No mundo, todas as atenções se voltam para os próximos passos das autoridades monetárias, na conjunção entre retomada da economia global, seu ritmo de crescimento, trajetória da inflação e impacto sobre o mercado de trabalho. Em outras palavras, como fazer esta “sintonia fina” correta, visando compatibilizar retomada da economia pós-pandemia, pressões inflacionárias relevantes e aumento da oferta de empregos?
No Federal Reserve, em “duplo mandato”, tal como o Brasil, o desafio é compatibilizar a velha “curva de Philips”, no tradeoff entre inflação e desemprego. A pressão, no entanto, segue, no mercado por “ajustes” na política monetária (“aperto gradual” ou tapering) contra a “leitura parcimoniosa” do presidente Jerome Powell “de manter a política monetária acomodatícia”, considerando os repiques inflacionários como transitórios, reflexo de desajustes nos gargalos produtivos das diferentes cadeias de empresas e setores.
No mundo, instituições como OCDE, FMI, Banco Mundial e outras, sinalizam uma aceleração do crescimento global, dependendo do ritmo de vacinação em cada país ou região.
Segundo a revista inglesa The Economist, já são 2 bilhões de pessoas vacinadas ao redor do mundo, um quarto do total de adultos com a primeira dose. Ainda faltam 13 bilhões de doses.
Em paralelo, observa-se uma tremenda distorção na distribuição das vacinas. Das 2 bilhões de doses dadas, 37% foram concentradas em países norte-americanos e europeus, apenas 18% das 7,6 bilhões de pessoas do mundo. A África Subsaariana fica com 1% do total. Ou seja, quanto mais rico e influente o país, maior o número de vacinas recebidas. Como resposta a isso, a Covax, consórcio dirigido para os países mais pobres, já prometeu disponibilizar US$ 1,8 bilhão para 92 destes países.
Segundo a OCDE, o crescimento previsto para os EUA é de 6,9%, dado o nível mais forte de produção industrial registrado, o maior em 15 anos. Já na China, o crescimento deve passar de 8% ao fim do ano e no mundo, chegar a mais de 4%, pontuado por estes dois países. Daí, a preocupação com a inflação global e o movimento de capitais, administrado pelos bancos centrais (ancoragem das expectativas) sobre o binômio crescimento e inflação.
Nos EUA, sobre o IPC de abril, esperava-se 0,2%, mas veio 0,8%, em 12 meses, 4,6%. Já o PCE registrou 0,6%, com o núcleo a 0,7%, na taxa anualizada a 3,1%, contra 1,9% em março. Na Zona do Euro, os índices aceleraram em linha com o mercado, registrando 1,6% em abril em 12 meses, contra 1,2% em março. Recordemos que todas estas instituições trabalham com a meta central de 2,0%, seguindo a conhecida “regra de Taylor”.
Observando os dados, acreditamos haver uma aceleração da inflação no mundo, em diferentes ritmos, dada a retomada, nem sempre homogênea, com diferentes setores respondendo de forma desigual. E isso se explica pelos diferentes ritmos de vacinação e “reabertura”, também diferenciada, uns setores “respondendo” melhor do que outros. Nos inúmeros casos, uma “assincronia” no fornecimento de insumos, como semicondutores nas indústrias automobilísticas, o que vem gerando gargalos de oferta e preços elevados.
No gráfico a seguir, olhando para os países emergentes, vemos que o Chile, a Índia, Filipinas, Rússia e outros, estão em processo de aceleração inflacionária, enquanto quer outros, como Brasil, pela ação dos BACEN, nas políticas monetárias, estão “dobrando” a curva, com a inflação perdendo força.
Já o gráfico abaixo bem reflete este cenário de “reabertura”, com a inflação aparecendo no cenário através do “Índice de Surpresa Inflacionária” do Citibank. Este mostra como o índice cresce neste ano.
