A Resolução CVM nº 178 de 2023 trouxe mudanças profundas na atividade de assessoria de investimentos no Brasil, gerando reações mistas entre os participantes do mercado. Essa norma substitui a Resolução CVM nº 16/2021, atualizando a regulamentação do setor com o objetivo de aumentar a transparência, aprimorar a governança e proteger o investidor. Um dos principais pontos dessa nova regulamentação é a obrigatoriedade de uma divulgação clara e detalhada sobre as comissões e remunerações recebidas pelos assessores de investimento, o que, em última instância, representa um avanço significativo na proteção do cliente.
Embora a Resolução tenha entrado em vigor em 1º de junho de 2023, as regras específicas sobre a transparência na remuneração dos assessores de investimento foram adiadas e só serão obrigatórias a partir de 1º de novembro de 2024. Esse prazo estendido visa permitir que os participantes do mercado adaptem seus sistemas e processos internos, garantindo que possam atender às novas exigências de compliance.
Uma das mudanças mais discutidas da Resolução CVM 178 é o fim da obrigatoriedade de exclusividade dos assessores de investimento com uma única corretora. Antes, os assessores eram obrigados a se vincular exclusivamente a uma instituição financeira, o que gerava críticas por limitar sua liberdade de atuação e concentrar poder em poucas corretoras. Agora, a nova regra permite que os assessores se vinculem a mais de uma instituição financeira, promovendo maior liberdade de escolha e aumentando a concorrência. Essa mudança descentraliza o poder das grandes corretoras, permitindo uma oferta mais diversificada de produtos aos clientes. Instituições como a B3 (BVMF:B3SA3) e a CFA Society destacaram que a medida está alinhada com práticas internacionais e incentiva a diversificação dos produtos oferecidos.
A questão da gestão de conflitos de interesse e a proteção dos dados dos clientes se tornam centrais quando um assessor atua para mais de um intermediário, exigindo estruturas de compliance mais robustas para garantir a confidencialidade e a segregação de informações. Nesse ponto, a Warren, que adota um modelo de negócios sem comissões, argumenta que seu modelo permite evitar os conflitos de interesse inerentes ao modelo tradicional. Segundo a empresa, mesmo com as novas exigências de transparência, a remuneração baseada em comissões e a possibilidade de o assessor representar múltiplas corretoras continuam incentivando comportamentos que não necessariamente priorizam os interesses dos clientes.
Em contraste, instituições como a XP Investimentos (BVMF:XPBR31) defendem que a maior liberdade oferecida pela resolução permitirá que os assessores ofereçam um serviço mais personalizado e, ao mesmo tempo, gerem maior competição entre os intermediários, o que seria benéfico para os investidores. No entanto, essa visão otimista não considera os problemas estruturais que afetam os pequenos players do mercado. A ANCORD, por exemplo, destacou que, embora a flexibilidade em termos de multivinculação seja positiva, as exigências de compliance podem inibir o crescimento de novos players, restringindo, em última análise, a diversidade no mercado.
Outro ponto central da Resolução CVM 178 é a ênfase na governança corporativa. A exigência de que empresas de assessoria tenham diretores responsáveis por compliance e controles internos foi recebida de forma mista. De um lado, essa medida é vista como essencial para garantir a transparência e evitar abusos no mercado, especialmente à luz dos problemas de conduta observados em anos anteriores. Por outro, a imposição de mais estruturas de governança pode ser excessivamente onerosa para pequenos escritórios de assessoria, criando uma barreira de entrada significativa para novos participantes.
A Resolução CVM 178 exige que os assessores divulguem de forma clara todas as estruturas de remuneração aos clientes sempre que solicitado. Além disso, a Resolução CVM 179 complementa esse esforço ao impor a obrigatoriedade de um extrato trimestral automático, detalhando as comissões e remunerações recebidas, permitindo ao investidor acesso contínuo a essas informações sem a necessidade de solicitação. Esse ponto é importante para garantir que o cliente tenha total clareza sobre como e por quem seu assessor é remunerado, permitindo uma escolha mais informada sobre os serviços financeiros oferecidos.
