O resultado de C&A (SA:CEAB3) foi mais ou menos. Mais para menos do que para mais (na minha opinião). A companhia ainda está pecando em alguns pontos e isso me deixa preocupado, ainda mais com essa mudança de cenário abrupta que tivemos. Mas vamos ao que interessa.
ANTES DO COVID-19
Começo destacando em vermelho o que realmente importa para nós! Os resultados Pro forma, que excluem os efeitos do IFRS-16 e os créditos fiscais do ICMS que retornaram para a companhia.
Sendo assim, olhem que a receita de 2019 encerrou o ano com R$ 5,2 bi versus os R$ 5,1 bi de 2018. Um crescimento muito leve, 2,8%. Vale ressaltar que no passado (últimos 3 anos) o crescimento de suas receitas não compensou nem a inflação do período.
Outro indicador que apresentou uma performance fraca foi o SSS (Same Store Sale), que retraiu 0,7 p.p. versus 2018. Para quem não conhece o SSS, este indicador é usado para avaliar quanto é vendido nas lojas que já operam há 1 ano ou mais. É um indicador que mede a maturação delas e o quanto elas conseguem apresentar boas vendas em relação às novas. Logo, quanto maior for o SSS ano após ano, melhor para a companhia.
Em outras palavras, está acontecendo uma diminuição de receita nas lojas mais maduras. A companhia não tem conseguido abrir tantas lojas assim e estava passando também por algumas reformas em outras unidades. Olhem a tabela abaixo, que mostra que, das 287 lojas da companhia, 271 têm mais de 4 anos e apenas 10 têm 1 ano:
Ainda dentro das Receitas, vale ressaltar que 77,3% da receita da companhia é somente da parte de moda e vestuário. Essa porcentagem já foi maior no passado, mas a companhia vem tentando diversificar a receita com fashiontronics, que hoje representam 17,8% da receita, enquanto o restante vem de ganhos com juros de cartão de crédito (que é dividido com o Bradesco por conta de parceria).
No período, a margem bruta, tanto de vestuário quanto fashiontronics, caiu. Segundo a companhia, vestuário sofreu uma pressão maior e teve uma quantidade de descontos e um maior volume de vendas promocionais no período. Já fashiontronics, foi impactado devido a um ambiente também mais promocional e pelo fim da Lei do Bem.
Partindo para Ebitda e Margem Ebitda, ambos tiveram uma leve queda, praticamente ficando no mesmo patamar do que em 2018. Vale ressaltar também que os Ebitda passados não cresceram acima do Lucro Líquido ou acompanharam o crescimento. Logo mais explicarei o porquê deste indicador estar me preocupando um pouco.
Mas vamos nos atentar à Margem Ebitda. E por que a ela? Porque é um indicador excelente para avaliar a lucratividade operacional de uma companhia, medindo sua eficiência e sua performance. Sendo assim, fica mais claro para o investidor saber quanto de dinheiro operacional é gerado por cada real que a companhia arrecada com suas vendas.
Notem o gráfico abaixo:
C&A perde apenas para Centauro (SA:CNTO3) quando olhamos o ano de 2018 e a Margem de 2019 teve uma leve queda, como eu comentei, e encerrou o ano em 12%. Isso quer dizer que o Lucro Operacional (EBIT) é consumido de forma relevante em despesas ou custos para manter a operação, o que acaba deixando a companhia com pouca margem de atuação para melhorar sua lucratividade.
O Lucro Líquido da companhia que cresceu 23,5% em comparação com 2018. Porém, o fato do Ebitda não estar acompanhando o crescimento do LL me incomoda. Pois, se o fluxo de caixa operacional estiver decrescendo ou crescendo menos que o LL, isso pode significar que a companhia está realizando vendas sem receber o dinheiro (beleza, até aqui um monte deve fazer isso, rs).
Mas calma, dependendo de como isso se dá, pode ser prejudicial a companhia. Então, entrei no contas a receber e constatei que a concentração continua extremamente grande em cartões de crédito. Cerca de 97% do Contas a Receber é só isso. Entretanto, o grosso está concentrado em até 90 dias de recebimento.
Mas fica o alerta: qualquer piora no cenário interno e deterioração do poder de compra dos seus clientes (classes C, D e E), poderiam acarretar sérios problemas para a companhia.
Sabemos também que grande parte do fluxo da receita vem de suas lojas físicas concentradas em shoppings centers. Ambos se encontram fechados por conta do Covid-19 e provavelmente terão que fazer como alguns outros varejistas no momento, adiar o pagamento de fornecedores.
