A última coisa que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, gostaria de ver neste momento, em que se contesta sua reindicação ao cargo, é a controvérsia envolvendo algumas autoridades do banco central americano que lucraram nos mercados, graças à sua política monetária expansionista.
Primeiro, saiu a notícia de que dois presidentes regionais do banco, Robert Kaplan, em Dallas, e Eric Rosengren, em Boston, negociaram ativamente ações no ano passado enquanto o Fed adotava políticas de estímulo emergencial, responsáveis por fazer os mercados acionários atingir sucessivas máximas históricas.
Kaplan, ex-vice presidente do Goldman Sachs, fez operação de mais de US$1 milhão em 22 ações individuais ou fundos de investimento, como Apple (NASDAQ:AAPL) (SA:AAPL34), Alibaba (NYSE:BABA) (SA:BABA34), Amazon (NASDAQ:AMZN) (SA:AMZO34), General Electric (NYSE:GE) (SA:GEOO34) e Chevron (NYSE:CVX) (SA:CHVX34). As operações de Rosengren em fundos de investimento imobiliário foram muito menores.
Ambos prometeram vender suas ações individuais até o fim de setembro e manter o montante em dinheiro ou investimentos passivos para evitar a aparência de conflito de interesse.
Diretrizes de ética sob avaliação. Warren pede regras mais rígidas
Powell ordenou uma revisão das diretrizes de ética envolvendo negociação de ações no âmbito do Fed, e a senadora democrata de Massachusetts, Elizabeth Warren, escreveu a cada um dos 12 bancos regionais solicitando que endurecessem as regras para negociação de ações.
Ocorre que o próprio portfólio de investimentos de Powell cresceu bastante no ano passado e agora se aproxima de US$ 100 milhões (sem contar suas propriedades imobiliárias). Powell foi sócio do Carlyle Group por diversos anos e fundou sua própria empresa de investimentos antes de ser nomeado ao conselho de governadores do Fed, em 2012. Ele é conhecido por ser um dos banqueiros centrais mais ricos do planeta.
A maior parte dos investimentos de Powell é administrada por gestores independentes, sobre cujas decisões ele não tem controle. Mas a CNBC revelou que Powell tinha até US$2,5 milhões investidos em títulos municipais, em uma conta conjunta sob seu controle, no ano passado, quando o Fed adquiriu US$5 bilhões em títulos dessa natureza.
O presidente do Fed de Richmond, Thomas Barkin, tinha até US$3 milhões alocados em títulos corporativos, enquanto o Fed comprava US$46,5 bilhões dos fundos corporativos. Rosengren mantinha US$800.000 em fundos imobiliários com títulos hipotecários em carteira e negociou suas cotas 37 vezes enquanto o Fed gastava US$700 para comprar esses títulos no mercado.
Powell tem insistido que o Fed precisa continuar suas aquisições mensais de títulos no montante de US$120 bilhões, pois os EUA ainda não atingiram o pleno emprego, e surgiu essa nova controvérsia, no momento em que os investidores esperam que o Fed forneça indicações de quando começará a reduzi-las.
Controvérsia ética pode pressionar cronograma de aperto
O Fed pode indicar em que momento se iniciará a retirada de estímulos após a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto nesta semana, e aquela controvérsia ética deve aumentar a pressão para que se defina um cronograma nesse sentido.
Alguns analistas criticaram que as compras de títulos contribuíram para aumentar a desigualdade, na medida em que beneficiam os mais ricos, ao inflar os mercados financeiros. Um grande crítico do Fed é o CEO da Better Markets, Dennis Kelleher, que disse à CNBC que o fato de as autoridades monetárias defenderem suas operações, afirmando que estavam dentro das normas éticas vigentes, nada mais faz do que mostrar “quão deficientes” elas são.
Em breve o presidente americano Joe Biden precisará anunciar sua decisão sobre a manutenção de Powell no Fed. O mandatário já enfrenta uma considerável pressão dos democratas progressistas para que o substitua e indique alguém comprometido a trazer mais diversidade à liderança do Fed e realize uma ação mais incisiva contra a mudança climática e a regulação bancária.
Banco Central Europeu também deve iniciar aperto
O Banco Central Europeu (BCE), enquanto isso, encontra-se dividido quanto ao seu próprio estímulo monetário. Diversos membros do conselho dirigente do BCE expressaram, na semana passada, suas preocupações com a inflação, que está superando as expectativas e pode forçar uma retirada de estímulos.
O Financial Times citou a controvérsia em uma matéria informando que o economista-chefe do BCE, Philip Lane, havia dito aos economistas do banco alemão que banco central da zona do euro deve atingir sua meta de inflação de 2% até 2025, uma indicação de que ele pode começar a elevar as taxas de depósito de -0,5% em 2023, um ano antes do esperado.
O BCE negou a informação da matéria, dizendo que ela não está de acordo com a atual projeção da instituição e que os comentários de Lane haviam sido mal interpretados. Mesmo assim, pelo fato de isso ter ocorrido em meio a preocupações com a inflação, a matéria acabou provocando uma alta nos rendimentos dos títulos do governo.