No entanto, embora essa transparência seja reconhecida como positiva, surgem questionamentos sobre se ela realmente será suficiente para resolver o problema dos conflitos de interesse. Mesmo com a divulgação automática de informações, a complexidade desses dados pode ser um obstáculo para que o investidor comum compreenda o impacto das comissões. Conforme destacado pela Warren, o modelo de remuneração baseado em comissões, se não for adequadamente regulado, pode continuar criando incentivos “perversos”, nos quais o assessor prioriza produtos que gerem maior retorno financeiro para si, em detrimento da real necessidade do cliente.
Meu ponto é claro: as resoluções da CVM, apesar de bem-intencionadas, não resolvem o problema central dos conflitos de interesse. Elas ainda permitem que os assessores priorizem produtos com as maiores comissões. A transparência por si só não é suficiente, pois muitos clientes não possuem o conhecimento necessário para interpretar essas informações de forma adequada. O verdadeiro desafio está em criar um sistema que realmente alinhe os interesses dos clientes com os dos assessores, priorizando as necessidades genuínas do cliente.
Diversas manifestações foram apresentadas durante a Audiência Pública SDM nº 05/21, contribuindo com visões importantes sobre as mudanças propostas pela CVM nas Resoluções 178 e 179. A ANBIMA elogiou a flexibilização regulatória que permite aos agentes autônomos de investimento (AAIs) se vincularem a mais de um intermediário. Entretanto, ressaltou a importância de garantir que os intermediários continuem sendo responsáveis pela supervisão das atividades dos AAIs, especialmente no que se refere à segregação de informações e à metodologia de suitability utilizada pelos assessores em nome dos intermediários.
O Banco Santander (BVMF:SANB11) também destacou o fim da exclusividade como um avanço necessário para aumentar a competição no mercado de capitais, mas levantou preocupações sobre a segurança das informações dos clientes. Em sua manifestação, o banco sugeriu que a CVM esclarecesse o relacionamento entre AAIs e intermediários, para evitar que os agentes utilizem dados dos clientes ao migrarem entre diferentes instituições, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Já a Warren, embora apoie o aumento da transparência e o fim da exclusividade, expressou uma visão crítica sobre o modelo tradicional de AAIs. A corretora destacou que, mesmo com maior transparência, os conflitos de interesse inerentes ao modelo de remuneração baseado em comissões permanecem. A Warren defende um modelo mais radical de transparência, no qual o assessor devolve qualquer remuneração adicional obtida ao cliente, cobrando apenas uma taxa fixa.
Esse modelo, segundo a Warren, eliminaria por completo os conflitos de interesse, assegurando que o cliente sempre receba o melhor serviço, sem que o assessor seja influenciado pelas comissões de produtos específicos. Contudo, a CVM optou por uma abordagem mais flexível, reforçando a necessidade de transparência, mas mantendo a remuneração baseada em comissões, um modelo ainda dominante no Brasil.
O esforço para aumentar a transparência sobre as comissões também está em linha com as demandas de diversas instituições do mercado, que já implementaram modelos de remuneração mais transparentes. A própria Warren destacou em sua manifestação que já adota um modelo de negócios que elimina conflitos de interesse ao não cobrar taxas de corretagem e devolver qualquer remuneração adicional obtida aos clientes. A adoção de práticas mais transparentes e a padronização na divulgação de informações podem, assim, contribuir para um mercado mais justo, em que o cliente tenha maior clareza sobre as reais implicações financeiras de suas escolhas de investimento.
É preciso reconhecer que essa maior transparência também traz novos desafios operacionais. Empresas de assessoria, especialmente as menores, precisarão se adaptar às exigências de compliance, o que pode representar um aumento significativo de custos. Essa complexidade, conforme apontado por associações como a ANCORD, pode criar uma barreira adicional para o funcionamento de assessores menores, que terão que desenvolver sistemas internos para registrar e divulgar as informações de forma adequada. Mesmo assim, o consenso geral entre os participantes foi que o ganho em termos de proteção ao cliente justifica os custos adicionais de conformidade, uma vez que a clareza nas informações é essencial para garantir um ambiente mais seguro e confiável para os investidores.
