Podemos dizer que algo realmente bem óbvio está acontecendo quando mesmo Nouriel Roubini, economista responsável por prever quinze das últimas duas crises e grande detrator de inovações como as criptomoedas, acerta algo relativo a blockchain. Nessa semana, houve discussões sobre a criptomoeda recentemente lançada pelo banco JPMorgan que, apesar de ser majoritariamente recebida de maneira cética e crítica pela comunidade, ainda representou para alguns um sinal positivo de que investidores institucionais teriam interesse no mercado.
Há dois erros nessa análise positiva. A primeira é que criptomoedas – baseadas em plataformas públicas – são uma aplicação da tecnologia que as sustenta: é possível que outras aplicações tenham maior ou menor valor. Inclusive, o sucesso de uma tecnologia como a criptomoeda do JPMorgan pode reduzir o valor de plataformas competidoras como Ripple ou Stellar. Nisso, o segundo ponto – o mesmo de Roubini – tem valor: a tecnologia do JPMorgan é centralizada. Não é uma competição entre criptomoedas, é uma competição entre criptomoedas e uma tecnologia que ainda depende de confiarmos no JPMorgan. Conforme visto em 2008, há riscos de confiar no setor bancário; as criptomoedas, de certa maneira, despontam como uma alternativa libertária ao sistema tradicional.
Evidentemente, ainda há riscos gigantescos no mercado de ativos descentralizados, mas, apesar dos pesares, criptomoedas vêm passado por reduções na volatilidade e amadurecimento tecnológico. A criptomoeda do JP Morgan é uma maneira de aumentar eficiência dos bancos, mas não sana nenhum dos problemas de risco sistêmico que o setor sofre normalmente. Ao contrário, tecnologias descentralizadas permitem trocar esses riscos por outros, mas com questões estruturais ainda a serem trabalhadas e possíveis soluções. Não há como prever se as criptomoedas serão efetivamente utilizadas no futuro para tudo que elas se propõem, mas parece haver espaço para elas reservarem valor e serem usadas para transacionar de maneira anônima independentemente de intermediários. A tecnologia do JP Morgan não vai nessa direção.
Contudo, o hype nos acende uma questão interessante: boa parte da inovação do mundo ocorre dentro de firmas. Comunidades descentralizadas como a cypherpunk trazem fortes inovações sim, mas não há como desprezar empresas e mercados consolidados. O JPMorgan tem atenção justamente por sua capacidade de propor sua solução com menores custos que, por exemplo, Ripple e Stellar. Muitos analistas focam na tecnologia e afirmam que a desenvolvida pelo banco não é suficiente, porém a implementação comercial não é tão dependente de somente qualidade técnica. Parcerias comerciais e confiança nos participantes da rede são grandes determinantes. Como se pode imaginar, participantes do sistema bancário tendem a confiar mais em bancos que em grupos descentralizados ou startups de um segmento extremamente arriscado.
O JP Morgan lançar uma moeda é um fenômeno importante justamente por isso e representa que quem o critica está apenas parcialmente correto. Tecnicamente, o JPMorgan não lançou algo que é uma criptomoeda, porém essa outra tecnologia reduz espaços para os ativos digitais descentralizados. Não podemos ficar imersos na subcultura de criptomoedas e ignorar todas evidências sobre estratégia empresarial e sobre o impacto de redes sociais de empresas em suas decisões. No caso de um erro da rede do Bitcoin, quem as contrapartes podem processar para tentar resolver seus problemas? Já na rede usando a tecnologia do JPMorgan, essa resposta é clara: o próprio JPMorgan.
Portanto, como sempre há uma tensão entre tecnologia e para estruturas do mundo atual que disciplinam as inovações para melhorias incrementais, e não revoluções. Há inovações radicais e revolucionárias? Sim, mas em geral não em sistemas que dependem de confiança. Como todo mundo sabe, confiança não se pede: se conquista. Apesar das muitas garantias matemáticas de blockchains, ainda há falhas que podem ser não previstas e o teste do tempo favorece o sistema atual. Creio que a Ripple deverá passar bem por isso por ter uma forte equipe comercial, expertise no segmento e ter feito um excelente trabalho de compliance, mas não é um fato sem relevância haver concorrência de um grande player. Ainda há chances excelentes para o crescimento dessa e outras tecnologias mais recentes, claro, porém é cedo demais para afirmar que “tecnologias piores” serão eliminadas do mercado e, acima de tudo, ainda é cedo demais para concordar integralmente com Nouriel Roubini sobre criptomoedas.