Na última terça-feira, tivemos uma importante aprovação de parecer sobre a Medida Provisória do Saneamento Básico em comissão do Congresso Nacional. Não houve grande atenção da sociedade, mas tangencia grandes temas como economia, saúde, bem-estar e – obviamente – saneamento básico. Vou explicar porque vale a pena você, investidor, ficar bem atento ao desfecho dessa tramitação.
O parecer da Medida Provisória 868/2018 foi aprovado em comissão mista (que engloba deputados e senadores) por 15 votos a 10. Agora, a MP segue para o plenário da Câmara e tem de passar em seguida pelo plenário do Senado para ser aprovada. O relator do parecer na comissão mista foi Tasso Jereissati (PSDB-CE), que promoveu algumas alterações ao texto original – editado no dia 28 de dezembro de 2018, no fim do governo Temer.
Antes de entrar em detalhes sobre a MP do Saneamento e para refrescar a memória: medidas provisórias são instrumentos do Executivo para tratar de temas relevantes e urgentes. Quando publicadas, elas têm força de lei e entram em vigência imediatamente. O Congresso Nacional, no entanto, precisa converter a MP em decreto legislativo em até 60 dias.
Após 45 dias da contagem, a medida provisória ganha caráter de urgência. Em outras palavras, sua votação nos dois plenários vira prioritária e qualquer outra pauta legislativa fica travada até que se vote a MP. Para um detalhamento completo sobre MPs, sugiro consultar o artigo 62, na seção "Da Organização dos Poderes" da Constituição Federal de 1988.
Saneamento básico no Brasil
Voltando ao delicado tema do saneamento básico no Brasil. Vejamos alguns dados sobre a situação brasileira: mais de 35 milhões de brasileiros não são atendidos com abastecimento de água tratada; 47,6% dos brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto; somente 46% dos esgotos do país são tratados; e temos alta perda de água (38%) no trajeto até as residências. Todos os dados são os mais recentes (2016-2017) disponíveis no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal.
Por trás desses números macro, diversos problemas se deflagram. Entre eles, destaco: forte iniquidade regional – enquanto o Sudeste tem cobertura de pouco mais de 90% de abastecimento de água e coleta de esgoto, regiões Norte e Nordeste têm os mesmos índices entre 50 e 60% – e um grave atraso regulatório. Diferentemente dos setores elétrico e de telecomunicações, o saneamento não teve regulação até 2007, tornando o sistema ineficiente e cercado de inseguranças jurídicas. Tal ausência afetou diretamente os municípios, entes federativos responsáveis pelo serviço. Até o final de 2017, segundo a Associação Brasileira de Agências Reguladoras, somente 52,2% das cidades brasileiras tinham algum tipo de regulação nesta área.
Para resumir a situação do setor, recortei do relatório elaborado em 2018 pela Confederação Nacional da Indústria, "Saneamento Básico: uma agenda regulatória e institucional", o gráfico abaixo. Inclusive, deixo aqui o link para o caderno, onde existe um panorama mais detalhado sobre o saneamento no país para quem quiser se aprofundar mais.
Vejam que, apesar dos dados serem de 2010, o Brasil encontra-se muito aquém da média de tratamento de esgoto em relação ao PIB per capita (em US$).
Investimentos no setor
Para piorar a situação, as despesas com o setor são discricionárias – significando que o governo federal não tem a obrigatoriedade de destinar parte do orçamento para o saneamento, como é o caso de saúde e educação. Em tempos de austeridade fiscal, teto de gastos e um orçamento fortemente engessado com gastos obrigatórios, naturalmente o governo não tem condições de investir o necessário para o setor, podendo até reduzir seus investimentos.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, tocou no tema em audiência pública no dia 16 de abril. De acordo com ele, a previsão do Plano Nacional de Saneamento Básico de 2019 a 2023 é de R$ 44 bilhões e atualmente o governo dispõe somente de R$ 4 bilhões/ano. Ou seja, para cumprir a meta no curto prazo, seria necessário mais que o dobro da quantia atual por ano. Recapitulando, portanto: o setor público não investe, o setor privado não investe. Um verdadeiro vácuo para o saneamento básico brasileiro e, por consequência, para o bem-estar da população.
A medida provisória
Como citei lá no começo do artigo, a reforma acabou de passar pela comissão mista. O governo Bolsonaro apadrinhou a MP editada no governo Temer e fez alguns ajustes para torná-la viável em termos de aprovação. A equipe econômica do governo atual acredita que a MP tem potencial para gerar mais de R$ 500 bi em investimentos e gerar 700 mil empregos ao longo de 14 anos.
A MP atualiza o marco legal do saneamento básico brasileiro, atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a competência para editar normas, altera algumas regras de chamamento público para contratação de empresas e estimula a entrada do setor privado no setor. Atualmente, 70% do mercado de fornecimento de água e esgoto estão nas mãos de empresas estaduais, 24% com empresas municipais e apenas 6% com agentes privados. A ideia é dar mais opção para as prefeituras contratarem o serviço, com base nas ofertas de preço e qualidade.
Havia uma preocupação em torno da MP para que ela não desvalorizasse as empresas estaduais de saneamento. Atualmente, prefeituras podem firmar contrato com as empresas estaduais sem licitação, o que seria vedado pelo texto original da medida. O senador Tasso Jereissati, no entanto, atendeu aos pedidos das estatais e estabeleceu que a contratação via licitação será somente instaurada ao fim da vigência dos contratos já estabelecidos.
Assim, não serão prejudicadas companhias como a Sabesp (SA:SBSP3), a Sanepar (SA:SAPR11) e a Copasa (SA:CSMG3), que têm contratos com municípios até 2040 e 2050. Na outra ponta, garante-se a isonomia entre empresas públicas e privadas para competir em novos contratos.
Impacto nas estatais
A medida provisória é positiva sob inúmeras ópticas. Para o mercado financeiro, a reorganização do setor é muito bem-vinda. As ações das empresas de saneamento não devem desvalorizar, haja vista a preocupação em não onerá-las com a nova medida. Pelo contrário, espera-se abrir caminho para eventuais privatizações de estatais desse setor em função da maior segurança jurídica e criação de um ambiente atrativo para investimentos decorrentes da MP 868. O governo do Estado de SP, por exemplo, aguarda a definição sobre a nova lei para definir se irá privatizar ou somente capitalizar a Sabesp.
Caso a Medida Provisória se torne decreto legislativo, as primeiras licitações devem sair já no início de 2020. O secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Faria, vê o acontecimento com bons olhos: "Com a medida aprovada até o fim de maio, teremos condições de realizar as primeiras licitações já no começo de 2020. Isso é produtividade na veia, pois aumenta a saúde do trabalhador, com geração de emprego e renda, independente de qualquer crise".
Passa ou não passa?
O governo tem os dias contados para fazer a MP tramitar e passar na Câmara e no Senado. Será necessária uma boa articulação para que a medida não fique pelo caminho. Pesam a favor do governo os benefícios gerados pela medida para a população. Com o prazo expirado, a abertura do mercado de saneamento básico ficaria, no mínimo, para o segundo semestre do ano que vem. Maio será a reta final e você não pode deixar de acompanhar.