Seria um novo começo ou o começo do fim? Ou não seria ponto de inflexão algum? Afinal de contas, fora das novelas e dos filmes de Hollywood, não precisamos necessariamente caminhar para um final contundente. Podemos continuar andando a esmo, perdidos no labirinto da crise interna que nós mesmos criamos.
Tenho tentado organizar o pensamento e a matriz de probabilidades em três cenários possíveis: um fim terrível, o terror sem fim e a trégua efetiva.
O fim terrível seria um cenário de impeachment ou inelegibilidade. Em sendo o caso, teríamos mais uma ruptura, que exigiria piora adicional, antes de melhorarmos. O terror sem fim representaria a continuidade do cenário belicoso e de crise institucional semelhante ao observado nos momentos de máxima tensão da semana passada. E o terceiro seria a efetiva trégua, uma real mudança de postura do presidente, inaugurando uma nova forma de governar; seria o fim de Bolsonaro tal como nós conhecemos e o início de uma administração mais institucionalizada, com respeito à liturgia do cargo, a determinados ritos e aos demais Poderes.
É pseudointeligente afirmar que essa é necessariamente só mais uma rodada de morde e assopra do presidente Bolsonaro. Ele já esticou e afrouxou a corda várias vezes. Essa seria só mais uma. Como no caso do sapo e do escorpião, “é a minha natureza”. O cético na capacidade de mudança sempre soa mais profundo e austero. O pessimista é sempre percebido como mais sofisticado. A postura crítica rende dividendos intelectuais.
Da minha parte, porém, acredito que desta vez seja diferente. Sim, eu sei dos problemas dessa frase. É quase um pecado no mercado financeiro acreditar que “desta vez é diferente”. Todos conhecem a piada: “As quatro palavras mais perigosas do mercado são ‘desta vez é diferente’”. Mas poucos conhecem sua réplica: “As doze palavras mais perigosas são ‘as quatro palavras mais perigosas do mercado são desta vez é diferente’”. Na média, em 20% dos casos, as coisas são diferentes mesmo.
À sua maneira, políticos têm sua racionalidade. E, como leitor de Nassim Taleb e Gerd Gigerenzer, só consigo ligar a racionalidade à sobrevivência. Não há driver maior para a mudança do que o medo.
Concretamente, já há algo diferente nesse movimento de Jair Bolsonaro. Ele é um documento escrito. Não me parece que tenha sido coincidência essa característica, que guarda paralelos, inclusive, com outra carta fatídica de Michel Temer, cujo título ostentava “verba volant, scripta manent”. A palavra falada voa, a escrita permanece. Aquele documento foi um marco importante na catálise do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, tal como o atual pode ser um marco para o fim do governo Bolsonaro tal como nós o conhecemos. Rasgar um documento escrito pode ter consequências igualmente concretas. As pessoas costumam ser cobradas por rompimentos de contratos.
Também não me parece coincidência a proximidade entre Michel Temer e Alexandre de Moraes, tampouco a representação de Temer, uma prosopopeia do establishment político brasileiro e sua institucionalização. Recorrer a Michel Temer de maneira tão pública e explícita é ceder ao establishment (escrevo isso no sentido positivo, porque o momento requer a conciliação com o establishment, menos atrito e mais harmonia).
Dos três cenários ventilados, a hipótese do terror sem fim me parece a menos provável. Por uma razão muito simples: o Brasil não aguenta um ano e meio sob o clima da semana passada. Ou Bolsonaro mudava ou tiravam ele de lá. O próprio Bolsonaro parece ter percebido isso. Boa parte do PIB já não está com ele. A pressão pelo acolhimento dos pedidos de impeachment cresce. Kassab já flertava com o impedimento; o PSDB rumou para a oposição.
Dado o medo do fim terrível, a hipótese da trégua efetiva emerge como a mais provável. O mesmo Kassab já veio se manifestar dizendo que a carta afasta o risco de impeachment, com a condicional “por enquanto”. Ou seja, a se continuar o clima de respeito institucional e abrandamento do ambiente belicoso, o país volta a ter um mínimo de tranquilidade.
O risco de uma ruptura diminui, o cenário de cauda sai do radar (ao menos no curto prazo). Não será fácil, muito menos temos resolvidos todos nossos problemas. A inflação continua alta, as projeções para o PIB de 2022 seguem caindo, a crise hídrica ainda é uma questão relevante a ser monitorada, precisamos de uma solução para a peça de ficção batizada de Orçamento de 2022.
Mas a nuvem da ruptura institucional e de um país em colapso por mais de um ano começa a se dissipar. É nas horas de saída da tempestade que se ganha mais dinheiro. Sem nuvens no céu, o sol, sendo sempre o melhor detergente, ilumina muito facilmente a realidade e permite que tudo seja visto com muita tranquilidade. Os preços estão perto do justo, sem grandes oportunidades. Momentos de tempestade são de baixa luz do sol, por construção. Os preços são também de tempestade. E quando a chuva passa, o sol volta.
Mais uma vez, a teoria do cercadinho encontra validação empírica. Flertamos com o abismo e voltamos. Os preços ainda estão em valores promocionais, contemplando um cenário de ruptura institucional. Em não havendo ruptura, os preços devem ser outros no futuro.
Vai haver frustrações, dificuldades, frustrações, volatilidade, choro e ranger de dentes. Mas não será desta vez que o Brasil vai explodir.
Se você tem intenção de comprar barato, é nesses momentos que existem oportunidades de multiplicação. Em céu de brigadeiro, não tem muita onda.