No Brasil, aprendemos a conviver com inflação elevada. Nosso histórico de hiperinflação entre os anos 1980 e 1990 deixou uma marca profunda na nossa economia, sendo sanada com êxito somente após a implementação do Plano Real. A partir de 1994, nossa inflação se estabilizou e, em 1999, adotamos o regime de metas, naquela ocasião utilizado em outros oito países desenvolvidos. Essa instituição deu ao Banco Central a autonomia na prática para buscar a estabilidade de preços, utilizando a taxa de juros e a comunicação como principal instrumento.
Os resultados que colhemos sob um escopo de prazos mais longos devem ser comemorados, mas isso não significa que não houve percalços no caminho. Entre 2001 e 2003, diversos fatores domésticos e externos contribuíram para uma forte desvalorização na taxa de câmbio. Externamente, podemos destacar os ataques no 11 de Setembro e a crise na Argentina e, internamente, a eleição presidencial do então pouco conhecido Lula gerou forte temor nos mercados. Nesses três anos, o IPCA médio foi de 9,8%, colocando o recém-adotado regime de metas em desconfiança.
Nos anos seguintes, contudo, a sinalização fiscal positiva do Brasil e o ciclo favorável de commodities permitiram que o BC dispusesse de alguma previsibilidade no controle inflacionário, consolidando a instituição de estabilidade de preços ao longo da década.
Entre 2011 e 2015, contudo, a expansão da demanda agregada via crédito subsidiado combinada com uma elevada tolerância do Banco Central à inflação novamente colocaram o regime à prova. A estratégia consistia em manter a taxa de juros artificialmente baixa, elevando a pressão sobre os preços livres, enquanto os preços administrados eram forçadamente segurados, considerando sua resposta mais baixa às condições de oferta e demanda. No balanço, essa estratégia permitiu que a inflação se comportasse também de forma artificialmente baixa. Essa estrutura se rompeu em 2015, quando o mercado cobrou o preço das políticas fiscais e as estatais ficaram insustentavelmente deficitárias, trazendo uma forte recessão com inflação elevada.
A troca do governo em 2016 levou a uma alteração na diretoria do Banco Central, que tinha como missão resgatar a credibilidade da autoridade monetária. Naquele período, o Copom recuperou os conceitos e métodos adotados na implementação do regime de metas, além de trazer mais transparência aos comunicados e fomentar medidas microeconômicas para aprimorar o mercado de crédito. Como resultado, entre 2017 e 2020, vivemos com uma inflação comportada em torno da meta.
A pandemia entrou como uma grande incógnita nos anos seguintes. No primeiro momento, a falta de informações não nos permitiu concluir se estávamos tratando de um choque de oferta, demanda, ou ambos, ou por quanto tempo a enfrentaríamos. Retroativamente, é possível notar que vivemos uma forte queda na inflação nos primeiros meses, advinda de um recuo notável na mobilidade. Nesse contexto, o Copom seguiu os passos dos demais países e reduziu drasticamente a taxa de juros. A partir de 2021, contudo, obstruções nas cadeiras globais de insumos somadas a uma recuperação surpreendente da atividade global geraram grande desequilíbrio entre oferta e demanda e um expressivo aumento nas cotações das commodities, voltando a acelerar a inflação. Em outras palavras, a demanda havia se recuperado sem uma contrapartida da oferta.
Esse pano de fundo segue ditando os rumos da inflação nos dias de hoje. No entanto, três agravantes pesam na perspectiva para o ano. 1) A elevação na taxa de juros nos EUA reduz o apetite ao risco para os emergentes, trazendo pressões depreciativas sobre a nossa moeda. 2) A invasão russa na Ucrânia e as sanções subsequentes diminuem ainda mais a oferta de commodities para o mundo, em especial à União Europeia, que já observa interrupção no fornecimento de gás natural, petróleo e commodities agrícolas. No Brasil, a alta no preço dos fertilizantes reflete em grande parte os efeitos da guerra no Leste Europeu e mantém pressionada a inflação de alimentos. 3) Riscos fiscais e volatilidade dos ativos deverão vir à tona conforme nos aproximamos das eleições presidenciais.
Nos últimos meses, já observamos uma forte resposta de juros no Brasil, que saiu dos 2% para os atuais 11,75%. Na reunião da semana que vem, deveremos ver mais um aumento de 100bps, levando a Selic para 12,75%. Ainda que a decisão já seja antecipada, o mercado aguardará a sinalização do Copom acerca dos próximos passos. Dada a persistência inflacionária e viés de alta nas nossas projeções de atividade econômica, projetamos mais duas altas de 50bps nas reuniões subsequentes, encerrando o ano em 13,75%.
Considerando que o descumprimento da meta em 2022 será inevitável, o foco do BC passará a ser o ano de 2023. Se materializada a nossa projeção, o IPCA esperado para o ano que vem (4,5%) ficará novamente acima da meta (3,25%), porém dentro do intervalo de tolerância. Nossa preocupação decorre de indícios de desancoragem nas expectativas de mercado para o ano de 2024, atualmente em 3,20%, acima da meta de 3%. Dado que um dos pilares fundamentais do regime de metas é a comunicação, entendemos que uma linguagem mais dura do Copom na semana que vem seria desejável para colocar as expectativas de inflação de volta na meta e reduzir os riscos de mais um ano de incertezas inflacionárias. Ainda que o remédio de curto prazo seja amargo, a recompensa no longo prazo passa por maior credibilidade.