COMPRAR VAREJO FÍSICO AGORA É UMA BOA IDEIA?
Isso vai depender bastante de qual companhia estamos falando. É consenso que praticamente todas as companhias que negociam e até as que são fechadas irão ter uma revisão de lucros para este ano.
Em um setor com margens já apertadas, bastante competitivo e que ainda depende muito de lojas físicas para ganhar o grosso de suas receitas, é factível esperar uma queda mais acentuada dos earnings para este ano e provavelmente ainda devemos ter um resquício de recuperação lenta para o outro ano.
Sendo assim, resolvi fazer uma leve reflexão, jogando earnings e Ebitda para baixo e vendo como cada companhia do setor estressava:
Olhando os múltiplos das companhias do setor de varejo de moda, C&A realmente se encontra entre as mais descontadas do setor. Na minha opinião o mercado realmente pode ter exagerado e jogado a companhia para um nível bem abaixo do que eu considero como Fair Value (valor justo).
Logo, penso que a companhia deveria negociar em torno de R$ 8,50 e, ainda sim, teria um desconto em relação ao setor por estar entregando resultados bem aquém do esperado.
Aproveitando o gancho de ter comentado sobre C&A, vou falar um pouco sobre o que eu penso do setor no geral neste cenário atual. Em momentos de crise e incertezas, o melhor a se fazer pode ser ficar de olho naquelas que têm os menores endividamentos, que estejam com as melhores margens e que historicamente sejam operacionalmente melhores.
Inclusive, resolvi criar uma tabela para auxiliar a visão do meu raciocínio.
O filtro está de propósito em cima da Dívida Líquida porque, para mim, é o que mais interessa em momentos como este. Eu prefiro me expor a uma companhia que tenha caixa o suficiente para passar por este período. Companhias mais alavancadas podem ter dificuldades para honrar seus pagamentos, uma vez que o fluxo de caixa operacional vai ser impactado durante o período.
Outro ponto positivo é a Margem Ebitda. Como comentado anteriormente, quanto maior for a Margem Ebitda, melhor fica para a companhia atuar e tentar aumentar sua lucratividade. E podemos notar que para 2020 a C&A está melhor que Centauro (CNTO3) e Marisa (AMAR3 (SA:AMAR3)).
Breno, eu entendi, o que eu deveria fazer então? Se você ainda quer se expor ao setor, não há nada que eu possa fazer, a não ser sugerir que procure as que têm maior margem e que historicamente foram melhores operacionalmente. Faz todo sentido, num primeiro momento, a Lojas Renner (SA:LREN3) se recuperar mais rápido que Hering (SA:HGTX3) ou Marisa.
Eu vejo que no momento existem setores e outras companhias que estão com uma margem de segurança mais atraente e que não vão ser tão impactadas assim por conta do lockdown. Pós lockdown, será que a demanda do varejo de vestuário voltará na mesma intensidade e para o mesmo patamar que estava antes? Pela mudança no cenário atual, tudo indica que não.
Segundo o PMC (Pesquisa Nacional do Comércio), o comércio brasileiro no país em 2019 teve alta de 1,8% nas vendas. Apesar dessa evolução, os dados indicam um comércio que reduziu sua força de crescimento pós crise. O dado de 2019 ficou abaixo do registrado em 2017 e 2018, que foram de 2,1% e 2,3% respectivamente.
Tudo isso por conta da limitação da renda do trabalhador, um alto nível de desemprego ainda encontrado no país e milhões que ainda possuem o nome sujo.
Outro índice bom para se olhar é o ICVA – Índice Cielo (SA:CIEL3) do Varejo Ampliado. Estranhamente, no período em que o varejo vende mais e sazonalmente é mais forte, houve uma queda.
A principal “hipótese” para essa queda é que as vendas da Black Friday, tendo sido fortes, teriam antecipado parte das compras do Natal. Mas, no geral, houve um crescimento forte no ano de 2019 e isto eu não posso negar.
Para finalizar, tendo em vista muitas dúvidas pós cenário de lockdown, não sabendo como o cenário macro pode se deteriorar e piorar por hora a nossa situação, não acreditando que a volta da demanda vai ser rápida e intensa para este ano, prefiro ficar apenas observando uns dos setores mais cíclicos da bolsa e buscando boas barganhas.
Era isso, valeu!