Hoje, nesse meu espaço no Investing.com, gostaria de comentar sobre um assunto que esteve em voga nas últimas semanas, que é a proposta governamental de regulação dos juros do rotativo do Cartão de Crédito. O “rotativo” é uma forma de dívida na qual a pessoa deixa de pagar o valor total da fatura do cartão de crédito e realiza o parcelamento dessa fatura para pagamento em meses subsequentes. Esse tipo de crédito é o mais caro do Brasil, seguido pelo Cheque Especial, com taxas de juros que ultrapassam os 200% ao ano.
Primeiramente há de se entender o porquê de tais juros, tanto no Rotativo quanto em um grau um pouco menor, no Cheque Especial. Existem dois tipos de empréstimos: os colateralizados e os não-colateralizados. Os colateralizados possuem um ativo subjacente que dá a garantia do empréstimo, tal como um imóvel no caso de um financiamento imobiliário ou um veículo no caso de um financiamento veicular. Como existe essa garantia, esses empréstimos possuem as menores taxas do mercado. A taxa de um financiamento imobiliário, por exemplo, consegue ser menor que a de um empréstimo pessoal, por exemplo.
Já os não-colateralizados não possuem nenhum tipo de garantia e, por isso, possuem juros maiores. Porém, essa categoria tem duas outras distinções: os consignados e os não-consignados. Os consignados são queles cujo pagamento já vem descontado na fonte e, por isso, o risco de crédito deixa de ser do pagador, passando a ser do empregador (que deve fazer o repasse ao banco), o que reduz significativamente o risco, mas não ao nível de uma garantia. Já nos não-consignados, o pagador deve fazer o pagamento mensalmente e aí o banco assume o risco de crédito do pagador, assim, juros maiores costumam ser cobrados nesse tipo de empréstimo.
No fim das contas, o que existe nesse tipo de crédito mais arriscado é a subsidização dos bons pagadores aos maus pagadores. Imagine que a taxa esperada de default de um tipo de crédito seja de 30% e o banco deseja ter um retorno de SELIC + 5% no valor recebível de um empréstimo não-colateralizado e não-consignado. Com uma Taxa Selic de 13,25%, o target seria de 18,25% de retorno ao ano. Porém, tendo em vista que 30% do valor entrará em default, a taxa de juros efetiva a ser cobrada seria de (100 + 18,25) / (100 – 30) = 68,93% ao ano. Essa taxa vai crescendo de forma exponencial conforme a taxa de default vai aumentando. Uma inadimplência de 40%, geraria uma taxa de juros de 97,08% a.a. e uma de 50% teria uma taxa correspondente de 136,5%. Isso gera um efeito espiral negativo, pois taxas de juros mais altas aumentam a inadimplência, o que aumenta a taxa de juros e assim subsequentemente.
Uma forma de diminuir esse risco é o screening, quando o banco analisa o tomador do empréstimo e verifica a probabilidade de a pessoa realizar o pagamento utilizando informações pessoais e também informações sobre o motivo e a finalidade do crédito. Porém, no rotativo do cartão o screening só ocorre para o limite do cartão de crédito e não para o empréstimo em si, tendo em vista que a pessoa pode tomar crédito até o limite do cartão.
Assim, para justificar a emissão de cartões para pessoas de grau mais arriscado de inadimplência (rendas menores e sem comprovação de renda, i.e. na informalidade) o banco tem que elevar as taxas de juros do rotativo com duas finalidades: impedir que muitas pessoas utilizem o rotativo do cartão e o banco possua um choque de liquidez quanto aos pagamentos do cartão aos fornecedores e a subsidização dos bons pagadores aos maus pagadores.
A grande preocupação sobre a limitação da taxa de juros a um corte linear de 100% ao ano é que isso afetará o mercado de cartões de crédito. Diferentemente de muitos países no mundo (como nos Estados Unidos) os comerciantes oferecem parcelamento no cartão de crédito sem juros. Esse é o melhor tipo de crédito possível. No entanto, o rotativo do cartão é o pior tipo de crédito possível. Essa é a grande questão do cartão de crédito no Brasil. Enquanto uma pessoa mais pobre não consegue comprar uma geladeira de forma parcelada sem juros (seja porque não possui um cartão de crédito, seja porque o limite é baixo), e necessita, portanto, de entrar em parcelamento via carnês com taxas de juros mais elevadas, a classe média pode comprar a mesma geladeira de forma parcelada sem juros. Ou seja, quem mais precisa do crédito não consegue, aumentando a desigualdade no Brasil.
O meu receio é que tal limitação do rotativo tornará a emissão de cartões de crédito a pessoas mais jovens e mais pobres ainda mais difícil e com limites ainda menores. Ademais, fintechs, como o Nubank (BVMF:ROXO34), que massificaram a emissão de cartões de crédito tenderiam a sofrer ainda mais com essa limitação. Por isso, a saída da autorregulação é importante, o que trará transparência aos cálculos dos juros e, ao mesmo tempo, afetará menos o mercado dos cartões de crédito no Brasil.
*Professor de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, atuando em seus cursos de Mestrado e Doutorado em Administração, além de colaborar com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da FACC/UFRJ. Atuou em projetos de consultoria em diversas empresas e entes públicos, além de ser Consultor Técnico da Fundação COPPETEC. Foi Consultor do Banco Mundial.