Rally de final de ano: Um folclore da Faria Lima

Publicado 30.11.2023, 13:00

Dos mesmos criadores de “sell in may and go away” e outras superstições, um novo folclore ganha força nas últimas semanas: o rali de fim de ano na bolsa brasileira. Nas redações de finanças, o tema integra tradicionalmente as pautas, na expectativa de surfar na audiência e ganhar alguns cliques. Reportagens como: “Vai ter rali de fim de ano em 2023? Confira visão de especialistas.” ou “Ações que podem se beneficiar com o rali de fim de ano”, começam a pipocar no meio digital.

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Nos influenciadores e arrisco a dizer, até mesmo em algumas casas de análise, o comportamento é semelhante, com vídeos e relatórios gratuitos falando sobre o tema. O que ninguém se atreve a falar é que o rali de fim de ano se tornou a Black Friday do mercado financeiro: uma época para incentivar o consumo de conteúdo sobre o assunto, com o intuito de criar o desejo por determinados produtos e serviços.

Sim, essa é a forma como muitos desses produtores de conteúdo fazem dinheiro. Seja com mais audiência e clique para atrair anunciantes, no caso dos jornalistas. Seja com a oportunidade de atrair assinantes para vender relatórios ou produtos, como as casas de análises e influenciadores. A verdade seja dita, você investidor é o alvo. E o objetivo principal deles é atrair a sua atenção.

Mas se você me perguntar: qual é a relevância desse rali de fim de ano na sua estratégia de investimentos? Reforçarei o que já afirmei repetidas vezes neste espaço. Quando o investimento é considerado algo sério, que realmente vai fazer diferença na vida da pessoa, ele é tratado com uma disciplina que olha para horizontes longos de tempo.

Em outras palavras, o que vai acontecer em semanas ou meses, é simplesmente irrelevante para a estratégia de investimentos no longo prazo partindo de duas premissas:

A primeira delas é que o investidor médio não vai conseguir adivinhar os movimentos de mercado, por este motivo, a melhor opção que ele tem é fazer aportes sucessivos e sistemáticos ao longo do tempo. Neste cenário, tem pouca importância se o mercado vai subir em dezembro ou não.

O segundo ponto, é que cada aporte individualmente representa muito pouco do estoque de capital que o investidor vai acumular ao longo do ano e de sua trajetória. Da mesma forma que não é o croissant que você vai comer hoje que pode virar uma tragédia na sua dieta e sim a soma de suas decisões, não é um aporte de curto prazo e sim um conjunto de aportes que vai afetar o seu resultado no longo prazo.

Questione-se, você acredita que o mercado vai subir no mês de dezembro? O que pretende fazer com isso? Se não vai fazer nada a respeito, então essa discussão de rali de fim de ano é irrelevante, não perca seu tempo com isso. Mas se você é daqueles que ainda está pensando fazer alguma coisa, reflita: qual é a relevância que esse movimento terá no seu resultado de longo prazo? É mínima.

Você vai fazer o que? Você vai antecipar o seu aporte do mês? Ou você vai deixar de fazer um aporte no mês por achar que o mercado vai cair?

A questão é que não importa se o mercado vai subir ou cair no final de ano, isso não tem um efeito relevante nos resultados que um investidor deve esperar atingir no longo prazo. E qualquer um que faça disso uma rotina, de tentar adivinhar se o mercado vai cair ou não, probabilisticamente tem mais chances de fracasso do que de sucesso.

Ao invés de se preocupar com o rali de fim de ano, poderia concentrar boa parte do seu tempo e energia em identificar se suas ações possuem alguns fundamentos que as tornam boas opções para o longo prazo.

Por exemplo, se a empresa está inserida em um mercado com boas perspectivas de crescimento, se tem uma posição competitiva forte dentro desse mercado. Ou se existem questões de atenção no relacionamento com clientes e fornecedores que possam se traduzir em ganho ou perda de rentabilidade ao longo do tempo

Avalie se existe algum risco de disrupção tecnológica com relação aos produtos e serviços que a companhia oferece ou se a empresa pode se tornar obsoleta. Tente entender se o produto ou serviço da empresa tem substitutos que possam fazer com que a posição competitiva da companhia enfraqueça ao longo do tempo.

Todas essas questões são anos luz mais importantes do que tentar adivinhar se teremos um rali de fim de ano, que não tem implicação prática nenhuma no investimento de longo prazo.

Se você investidor ainda tem receio de poder estar deixando de lado alguma oportunidade ao ignorar a onda marketeira do rali de fim de ano, se acalme porque algumas coisas lhe garanto.

Para quem é investidor de small caps, tenho a mais absoluta certeza, que não existe nenhuma ação que esteja negociada a um preço, com margem de segurança, que possa se valorizar a um patamar que justifique sua venda, apenas por conta do rali de final de ano. Um destravamento de valores das small caps está mais relacionado a eventos próprios das companhias como melhora substancial de resultados, aquisições, fusões, mudança de diretoria, ou eventos concretos. Se uma valorização acontecer, não seria por conta do rali.

Já para quem busca fazer aportes em dividendos e tem receio de tudo ficar caro, é importante o investidor ser pragmático e reconhecer a incapacidade de saber qual será o preço de um ativo amanhã ou depois de amanhã. O que temos é o hoje.

Se o preço de hoje vai me oferecer um retorno adequado na forma de dividendos, de um dividend yield de pelo menos 6%, talvez seja um ativo elegível para compra. A minha melhor chance é comprar com a informação que eu tenho hoje.

E amanhã, depois de amanhã, daqui a um mês, na hora que eu estiver diante da oportunidade de fazer um novo aporte, eu vou de novo tomar essa decisão com base no preço daquele dia. Não interessa o que você “acha” que pode acontecer com os preços do mercado amanhã ou depois de amanhã. Porque a história demonstra que somos péssimos em fazer essa previsão.

E ainda falando em previsões, considero que a história do rali de fim de ano fez muita gente se iludir pela aleatoriedade. Teve anos em que houve rali e anos em que não, mas a gente tentou se apegar a frequência probabilística dos anos em que o movimento ocorreu.

Já pararam para pensar que se o evento fosse concreto, uma lei da natureza, os investidores se antecipariam a ele na bolsa e muito provavelmente ele não aconteceria? Mas o folclore muitas vezes é necessário para manter as esperanças vivas. O folclore e o bônus da turma da Faria Lima.

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