Por aqui, continuamos de olho no IPCA, cada vez mais destoante da meta. O centro da meta, neste ano, é de 3,75% com limite superior de 5,25%. A inflação oficial, medida pelo IPCA, registrou 0,31% em abril contra março, em desaceleração, mas ainda acima do teto da meta em 12 meses (6,76%). Já a prévia de maio, pelo IPCA-15, ficou em 0,44%, abaixo dos 0,60% de abril, mas acumulando 3,27% no ano e 7,27% em 12 meses.
No mercado de trabalho, os dados de emprego nos EUA também vieram diferenciados, surpreendendo os mercados. Foram criados 266 mil em abril, 456 mil agora em maio, segundo informou o relatório payroll, ambos abaixo de março (916 mil vagas). Esses números mostram uma economia ainda abaixo do “pleno emprego” (taxa neutra de desemprego, em torno de 5% da PEA), o que permite ao Fed continuar a manter a política atual, mas haverá o momento em que ele “terá que atuar”. Este é o debate de fundo das economias globais pós-pandêmicas. Quando esta virada irá acontecer? Este processo de transição terá que ser realizado com muito cuidado, muita cautela, evitando o estouro de bolhas e um deslocamento forte de capitais.
Série Especial – Inflação nos EUA: a Batalha entre Fed e Mercado
No Brasil, saíram os dados do Caged, registrando abertura de 120,9 mil vagas “formais” em abril. O saldo foi o menor do ano de 2021, depois de números mais fortes aparecerem em janeiro (261 mil), fevereiro (398 mil) e março (177 mil). Mesmo com a queda da criação de vagas os resultados foram considerados bons, pois o mês foi marcado pelo avanço da pandemia e por medidas de restrição mais duras em diversas localidades. Com relação ao mesmo mês de 2020, o resultado foi significativamente melhor, quando quase 964 mil vagas foram fechadas em apenas um mês.
Na Política Monetária do presidente Roberto Campos Neto, em maio, na reunião do Copom, tivemos o reajuste da Selic em 0,75, a 4,25% anuais, repetindo a dose da sessão anterior. A próxima reunião, agora em junho, será de um novo ajuste de 0,75 ponto percentual, e depois, em agosto, a dúvida é saber se será de 0,5 ponto percentual, a 5,5% ou a 5,75%, em resposta a inflação que deve ficar neste patamar. Neste caso, temos o conceito do ajuste parcial ou completo, já pensando em “tentar trazer a inflação” para o centro da meta em 2022 (3,75%).
Também há uma preocupação no BACEN de que a taxa de juros Selic não deve subir a ponto de frear a economia, mas também não há garantias de que esta visão não seja alterada. Tudo irá depender do andamento dos indicadores e possíveis descontroles das contas públicas. É o chamado “data dependent”.
Nos mercados, no Brasil seguem os ativos se apreciando, a bolsa de valores superando recordes, o real em valorização, frente ao dólar, e as commodities em bom ritmo. Em maio, o Ibovespa encerrou renovando as máximas históricas, atingindo 126.215 na segunda-feira (31), ignorando a “maldição de maio”, lembrada no relatório anterior. O índice terminou o mês em alta de 6,16%, terceiro mês seguido no azul, depois da alta de 1,94% em abril e de 6,0% em março. No ano, o avanço é de 6,05%. O Ibovespa já acumula 15% desde fevereiro de 2020, pouco antes do último “circuit breaker” da B3 (SA:B3SA3).
Já a moeda norte-americana vem se desvalorizando continuamente nos últimos dias, dada a trajetória errática da retomada, a inflação americana ainda elevada, o que vem reforçando, em parte, o discurso do Fed de manter a situação atual "acomodada". No fechamento de maio, o dólar fechou a R$ 5,2249, mesmo com a disputa pelo PTAX (R$ 5,2322). Em maio, a moeda norte-americana acumulou queda de 3,8%, a maior baixa mensal desde novembro do ano passado e o segundo mês seguido de queda.
