No começo da safra 2007/2008, mais precisamente em 13 de junho de 2007, o mercado futuro de açúcar em NY negociava no preço mais baixo dos doze meses anteriores – 8.37 centavos de dólar por libra-peso. Esse nível de preço representava para as usinas um prejuízo de cerca de 60 dólares por tonelada comparativamente ao custo de produção (custo caixa) daquela época: 10.43 centavos de dólar por libra-peso posto Usina – muito inflado em função do real supervalorizado em relação ao dólar americano.
No espaço de um ano o preço do açúcar no mercado internacional despencara inacreditáveis 51.5% (de 17.25 para 8.37) trazendo uma onda de pânico e desespero às usinas que teimaram em segurar por um tempo excessivo as fixações das vendas de açúcar para a exportação a espera por dias melhores que nunca vieram. Em valores corrigidos para hoje pelo IPCA, as usinas assistiram inertes aos preços desmoronarem de R$ 2,600 por tonelada para R$ 1,050 por tonelada em um ano.
Por trás da esperança e teimosia das usinas em não fixarem os açúcares de exportação nos excelentes níveis que o mercado lhes disponibilizava ecoava – ainda fresquinho – o discurso de afamados gurus munidos de toda a sua esplendorosa sapiência e previsões mirabolantes de felicidade eterna que projetavam preços acima de 20 centavos para a safra vindoura. No Jantar do Açúcar em Nova Iorque em maio de 2007, portanto a algumas semanas do menor nível, quando os preços já se deterioravam de maneira assustadora, os mesmos gurus de plantão se escondiam então atrás das pilastras das salas nos coquetéis pós jantar.
Uma dura e custosa lição foi aprendida pelas usinas. Elas perceberam que teriam que abandonar o método da adivinhação, que na antiguidade chamavam de feitiçaria, que deixou de ser o principal instrumento de previsão desde 1654 quando Pascal e Fermat introduziram um procedimento sistemático de cálculo de probabilidade de eventos. A disciplina no tratamento do hedge e a providencial resistência em não se apaixonar pela posição costumam funcionar em 99.9% dos casos. As usinas mudaram muito a gestão de risco a partir daí. Mas, justiça seja feita, os gurus que previram 20 centavos de dólar por libra-peso só erraram no timing. Aliás, acertar é sempre questão de timing. Relógios parados dão a hora exata duas vezes por dia.
Pouco mais de dois anos depois – em 7 de agosto de 2009 – o mercado de açúcar finalmente atingira os 20 centavos de dólar por libra-peso pela primeira vez desde 1981. Já o preço em reais por tonelada daquele dia corrigido para hoje pelo IPCA equivale a R$ 2,100 por tonelada. As usinas corrigiram os erros do passado e alcançaram uma fixação de preços que chegava a 65% relativamente a apenas 25% no ano anterior.
Só que os preços continuaram a subir. No final do ano de 2009, o açúcar em NY atingiu 27.49 centavos de dólar por libra-peso, ou 37% acima do valor de agosto. Em valores corrigidos a diferença foi menor: R$ 2,530 por tonelada, ou 20% de alta. Muitos usineiros lamentavam ter fixado preços antes. Soa familiar essa história, caríssimas leitoras e prezados leitores?
Em 2010, o déficit mundial de açúcar combinado com problemas climáticos e logísticos no porto de Santos contribuíram para que os preços continuassem a escalar batendo 34.77 centavos de dólar por libra-peso dois dias antes do espocar dos champanhes na celebração do Ano Novo. No entanto – nunca é demais lembrar – em 7 de maio daquele ano, coincidindo com o Jantar do Açúcar em NY, os preços tropeçaram e beijaram a lona nocauteados em 13 centavos de dólar por libra-peso! Os gurus ressurgidos das cinzas como uma fênix transtornada vaticinavam que o mercado “agora sim” iria para 10 centavos de dólar por libra-peso. Nunca foi. Daquele dia em diante o mercado só subiu.
O que podemos depreender quando comparamos situações de mercado do passado é que erramos bem menos todas as vezes que mantivemos o foco e a disciplina. Não existe metodologia que nos possibilite acertar sempre, mas vamos errar substancialmente menos se analisarmos os fundamentos do mercado, o retorno financeiro proporcionado ao acionista, os valores observados no mercado comparativamente ao histórico dos preços ajustados, entre outros indicadores na tomada de decisão.
Veja por exemplo o valor médio do fechamento de NY (primeiro mês de negociação) de 2000 até hoje é de 14.01 centavos de dólar por libra-peso. Muito embora a dispersão dos valores no período analisado seja grande, apontando 4.65 e 35.61 centavos de dólar por libra-peso como mínima e máxima, respectivamente no período analisado de quase 22 anos, foi em apenas 17% dos eventos que o preço negociado em NY ficou acima dos 19.27 centavos de dólar por libra-peso, valor de fechamento de sexta-feira.
Quando essa análise é feita em reais por tonelada, com os valores ajustados para hoje pela variação do IPCA, observamos o mínimo de R$ 900 e o máximo de R$ 3,045 por tonelada, 2.2 vezes menor que a dispersão em centavos de dólar por libra-peso. Já o valor de fechamento de sexta-feira do vencimento março/22 equivale a R$ 2,480 por tonelada, suplantado nesses quase 22 anos em apenas 5.1 % dos fechamentos diários de NY.
Para a safra 22/23 e 23/24, o correto é analisar os valores obtidos via NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira) trazidos para valor presente descontada a taxa de juros básica da economia (de 7.75% ao ano). Assim, os valores das duas safras, respectivamente, são de 2,386 e 2,154 reais por tonelada. Esses valores foram excedidos no período analisado em apenas 7.5% e 15.3%, respectivamente.
Em resumo, as usinas podem até postergarem suas fixações de preço nos atuais níveis. No entanto, precisam conhecer os riscos de esperarem por dias melhores. Acredito que os preços em centavos de dólar por libra-peso poderão ser ligeiramente melhores para a safra 22/23, muito embora a volatilidade do câmbio será muito maior em 2022 e pode distorcer a curva do açúcar em NY. Já para a safra 23/24, continuamos acreditando que o potencial de alta nos preços em centavos de dólar por libra-peso deve ser de no mínimo 300 pontos.