Essa foi uma boa semana para os criptoativos no Brasil. Duas novidades regulatórias mostraram que o país está numa direção adequada, pelo menos por agora, para a profissionalização de seus ativos. A primeira novidade é a permissão da CVM para fundos regulados (555) investirem com menos restrições em criptoativos. A segunda foi a abertura de inquérito pelo Conselho Administrativo de Direito Econômico sobre seis bancos que supostamente dificultavam operações financeiras por exchanges brasileiras via fechamento de contas e atitudes similares.
No que diz respeito à portaria da CVM, ela é bem vinda, pois permite a fundos brasileiros alguma alocação em criptoativos via investimento indireto e significa a confirmação de um aceno feito em maio pelo órgão regulador em ocasiões anteriores. Em janeiro, houve a proibição de investimento direto, porém ficaram abertas portas para alocações indiretas. Faltava alguma confirmação e, em maio, houve a promessa de resposta sobre o tema. Com a posição atual, investimento indireto parece estar pacificado, sendo uma boa notícia.
Apesar de não ser possível o investimento direto, há já um ecossistema de fundos de investimento no exterior que permite diversos estilos de alocação em cripto, com diferentes teses de investimento refletidas na gestão. Muitos fundos possuem documentos expondo como eles veem o mercado a longo prazo, com algumas diferenças -- a Polychain, por exemplo, em 2017 embarcou na hipótese de virada do ETH sobre o Bitcoin; a Multichain aposta na EOS e considera o Litecoin defasado -- assim como fundos normais fazem sobre ativos. Permitir somente o investimento indireto acaba inserindo uma barreira informacional entre o posicionamento dos fundos estrangeiros e o consumidor final, porém é um começo.
A atuação do CADE foi marcada pela atuação de um grupo de interesse -- a Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB) -- que deu entrada a pedido de investigação. Segundo essa associação haveria a imposição de uma restrição desleal às corretoras de criptomoedas no acesso ao sistema financeiro, o que claramente limita as atividades de criptoeconomia. Os bancos, por sua vez, argumentaram que contas foram fechadas pela ausência de uma política de Know Your Customer (KYC), isto é, dados básicos sobre os clientes. Esses dados são exigidos pela legislação de prevenção à lavagem de dinheiro (AML). Outra demanda regulatória citada foi a ausência de um código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
Esse não é o primeiro braço do governo que se opõe aos bancos numa disputa sobre o fechamento de contas. O STJ já está julgando a querela entre Mercado Bitcoin e Itaú (SA:ITUB4), com empate na votação dos ministros. A defesa de uma das ministras, Nancy Andrighi, mostra algum conhecimento sobre o setor e sua falta de estrutura regulatória no Brasil e, de maneira geral, ao redor do mundo.
Em outra frente, a mesma ABCB que articulou a participação do CADE já fomenta na câmara a formação de uma bancada em defesa da criptoeconomia na Câmara dos Deputados. Por um lado, é ótima a atuação de sociedades como essa para evitar a proibição total e outras medidas draconianas; por outro, é importante se manter atento a sua atuação posto que pode haver desenho de regulações setoriais que prejudicam outras empresas do setor que não fazem parte do grupo de lobby. Por agora, no entanto, a atuação pública vai na direção do desejável.
De maneira geral, é possível ficar otimista com o atual panorama regulatório no Brasil. As burocracias financeiras (CVM, CADE e BACEN) despontam como ilhas de excelência do serviço público nacional. A depender do próximo presidente, a tendência pode vir a ser mais positiva. Independentemente de questões políticas, é interessante a atuação de organizações como ABCB para garantir influência de criptoativos na polItica. Entretanto, o risco de captura institucional existe e é fundamental que os interessados em criptoeconomia se articulem independentemente e monitorem essas organizações. Precisamos disso para a continuação da formação do ambiente de investimento e desenvolvimento de tecnologias que, felizmente, parece estar se desenhando.