O problema não está nas pessoas que não sabem. Mas, sim, naquelas que não sabem o suficiente. É Taleb, sempre ele.
Se o sujeito apenas não sabe, reconhece a própria ignorância e não espalha sua opinião por aí. Agora, se ele acha que sabe, olha, sai de baixo, porque provavelmente vem bomba. Não ter mapa é sempre melhor do que dispor de um mapa errado.
A audição das expressões “deixa comigo” ou “eu resolvo” é a melhor previsora de crises. Desabafo rápido: tenho calafrios ao ouvir o presidente afirmar estar “numa missão de Deus”; ora, se é assim, foram-lhe concedidos poderes absolutos, não é mesmo?
O aconselhamento financeiro no Brasil costuma ser um mapa errado. Pra mim, ele não somente não ajuda o investidor. É pior do que isso. Ele, em geral, tem efeito negativo, destruindo valor. Era melhor não ter.
Isso porque normalmente é feito por alguém sob claro conflito de interesses (delegamos nossas decisões pessoais à raposa no galinheiro), que não estudou finanças com profundidade e que não é um praticante — conselhos de finanças dados por quem sequer tem as próprias finanças em dia.
Precisava haver alguma coisa parecida com uma filosofia da ética no mercado financeiro, numa proposta de vida mais empática, em que os consultores, gerentes e agentes autônomos efetivamente se colocassem no lugar de seus clientes. Um dos maiores expoentes da filosofia da ética, Simone Weil, se tornou operária da Renault para escrever sobre o cotidiano dentro das fábricas. Você precisa viver aquilo que escreve. Ok, ok, talvez ela tenha exagerado e ficar sem um alimentação básica pode passar do ponto (ela faleceu em estado de desnutrição), mas há um espírito ali a servir de exemplo. Uma vida dedicada ao bom tratamento e à justiça com os outros.
Um dos nichos em que o aconselhamento ou mesmo a alocação patrimonial concreta são mais terríveis é o de previdência. Se o assunto surge numa roda de conversa de cinco pessoas, há ao menos um a prontamente se posicionar: “Previdência não presta”. Ou outro espertinho: “A maior parte dos fundos não bate o CDI nesse mercado”.
Gostaria de combater essa visão estereotipada e, mais do que isso, apresentar um argumento bastante simples para embasar a proposta de se ter algo em torno de 10 por cento de seu patrimônio em previdência.
Ah, sim, é verdade que a maior parte dos fundos de previdência não supera o CDI — só esqueceram de dizer que a maior parte de toda a indústria de fundos também não supera o benchmark. Você está certo. A coisa é um pouco pior no nicho de previdência. A distância para o CDI aqui é maior, temos ainda menos fundos superando essa referência do que a média consolidada de toda a indústria e existe uma alocação muito além do razoável em renda fixa. Verdade. Mas a média ser ruim não significa que não haja produtos e gestores excelentes. O ponto é saber escolher.
Os benefícios ligados à classe são substanciais e trazem impacto relevante no longo prazo. Só pra lembrar os mais gerais: não incidência do come-cotas, facilidade da migração entre fundos (somente os fundos de previdência gozam da prerrogativa da portabilidade; ou seja, se estiver insatisfeito com o gestor, o camarada pode apertar um botão e migrar na hora), menor alíquota de imposto de renda no longo prazo (10 por cento acima de dez anos), não aplicação de ITCMD, disponibilidade imediata para o sucessor e, no caso do VGBL, IR se aplica somente sobre a rentabilidade do valor de resgate.
Até aí, beleza, meio jargão. Mas eu queria falar um pouco mais da questão sucessória, porque por vezes não se dá a devida atenção a ela. O que, aliás, é bem compreensível. A difícil questão de Narciso encarar a própria finitude e efemeridade.
Podemos tentar jogar xadrez com a morte como faz o cavaleiro Jöns em “O Sétimo Selo”. Ou torcer para o amigo José Cordeiro estar certo, de modo a termos a morte da morte lá por 2045, quando encontraremos uma cura para o envelhecimento, que seria uma doença como outra qualquer. Ou tratar a questão com a ironia de Woody Allen: “Não tenho medo da morte, só não quero estar lá quando acontecer”. No meu mundo, porém, ao menos por enquanto, ainda parece que vamos acabar indo para o mesmo lugar, inexoravelmente.
Então, se temos alguma responsabilidade com nossos herdeiros, precisamos pensar a questão sucessória com diligência e pragmatismo. Imagino que você concorde comigo sobre isso. É — ou pretende ser — um bom pai, uma boa mãe, um bom cônjuge, o que for. Acumulou um patrimônio razoável e entende ter resolvido qualquer problema sucessório. Se você vier a faltar, terá deixado algo bacana.
Mas há uma questão curiosa aqui, até aparentemente paradoxal. Mesmo que você tenha deixado um patrimônio enorme, como acessá-lo? Para fazê-lo, precisaríamos pagar 4 por cento de ITCMD, mais alguma coisa entre 5 e 6 por cento de advogado e inventário. Só assim a herança é liberada.
Ou seja, quanto maior a bolada que for deixada, maior precisará ser o gasto para chegar até ele (cerca de 10 por cento do todo). Então, como a grana da previdência é liberada de maneira instantânea, diferentemente de todo o resto da burocracia, faz sentido que você deixe esses 10 por cento do patrimônio justamente num fundo de previdência. Essa é uma decisão estritamente racional e pragmática para quem tem reais preocupações com patrimônio e sucessão.