No mercado de juro, a ponta mais curta segue esticada, pela perspectiva do BACEN de elevar o juro de forma mais intensa até setembro, para depois ancorar as expectativas de uma taxa em torno de 5,5% a 6,5%, derrubando então a inflação à 3,5% a 3,7% no ano que vem.
Sobre a agenda de reformas, duas importantes reformas ganharam destaque em maio. Uma foi a Tributária, outra a Administrativa. Ambas se mostram essenciais para o enfrentamento das consequências econômicas da pandemia. O foco da reforma tributária é a unificação e simplificação dos diversos tributos que atualmente incidem sobre o consumo. O sistema tributário brasileiro é muito complexo e a reforma tem o objetivo de desburocratizar este modelo. A MP da Reforma Tributária foi apresentada e os primeiros passos foram dados, sendo ela fatiada ou não. Já a reforma administrativa também deu seus primeiros passos, mas o presidente Bolsonaro não parece muito convencido da sua urgência, pela proximidade do "ano eleitoral em 2022".
PARA JUNHO
As expectativas são de novos “recordes” nos mercados de ativos, mas importante ainda estar atento ao ambiente de volatilidade existente. As commodities devem continuar no seu ciclo de alta, dada a demanda mais forte da China e a retomada da economia global.
Isso se torna um pouco mais nebuloso no Brasil, dados os riscos políticos e fiscais no horizonte. Com a CPI da Covid-19, protestos contra o governo país afora e aproximação das eleições (mesmo que ainda muito longe), a economia brasileira deve "operar em tênue linha" e os investidores mais cautelosos.
Isso acontece depois do PIB do primeiro trimestre, em bom crescimento de 1,2% contra o trimestre anterior e 1% contra o mesmo do ano passado.
Lembremos que o PIB norte-americano cresceu 6,4% no primeiro trimestre de 2021 contra o quarto trimestre e a economia da zona do euro recuou 0,6% no primeiro trimestre de 2021, confirmando a recessão técnica, uma vez que, com exceção da França, o PIB caiu em todos os maiores países.
Já o PIB brasileiro possui "forte correlação" com o ciclo de commodities, setor que representa mais da metade das exportações. Este setor tendo bom desempenho, tende a empurrar o setor externo e ajudar também o PIB.
Nos EUA, junho ainda deve ser marcado por este tradeoff inflação e desemprego, com o mercado atento ao comportamento dos preços, vis-a-vis o crescimento da economia.
Sendo assim, achamos que o Brasil deve continuar refém do cenário externo, uma vez, que somos uma economia alavancada e sem sinais consistentes de ajuste.
Por sermos exportadores de commodities, a alta de preços ajuda também nosso balanço de pagamentos e, consequentemente, nossa moeda. Na contramão, convivemos com uma inflação mais elevada, o que tem obrigado o Bacen a continuar um processo de “normalização parcial” no ciclo da nossa taxa de juros.
Se olharmos a economia como um todo, há melhoras na atividade, nas contas fiscais e externas, o que é sinalizado pela apreciação do dólar nas últimas semanas.
Para junho, esperamos um cenário de maior volatilidade pela frente, havendo realizações pontuais.
Cada vez mais, estamos convictos que o momento demanda parcimônia, paciência e maior diligência na seleção das classes de ativos para os portfólios, assim como para os gestores e fundos que irão compor nossas carteiras de investimentos.
Acreditamos que o cenário ainda é frágil e delicado, propenso a alguma volatilidade e perdas em alguns tipos de ativos.
Seguimos apostando no mercado de ações, embora em suave migração, nos próximos meses, para alguns ativos lastreados em ativos em renda fixa.
A situação geral está melhorando, mas ainda há um longo caminho a percorrer
O governo já parece ter fechado acordos para comprar vacinas suficientes para inocular totalmente a população até o final do ano. Mas as vacinas adquiridas não significam necessariamente vacinas administradas. Os produtores de vacinas estão atrasados em todo o mundo e as vacinas costumam ser entregues com semanas ou meses de atraso.