No início do ano era crescente a desconfiança de todos em relação à capacidade da equipe econômica de conduzir a economia, realizar os ajustes necessários, conseguir controlar a inflação, monitorar a taxa de câmbio e balizar o juro. Muitos achavam o estrago, realizado no passado recente, considerável, o cenário de “terra arrasada”, e o espaço de manobra limitado. Dentre os vários fatores de risco, tínhamos uma situação macro delicada, ameaça de downgrade pelas agências, Operação Lava-Jato nas mídias diariamente, situação energética preocupante e uma tensa relação entre governo e sua base de apoio no Congresso, liderada pelo PMDB.
Passados cinco meses o que mudou? Pouca coisa. Os indicadores continuam frágeis, os escândalos de corrupção diários, a situação energética ainda delicada, etc. No entanto, mudou a percepção dos agentes sobre a condução da economia. Isto, inclusive, se refletiu em evento realizado por Joaquim Levy em Londres, com boa acolhida em todos os locais em que realizou palestras. Tivemos um salto de qualidade. Saímos dos improvisos e ingressamos na seriedade. O ministro conseguiu trazer um mínimo de racionalidade e coordenação às ações de política econômica, além de maior transparência e seriedade na busca dos objetivos.
Isto acabou se refletindo numa “breve trégua”, depois de um início de ano tumultuado. Os indicadores de mercado estão melhorando, além de haver uma maior tolerância das agências de rating, agora no aguardo dos indicadores fiscais, após parte dos ajustes efetivados. Como podemos observar nos gráficos ao fim, entre abril e maio o Ibovespa e o dólar deram uma acalmada, mesmo com alguns “lapsos” no meio do caminho. O Ibovespa iniciou o ano “meio de lado”, na expectativa das medidas econômicas, chegou a recuar entre janeiro e março, mas desde abril vem reagindo (naquele mês subiu 9,9%). Em janeiro estava em 48,5 mil pontos (2/1), recuou a 47,7 mil no final do mês e no início de maio testava a resistência de 58 mil pontos; já o dólar iniciou janeiro a R$ 2,69, foi a R$ 3,27 em meados de março e neste início de maio estava em torno de R$ 3,04. Por fim, o risco País iniciou janeiro em torno de 264 pontos, foi a 333 no dia 11/3 e no início de maio estava em torno de 281 pontos.
Um mérito da equipe econômica foi conseguir resgatar o tripé da política econômica, uma bem sucedida estratégia surgida no segundo mandato do governo FHC e mantida, mesmo que perdendo “aderência”, no segundo do Lula. Neste mandato Dilma 2.0, a gestão fiscal deve ser preservada, permanecendo o regime cambial flexível e o sistema de metas de inflação perseguindo o centro de 4,5%.
Na gestão fiscal, algumas medidas, como a readequação dos benefícios trabalhistas e previdenciários continuavam em pauta para aprovação na semana passada, embora com ajustes menores do que o esperado (de R$ 18 bilhões para cerca de R$ 14 bilhões). Para piorar, a economia não reagindo vem afetando a arrecadação neste ano, mesmo com as mudanças recentes de alíquotas anunciadas (elevação de IOF para mercado de crédito, PIS/Cofins em vários segmentos, retorno do IPI para duráveis, etc).
Diante disto, um pacote de contingenciamento de despesas está em formulação, devendo ser anunciado nos próximos dias, passando de R$ 80 bilhões, concentrado em investimentos. Isto já pode ser visto pelos dados fiscais deste ano. No primeiro quadrimestre, pelo lado do governo central, as Despesas Correntes recuaram 3,1% contra o mesmo período do ano passado, com Pessoal e Encargos recuando 1,7%, Outras Despesas avançando 4% e Investimentos Públicos recuando 34%. No item em expansão, boa parte foi das “pedaladas fiscais”, antes adiadas e agora tendo que ser executadas.
