A 232ª reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) que decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 2,00% ao ano foi icônica por três motivos: i) nível de detalhamento da tomada de decisão; ii) utilização de forward guidance; iii) mais uma indicação de corte da Selic mesmo em níveis historicamente baixos.
Alguns economistas e gestores não gostaram das múltiplas alternativas de cenários que o Comitê trouxe na ata da última reunião no alegar de que só deixou mais confuso, tanto que essa divulgação em particular gerou diversas manifestações nas redes sociais. Na minha visão isso foi ótimo para entender a lógica de raciocínio do Bacen, o que é fantástico em termos de transparência e para comunicação com o mercado.
Porém, para entender qualquer cenário prospectivo é preciso entender qual sua base, ou seja, qual a premissa básica que roda esse modelo. No nosso caso as decisões de política monetária são regidas pelas metas de inflação como descrito pelo próprio Banco Central:
“Por esse sistema, os bancos centrais atuam para que a inflação efetiva esteja em linha com uma meta pré-estabelecida. Nesse sistema, a meta para a inflação é anunciada publicamente e funciona como uma âncora para as expectativas dos agentes sobre a inflação futura, permitindo que desvios da inflação em relação à meta sejam corrigidos ao longo do tempo. No Brasil, a meta para a inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e cabe ao Banco Central (BC) adotar as medidas necessárias para alcançá-la”.
Se a inflação será o principal driver para a tomada de decisão não tem porque ficar reclamando que diversos cenários foram apresentados, mas sim prestar atenção no cenário-base e a partir dele chegar as conclusões. Especificamente em relação ao ponto sobre a inflação, muitos economistas classificaram a ata/comunicado como dovish (propenso para políticas monetárias expansionistas).
Quando o Copom diz que “diversas medidas de inflação subjacente permanecem abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária” ele quer dizer que está tranquilo com a evolução da inflação no curto prazo, que na expectativa do BC será até o fim do ano que vem, começo de 2022. Se essa é uma verdade, então existe um espaço para a manutenção da política monetária expansionista, ou seja, ainda cabe mais um corte na Selic.
Porém, não só de uma variável se faz um modelo. Outro ponto muito importante é a perspectiva de crescimento, que, automaticamente, interfere diretamente na inflação (maior crescimento = maior expectativa de inflação). Não preciso explicar aqui o grande nível de ociosidade da nossa economia por conta do COVID-19 e isso pressupõe uma inflação baixa este ano. A grande questão é: os estímulos fiscais serão suficientes para tirar a âncora da inflação?
Segundo análise do Bacen, a pouca previsibilidade associada à evolução da pandemia e à necessária redução nos auxílios emergenciais a partir do final desse ano aumentam a incerteza sobre a velocidade de retomada da atividade econômica, ou seja, pode esquecer recuperação em “V” e ficar tranquilo com o ritmo da inflação no ano que vem. Portanto, a soma de crescimento baixo e inflação controlada ratifica a tese de um novo corte da Selic a.
E o que pode dar errado nessa tese? O Copom deixa bem claro: políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada ou frustrações em relação à continuidade das reformas podem elevar os prêmios de risco.
Sem dúvida a trajetória alarmante do fiscal é uma das grandes preocupações do mercado e que deixa uma pulga atrás da orelha de quem coloca na conta mais um corte da Selic. A continuação das reformas é algo político e difícil de ser precificado, mas a debandada do time do Paulo Guedes justamente pela lentidão desse processo não anima. Porém, se as premissas básicas estão atendidas vale acreditar em um novo corte e aguardar pelas ponderações do Copom para os novos passos.
E por falar em novos passos, vale como destaque final a utilização de forward guidance pelo Bacen, que nada mais é do que uma “prescrição futura”. O mercado trabalha com expectativa, o chamado “miolo da curva”, com projeções apontando para um aumento da taxa básica de juro entre 2 e 3 anos e isso influencia diretamente as taxas de financiamento de longo prazo, que, em grande parte, são as referências para os empréstimos corporativos.
Observando esse comportamento, o Copom deixou bem sinalizado que a tão sonhada taxa de juro estruturalmente baixa é uma realidade e não antevê reduções no grau de estímulo monetário no ano que vem ou começo de 2022 sendo mantido o cenário-base. Agora é preciso acompanhar se haverá uma resposta contundente do lado do fiscal e se a inflação seguirá comportada como tal, pois, caso houver um ruído mais forte entre essas duas variáveis o mercado voltará a precificar aumento de juros para o final de 2021.
“Apesar de uma assimetria em seu balanço dos riscos, o Copom não antevê reduções no grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022”
Em suma, não há perspectiva de alta de juros para o curto prazo e a inclinação de curva no Brasil ainda tem espaço para fechar, em especial com a guinada com as dúvidas sobre o rumo do fiscal. Confesso que acreditar nesta tese levando em conta o histórico econômico brasileiro não é uma tarefa fácil, mas se os números estão dizendo isso é preciso seguir em frente e preparado para desarmar a estratégia em caso de mudança de cenário.