Risco fiscal, ruído fiscal, percepção de risco fiscal. Você provavelmente já ouviu alguma dessas expressões em espaços como esse, em que o pessoal fala de economia, investimentos, e essas coisas que impactam o nosso dinheiro.
O tal do risco fiscal parece acompanhar o Brasil como uma espécie de fantasminha indesejado, figurando como ator principal de muitas das crises que enfrentamos ao longo da história.
Entre as décadas de 1980 e 1990, por exemplo, crises com raízes fiscais nos levaram à hiperinflação — aquele período quando uma ida ao mercado se parecia com cenas de filmes apocalípticos. Mais recentemente, os 15 anos da geração que divide o cabelo no meio e não usa salto alto (anos 2014/2016 para os não familiarizados com a geração Z) foram assombrados pelo velho fantasma voltando com tudo, derrubando nossas economias, e levando “para o infinito e além” o dólar, a inflação e a taxa de juros.
Mas, mesmo sabendo que a questão fiscal sempre esteve por ali nos rondando, ainda parece uma ideia um pouco amorfa, não é mesmo? É por isso que nessa primeira coluna (que ocuparei mensalmente aqui no Investing.com), vou tentar trazer esse conceito para um mundo em que eu, você e toda “gente como a gente” vive e entende.
As contas públicas são como as suas, mas o governo emite dívida.
Pensemos no caso do orçamento de uma família. Se essa família gasta mais do que ganha ou tem de renda, ela pode pedir um empréstimo; ou seja, se endividar. Comprar com o cartão de crédito parcelado, por exemplo, é uma maneira de adquirir bens e serviços que não necessariamente teríamos o dinheiro para comprar “de uma vez só”. E para fazer isso, pegamos emprestado do banco, por meio de um cartão de crédito.
Para o governo, é quase a mesma coisa — o orçamento da família, no caso, são as contas públicas. Se o governo gasta mais com bens e serviços do que ele arrecada com tributos (que eu, você e todo mundo contribui quando pagamos impostos e consumimos), ele faz o quê? Se endivida, assim como uma família.
Mas aí que está o pulo do gato: o governo pode se endividar muito mais do que uma família. Isso é possível, porque ele pode emitir dívida soberana. E quem compra essa dívida, e assim, financia o governo? No caso, eu, você e todo mundo que compra títulos do Tesouro Nacional.
Assim, podemos dizer que o risco fiscal é o risco envolvido nessa transação entre financiadores do governo e o governo. Desse modo, se os agentes de mercado acham que o governo brasileiro é um bom pagador, o risco é menor. Do contrário, o risco é maior. E quanto maior o risco, mais descontados os ativos brasileiros: tipo nossa moeda, nossas ações, ou os próprios títulos do governo.
Imagina se essa família endividada pede dinheiro emprestado para um vizinho. Se o vizinho sabe que eles gastam mais do que podem, e ainda tem um bolo de dívida no banco, ele irá cobrar mais caro. Ou seja, o vizinho precifica o risco de não ser pago, e cobra mais.
Mas e se o governo emitir mais dinheiro?
Sabemos que o governo também pode emitir moeda para pagar por bens e serviços que presta para a sociedade. Então, porque não “imprimir dinheiro” logo, e acabar com o problema da dívida? Infelizmente, porque não é assim que funciona. A teoria econômica e a história nos ensinam que quanto mais dinheiro em circulação, menor o valor dele. Trata-se de uma questão de oferta e demanda.
Vamos imaginar que tem muito dinheiro na praça, emitido pelo governo. Sabendo que todos têm dinheiro de sobra, os comerciantes iriam aumentar os preços; afinal, por que cobrariam menos, se todos querem o produto e podem pagar mais? Na prática, a grande quantidade de dinheiro disputaria os produtos existentes, e o preço de tudo passaria a subir pouco a pouco — ou bem rápido, se o processo de inflação já estivesse a todo vapor.
Assim, podemos entender por que a expectativa do valor do dinheiro no futuro também vai contar bastante no tal de risco fiscal. Se você como investidor empresta dinheiro ao governo, mas quando esse título vencer (por exemplo, em 10 anos) esse dinheiro compra muito menos bens e serviços, você já vai pensar duas vezes antes de fazer isso. Ou, por que não, vai cobrar mais do governo.
Trazendo para a realidade do Brasil de hoje, podemos concluir que o risco fiscal envolve todo o risco que agentes de mercado precificam para emprestar dinheiro ao Brasil. E isso vale tanto para um título público, quanto para ativos com origem no capital privado — como uma debênture ou mesmo uma ação negociada em bolsa. Pois, se o governo optar por aumentar a emissão para pagar sua dívida (especialmente dado a nossa dívida soberana atual, que é quase toda em real), a inflação de toda a economia aumentará. Nesse caso, quando o investidor receber o retorno do seu investimento (seja do governo ou do setor privado), ele valerá muito menos.
Como os agentes de mercado vivem de antecipar movimentos, e tem consciência do risco de que gastos excessivos acabem em pizza inflacionária, já colocam o preço disso tudo na conta, balançando nossos investimentos.
Por isso, fique de olhos e ouvidos abertos quando ouvir “risco fiscal”! Tem sim como se proteger de tudo isso, e tudo começa entendendo seu perfil e prazo de investimentos, terminando na diversificação! Mas esses já são assuntos para as próximas colunas.
Espero que gostem e até lá!