Os riscos fiscais e os ruídos políticos se avolumam no Brasil, mas o mercado doméstico vem surfando na onda do apetite por risco no exterior, com os investidores enxergando espaço para novos estímulos, passadas as eleições dos Estados Unidos. Nem mesmo as incertezas sobre as reformas, o “teto dos gastos” e a demora na votação do Orçamento para 2021 têm freado o ímpeto dos negócios locais.
Ontem, o Ibovespa subiu pelo sexto pregão consecutivo, de volta à faixa dos 105 mil pontos, no maior nível desde o fim de julho. Já o dólar seguiu orbitando ao redor de R$ 5,40, ao mesmo tempo em que os investidores ainda buscam prêmios na curva de juros futuros, principalmente nos vértices mais longos. E o fôlego de alta da Bolsa brasileira será testado hoje, considerando-se o sinal positivo vindo de Wall Street.
Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram em alta, após uma sessão regular mista ontem, também relegando o recorde de mais de 202 mil casos de covid-19 nos EUA em apenas um dia, dobrando o número diário de infecções menos de uma semana depois de registrar a marca sombria de 100 mil casos diários pela primeira vez. As principais bolsas europeias iniciaram o pregão em alta.
De um modo geral, percebe-se que há uma rotação entre as ações, levando à compra de papéis mais afetados durante a pandemia, incluindo companhias aéreas, bancos e petrolíferas, ao mesmo tempo em que os setores que despontaram no período, como o de tecnologia, agora sofrem. Na Ásia, as bolsas de Hong Kong (-0,4%) e de Xangai (-0,5%) fecharam em queda, pressionadas pelas perdas da Alibaba (HK:9988) (SA:BABA34) e Tencent (HK:0700).
Peito aberto
A esperança de que está se aproximando o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a covid-19 alimenta esse movimento, em meio à confiança de que os gastos com consumo em viagem e lazer devem aumentar. Nesse sentido, a polêmica no Brasil envolvendo a suspensão dos testes com a Coronavac pela Anvisa, em meio à disputa política entre governos federal e paulista, além do “descrédito” com a China, prejudica esse sentimento.
Aliás, a fala do presidente Jair Bolsonaro ontem, em solenidade no Palácio do Planalto, provocou críticas de especialistas e da classe política, praticamente anulando a possibilidade de qualquer avanço das demandas do Executivo no Congresso. Com isso, é crescente o risco de a nota de crédito soberano (rating) do Brasil ser rebaixada em breve, diante do compromisso cada vez menor com o equilíbrio fiscal.
Com quase 6 milhões de casos de coronavírus no país e de 160 mil mortes pela doença, a aceleração de casos da covid-19 nos EUA e a segunda onda de contágio na Europa acende o sinal de alerta por aqui. Afinal, as contas públicas não têm espaço fiscal para mais estímulos e a possibilidade de se estender o estado de calamidade para o ano que vem, com o governo trabalhando com um “Orçamento de Guerra”, pode ser um beco sem saída.
Ontem, Bolsonaro falou que o auxílio emergencial aos mais vulneráveis à pandemia acaba em dezembro e questionou “como ficam quase 40 milhões de invisíveis”. Para ele, “tem que acabar com esse negócio” da pandemia, que “foi superdimensionada”, com o Brasil deixando “de ser um país de maricas” e enfrentando a doença de “peito aberto”. Ele voltou a dizer que o destino de qualquer um é a morte, mas ressaltou que “a economia é vital para vida”.
Varejo nacional em destaque
A agenda econômica do dia traz como destaque as vendas no varejo brasileiro em setembro, que devem reforçar os sinais de forte retomada no terceiro trimestre. A previsão é de crescimento nas duas de comparação, de +1,5% e +8,00%, com o comércio acumulando altas pelo quinto mês seguido e registrando o quarto resultado anual positivo consecutivo.
Os dados efetivos saem às 9h. Ainda no calendário do dia, serão conhecidos os dados semanais sobre a entrada e saída de dólares (fluxo cambial) do Brasil, às 14h30, e também os estoques de petróleo bruto e derivados nos EUA até a última sexta-feira (12h30).