazônia, Cerrado e Chaco, também anunciando em Glasgow, é uma iniciativa global que se apoia em parceiros locais e globais para implementar mudanças associadas ao uso da terra em três biomas - Amazonia, Cerrado e Chaco. Por ocasião do anúncio, o IFACC já contava com oito signatários que, coletivamente, se comprometeram a alocar US$ 3 bilhões até 2025, com desembolsos de US$ 200 milhões até 2022 — para a produção de soja e gado livre de desmatamento e conversão de terras na América do Sul. O compromisso inicial é equivalente a 10% da estimativa de oportunidades de investimento e crédito para financiar a totalidade da transição da produção destas commodities para modelos livre de desmatamento. Ao longo dos próximos meses, a expectativa é de aumento do número de signatários, o que significa a ampliação do comprometimento financeiro. Esses compromissos são uma etapa importante, mas ainda não suficiente para completar a transição. É necessário aumentar ainda mais o volume comprometido e, principalmente, é fundamental que os compromissos se transformem em desembolsos efetivos, a partir de já.
Para que esses vários compromissos gerem a transformação necessária, é fundamental o senso de urgência na implementação dos mesmos ou eles ficarão apenas na intenção e no papel e a sociedade, de forma geral, é que vai pagar o preço pela falta de ações. Em 2022, eventos como o Fórum Econômico de Davos e a COP27, em novembro em Sharm el-Sheikh no Egito, serão boas oportunidades para avaliar se os compromissos anunciados estão sendo materializados em resultados práticos, com incrementos dos desembolsos para adaptação e mitigação. Para manter vivo o objetivo de 1,5°C, não podemos esperar 2050 para tomar as atitudes necessárias, a implementação precisa começar já, ainda que de forma gradual. Apesar dos desafios que temos pela frente, existem oportunidades propiciadas pela transição das finanças sustentáveis, que podem conciliar retorno financeiro e conservação ambiental de forma mútua, de modo a atuar como elemento catalisador de uma mudança sistêmica. Para que oportunidades como estas possam ser parte da solução é necessário garantir mais ação, transparência, inclusão e parcerias para seguir canalizando os recursos financeiros privados para a produção sustentável aliada à conservação da natureza.
*Anna Lucia Horta é Gerente de Negócios e Investimentos e Tomás Kovensky é Especialista em Negócios e Investimentos, ambos na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br