Para este ano, a gestão fiscal deve se basear no contingenciamento, ou adiamento de despesas, bem como custeio da máquina, e no corte de investimentos. O espaço de manobra é bem limitado, já que 94% das despesas do Orçamento está fixada em lei, já “carimbada”, não sujeitas a alteração. Neste contexto, será complicado atingir a meta fiscal de 1,1%/1,2% do PIB ao final deste ano. Esta, pelas condições atuais, deve ficar em torno de 0,7/0,8%.
Já na gestão cambial, o BACEN resolveu abandonar a estratégia de vendas de contrato swap no futuro e deixar a taxa de câmbio flutuar mais ao sabor dos mercados. Acabou com as operações e manteve apenas as rolagens destes contratos. Nos últimos dias estas vêm se reduzindo, em junho não devendo passar de 80%. Interessante ressaltar que esta mudança acontece num contexto em que o Fed deve iniciar, em algum momento, neste ano ou no início do próximo, um ciclo de ajuste da taxa de juros, o que deve gerar alguma volatilidade no câmbio. Para este ano, por ora, dependendo da decisão do Fed, estamos prevendo o dólar fechando em torno de R$ 3,30.
Por fim, para fechar o tripé, temos a gestão monetária do BACEN, muito mais dura do que no passado recente. Isto se explica pois o IPCA, pelo realinhamento tarifário em curso, já passa dos 8% em 12 meses. Na última reunião do Copom e na ata mostrou maior vigilância, reconheceu não ter conseguindo ainda derrubar a inflação atual e houve a constatação da necessidade de novos ajustes. Por enquanto, a Lopes Filho considera haver espaço para mais um ajuste de 0,25 ponto percentual, a 13,5%, e depois uma parada para observar como a economia responde. Elevar mais pode ser temerário pela economia em recessão.
O fato é que Levy na Fazenda já representa a expectativa de que as coisas devem melhorar. Isto ficou bem claro no roadshow realizando em Londres na semana passada e no voto de confiança dado pelos investidores e também pelo FMI. Para esta instituição, as condições essenciais para a economia brasileira voltar a trilhar o caminho da recuperação são o retorno da credibilidade, dos investimentos e da competitividade. Sobre isto, inclusive, está em gestação, para breve, uma “agenda positiva” de concessões em estradas, aeroportos, portos, etc, que deve mobilizar R$ 150 bilhões. O FMI acha, no entanto, que a base de todo este processo, deve passar pelo retorno da confiança e esta só vem se a arrumação das contas públicas for bem sucedida.
Para ele, o ajuste fiscal merece elogios, mas a recomendação de meta para 2016 precisa ser revisada, de 2% para 2,5% do PIB. O País não possui mais margem de manobra para estimular a demanda e deve se concentrar em retirar os entraves da oferta, como em investimentos em infraestrutura e nas reformas estruturais. Perfeito diagnóstico.
Dúvidas existem, no entanto, sobre as reformas e as resistências do PT. Um ponto em consenso é que as conquistas dos programas sociais e das reformas passadas se encontram ameaçadas, caso ingressemos num ciclo recessivo duradouro. Diante disto, todos acham que a superação deste só será possível se o País melhorar na qualidade dos gastos públicos e partir para um ciclo de investimentos, a começar pela infraestrutura, além de resgatar a velha agenda de reformas, com destaque para a tributária, a trabalhista e da Previdência. Nesta última, chamou atenção na semana passada a alteração do Fator Previdenciário pelo plenário da Câmara (é possível que a presidente vete).
Enfim, uma longa caminhada ainda terá que ser trilhada para ingressarmos num novo ciclo virtuoso. Para isto, no entanto, será importante enterrar certos dogmas econômicos e políticos do passado, assim como repensar o modelo econômico atual. Devemos apagar os erros do passado, aprender com eles e mirar o futuro. Como bem disse Fernando Henrique Cardoso, em discurso recente em NY, “o país tem que se guiar por uma lanterna de proa e não de popa. Esperamos que os caminhos não se percam”. Nada mais sábio.