Assessores de menor porte, que tradicionalmente tinham uma estrutura mais enxuta, poderão enfrentar dificuldades para se adaptar a essas novas exigências, o que poderia reduzir a competitividade no setor, favorecendo as grandes instituições já estabelecidas. O Banco Santander, em sua manifestação, também destacou essa preocupação, afirmando que, embora as novas regras tenham o potencial de melhorar a competitividade, há um risco real de que a regulação excessiva leve à concentração de mercado, prejudicando o surgimento de novos competidores.
Além disso, um ponto que gerou debate na Audiência Pública SDM nº 05/21 foi a definição do papel dos assessores de investimento na recomendação de produtos financeiros. A Resolução CVM 178 deixa claro que os assessores devem restringir-se à oferta dos produtos previamente selecionados pelos intermediários, não podendo atuar diretamente na recomendação de investimentos. Essa limitação, embora destinada a proteger os investidores de recomendações enviesadas, foi vista por alguns participantes como uma restrição exagerada que impede o pleno desenvolvimento do papel do assessor como um consultor de confiança do cliente. A CFASB sugeriu que o termo "agente autônomo" seja substituído por "assessor de investimentos", para melhor refletir o papel que essesprofissionais desempenham no aconselhamento financeiro de seus clientes.
A Resolução CVM nº 178 representa um avanço significativo na regulação dos assessores de investimento, mas ela não está isolada de um contexto mais amplo. O mercado de capitais brasileiro tem mostrado um crescimento notável, com um volume de emissões em 2022 que atingiu R$ 574,1 bilhões em valores mobiliários, representando a segunda maior captação anual da série histórica, conforme apontado no relatório "Tendências Mercado Financeiro" (R. Amaral, Huland, Castro Alves, Linhares & Barros Leal Advogados). Além disso, o mercado de dívida corporativa, que inclui debêntures, CRI, CRA, e notas comerciais, representou R$ 409,5 bilhões desse total, uma alta de 21,6% em relação ao ano anterior.
Esse crescimento foi acompanhado pelo aumento do número de participantes regulados pela CVM, que superou 80 mil em 2022, com destaque para os 23.294 agentes autônomos de investimento registrados, segundo o relatório "Tendências Mercado Financeiro". Esses números refletem um mercado em plena expansão, mas também sublinham a necessidade de regulamentações mais robustas e eficazes, como a CVM 178, para garantir a integridade e o funcionamento desse ecossistema em crescimento.
A Resolução CVM 178, que se alinha com as iniciativas mais amplas da CVM para fortalecer o mercado, deve ser vista como parte de um movimento para aumentar a segurança jurídica e estimular o ingresso de novos participantes. A medida também acompanha outras reformas importantes, como as relacionadas ao mercado de fundos e ofertas públicas, com o objetivo de consolidar o mercado de capitais como um motor de financiamento de longo prazo.
Adicionalmente, o mercado está sendo impulsionado por novas tendências, como as emissões de títulos ESG, que representaram 11,4% do total de emissões em 2022, de acordo com o relatório "Tendências Mercado Financeiro". A adoção de inovações tecnológicas, como a tokenização de ativos, também está moldando o futuro do mercado de capitais, trazendo novas oportunidades de eficiência e redução de custos.
Dessa forma, a Resolução CVM 178 moderniza a regulação dos assessores de investimento e se insere em um movimento mais amplo de transformação do mercado financeiro brasileiro. Embora traga melhorias, como maior transparência e governança, ela pode não resolver completamente os conflitos de interesse.
A minha crítica é bem simples. Embora essas mudanças tragam melhorias, como maior transparência e governança, elas podem não resolver totalmente os conflitos de interesse. A transparência nas comissões, embora importante, não elimina os incentivos para que assessores priorizem produtos com maiores comissões, independentemente do interesse do cliente. Uma solução mais robusta seria adotar ou incentivar um modelo fee-based, onde os assessores são remunerados com uma taxa fixa, eliminando esses incentivos.
Além disso, é importante que as exigências de transparência e governança não criem obstáculos para novos entrantes, mas promovam um ambiente onde o cliente tenha acesso a informações claras e a conselhos verdadeiramente isentos de conflitos de interesse. Um mercado verdadeiramente democrático depende da total convergência entre os interesses dos assessores e os de seus clientes.