Uma das propriedades mais subestimadas, porém relevantes para um mundo livre, que as blockchains têm é a resistência a censura. Uma vez que a rede é suficientemente descentralizada, as operações dentro dela não possuem dono e ninguém é capaz de impedir ou invalidar uma transação indefinidamente. Isso deu origem, no caso da Ethereum, a uma plataforma que é capaz de aplicações inderrubáveis. A confiabilidade da plataforma, além de sua transparência e engenhosidade, traz um grande potencial de aplicações de possível sucesso comercial ou social.
A plataforma, hoje em dia apoiada num Proof-of-Work, passará a rodar num sistema de Proof-of-Stake. Essa mudança traz uma série de benefícios, como a redução no consumo de energia para sustentar a rede e a maior previsibilidade da rede, mas também traz malefícios e riscos. Além do risco de ser uma implementação ainda desconhecida, o Proof-of-Stake, diferentemente do Proof-of-Work, não exige colateral de seus validadores na forma de computação. Ele exige que ativos financeiros – ethers – fiquem imobilizados. Ethers, como se sabe, não existem no mundo real. Para um interessado malicioso atacar uma rede Proof-of-Work, ele precisa de muitos computadores e placas ASIC. Para atacar uma rede Proof-of-Stake, ele precisa adquirir o ativo financeiro, algo mais rápido e aparentemente fácil.
Vamos supor que um agente pequeno – eu num dia de mau humor, por exemplo – resolva destruir a Decred (ver Nota do Autor no final do texto), moeda Proof-of Stake. O mundo continua na mesma, afinal não passo nem perto de possuir recursos para comprar 51% da rede. Entretanto, se Bill Gates antes de morrer decidir que mais importante que acabar com a pobreza é destruir essa rede, haverá pânico entre os investidores: ele possui recursos para comprar parte significante da rede se quiser. Com pânico da rede se tornar inútil se Bill Gates realizar um ataque de 51%, o preço cai. Fica mais fácil ainda concretizar a ameaça. Com alguma coordenação, Bill Gates conseguiria destruir e, assim, censurar facilmente a rede.
Evidentemente Bill Gates não fará isso. Entretanto, vemos na história da humanidade que não faltam grandes players interessados em censura, entre eles governos autoritários. Esses governos podem dispor de recursos financeiros para derrubar redes descentralizadas com material censurável. Nesse cenário, uma rede Proof-of-Stake é menos robusta a censura que uma Proof-of-Work. A despeito disso, vale notar que nem tudo que determina a ação de um Estado é dinheiro. O que motivaria um Estado ou organização a ser dissuadido de promover um ataque do tipo?
A resposta é algo curiosa: as atuais regras das relações internacionais. Uma ação autoritária por um governo pode ter retaliações ao afetar outros organismos internacionais. Uma rede como a Ethereum, por exemplo, tende a ser usada por empresas e organizações sociais; por exemplo, a ONU já usou a blockchain na crise dos refugiados sírios para reduzir o impacto da fome. Conforme empresas globais, governos democráticos, organismos multilaterais e mesmo os próprios governos autoritários forem se beneficiando da rede da Ethereum, mais segura estará a rede de fenômenos políticos.
Nesse caso, as plataformas descentralizadas possuem um futuro promissor apesar da possibilidade teórica de ataques políticos e de suas características de resistência à censura parecerem incentivá-los. Eu mesmo já me preocupei com esse tipo de ataques, mas após alguma reflexão e pesquisa de usos de blockchains por players globais, creio que estava sendo algo paranoico e maximizando esse risco de cauda político. Uma blockchain como a Ethereum está na mira de governos menos por seu potencial de rebelião e mais por sua utilidade em resolver problemas reais do mundo. Felizmente, essas duas características andam juntas: a entrada de players atrás da utilidade garante a resistência a censura, seja com Proof-of-Work, seja com Proof-of-Stake.
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Nota do Autor: No texto acima, afirmei ser a Decred uma moeda Proof-of-Stake (PoS). Essa afirmação é falha conforme comentado por dois leitores. Essa moeda usa um sistema hibrido Proof-of-Work e Proof-of-Stake, sendo mais robusta a ataques, porém constando em algumas listas apenas como PoS trazendo alguma confusão em consultas rápidas. Podemos substituir essa moeda pela EOS, tema do texto de 30 de maio, que utiliza o Decentralized PoS, por exemplo, para validar o exemplo descrito no texto.