Você já se perguntou qual seria o retorno e o risco de uma carteira que refletisse um supply chain (cadeia de suprimentos) ao invés de empresas ou setores? Esta foi a pergunta que me fiz e apresento o racional e os resultados neste artigo.
Até a Segunda Guerra Mundial, a Toyota (NYSE:TM) (SA:TMCO34) era uma fabricante de automóveis sem nenhuma expressão, enquanto as três gigantes americanas GM (NYSE:GM) (SA:GMCO34), Ford (NYSE:F) (SA:FDMO34) e Chrysler disputavam a primeira colocação, e as montadoras europeias também já tinham grande porte e completavam o Top 10 do setor.
Em 1970, a Toyota atingiu a sexta posição; em 2005, a segunda posição; e em 2007, se tornou a maior (e melhor) montadora do mundo. Como uma montadora saiu do nada e chegou ao Top 1? A resposta sempre esteve no seu supply chain.
Como mostra uma série de estudos do Professor Jeffrey Dyer, a Toyota conseguiu implementar um modelo de colaboração vencedor com seus fornecedores. Durante o período de 1970 a 1990, por exemplo, enquanto a Toyota melhorou sua produtividade em 8 vezes, as três grandes americanas aumentaram sua produtividade em apenas 2,5 vezes.
Como ela conseguiu isso? Levando seus fornecedores junto com ela. No mesmo período de 1970 a 1990, enquanto os fornecedores das montadoras americanas ficaram estagnados na produtividade (isso mesmo: aumento de zero por cento em 20 anos), os fornecedores da Toyota aumentaram sua produtividade em 6 vezes! Este é um dos melhores exemplos do clássico ‘ganha-ganha’ que tanto se fala.
Mas porque isto importa para o investidor? De lá para cá, diversos setores da economia implementaram modelos de colaboração no supply chain. Uns se esforçaram mais que outros, uns foram mais bem sucedidos que outros.
O Professor Gary Gereffi mapeou diversos setores da economia globalmente, e classificou-os em termos de governança, grau de colaboração e equilíbrio de poder entre compradores e fornecedores. Esses estudos mostram que o setor automotivo avançou muito, com empresas investindo em práticas similares ao modelo Toyota.
Enquanto outros, como o setor de vestuário, seguem muito pulverizados, com alto grau de terceirização (e quarteirização), baixa adoção de tecnologia e baixo grau de colaboração. Em um estudo recém-publicado feito por mim e colegas do Coppead, comparamos empresas brasileiras de diferentes setores a partir da classificação de governança e mostramos que, enquanto desequilíbrio de poder pode melhorar a performance de compradores ou fornecedores isoladamente, o equilíbrio de poder melhora o desempenho financeiro da dupla fornecedor-comprador (ou seja, o supply chain), medido pelo ciclo cash-to-cash (C2C) do negócio. Em outras palavras, mostramos que com equilíbrio de poder, o supply chain como um todo fica mais saudável financeiramente. E possivelmente mais resiliente em uma visão de longo prazo.
No meu texto do mês passado aqui no Investing.com, chamei atenção para a necessidade da governança - ‘G’ do termo ‘ESG’ (Environmental, Social and Governance) - ser estendida para o ‘supply chain’, dando origem ao termo ESEG, ou seja, Environmental, Social and Extended Governance. Este mês resolvi transportar a lógica do artigo recém-publicado para a perspectiva do investidor e perguntar: A governança estendida é boa para quem investe na empresa? Empresas com melhor colaboração no supply chain se refletem em maior retorno e menor risco ao acionista?
Para responder a esta pergunta, eu e Rodrigo Freire Lins, Mestre pelo Coppead, selecionamos dois setores da bolsa brasileira: Automotivo e Vestuário, para representar respectivamente alta colaboração e baixa colaboração no supply chain, conforme exposto anteriormente. Focamos em retorno e risco da ação no lugar de performance financeira, e recortamos dois períodos: um período de crise (2015-2016) e um período de valorização (2017-2019) das ações nos dois setores. Os números repetem a conclusão do artigo científico, agora na visão do investidor, conforme mostra a Tabela abaixo.
Notem que no Período de Crise (2015-2016), o setor Automotivo perdeu menos, e teve menor volatilidade que o setor de Vestuário em qualquer recorte. Ou seja, um supply chain colaborativo se mostrou mais resiliente na crise, menos afetado por risco sistêmico, e uma melhor escolha risco-retorno para o investidor. Já na análise interna do setor Automotivo, a carteira do supply chain apresentou volatilidade e desvalorização bem próxima das carteiras com fornecedores e compradores isoladamente, um certo empate técnico entre as três opções.
Já quando olhamos o Período de Valorização (2017-2019), o setor Automotivo bateu o setor de Vestuário em quase todos os cenários, tanto em retorno, quanto em risco (exceto na carteira de compradores que teve retorno pior, mas menor risco). Assim como no período de crise, no período de valorização, um supply chain colaborativo também se mostrou uma melhor escolha risco-retorno para o investidor, e a carteira do supply chain ainda trouxe a menor volatilidade geral no período.
Esta análise foi um estudo preliminar, limitado a dois setores, que refletiu resultados já mostrados na performance das empresas, agora refletido na carteira de investidores. Finalizo o artigo com perguntas a vocês, caros leitores e leitoras: como será que os diversos setores da economia se comportam quando analisamos retorno e risco sob essa perspectiva do supply chain? Você teria interesse em ver esses números? Você investiria em uma carteira (quem sabe um ETF) focada em supply chains colaborativos?
* Dr. Leonardo Marques é PhD pela University of Manchester, Professor do COPPEAD-UFRJ e Coordenador da Rede Transparência & Sustentabilidade em Negócios apoiado pela FAPERJ. Foi Professor visitante da Audencia Business School (2018-2020) e da Politecnica de Milano (2021). É Vice-Presidente do IPSERA International Purchasing and Supply Education and Research Association. Sua pesquisa foca em ESG, transparência e sustentabilidade no supply chain. Pode ser contactado em: https://www.linkedin.com/in/leonardo-marques-38230217/