Se alguns bancos regionais dos EUA fizeram uma gestão tão ruim da sua exposição às taxas de juros e do risco de resgates de depósitos, quebrando em questão de poucas horas, como podemos ter certeza de que outros bancos não estão enfrentando problemas semelhantes?
Com base em minha experiência na gestão de um grande portfólio de investimentos em um banco europeu e na minha passagem pelo departamento do Tesouro dos EUA, tentarei explicar como isso aconteceu, levando em consideração minha experiência prática.
Os bancos compram títulos por duas razões: valorização de reservas e regulamentação.
Quando você recebe depósitos e não faz nada pelo lado do ativo, acumulará reservas no banco central.
Mas os bancos querem ganhar dinheiro, e os títulos geralmente rendem mais do que as reservas depositadas nos Bancos Centrais (ver gráfico abaixo).
Some a isso a regulamentação, que obriga os grandes bancos a deter cerca de 20% do seu balanço em ativos líquidos (leia-se: títulos) e isso faz com que essas instituições tenham enormes portfólios de investimentos.
Como os bancos lidam com a gestão de risco dessas carteiras gigantescas?
Um banco prudente realiza operações de hedging (proteção) com contratos de swaps da maioria, senão de todos os ativos expostos ao risco de juros em seu portfólio de valores mobiliários.
O banco compra títulos (com taxa fixa) e paga swaps (com taxa fixa) como forma de proteção.
Os bancos ganham com o diferencial de crédito (spread) entre o retorno dos títulos e os retornos dos swaps. É basicamente isso.
Agora vem o mais complicado: a contabilidade.
Os swaps são derivativos e seu tratamento contábil padrão impacta diretamente os lucros e prejuízos do banco, gerando uma volatilidade imediata em seus resultados financeiros.
E os bancos não gostam nada disso.
Essa é a razão pela qual os órgãos reguladores permitem algo chamado “contabilidade de hedging”: se você compra títulos e os coloca na rubrica Disponível para Venda e usa os swaps para se proteger do risco de juros, toda aquela volatilidade se foi.
A pequena volatilidade de equilibrar títulos e swaps impacta a posição de capital do banco.
O que se busca é diminuir a volatilidade e se proteger contra os riscos e aproveitar os benefícios de um tratamento contábil mais favorável.
Mas, e se você registrar os títulos na rubrica “Mantidos até o Vencimento”?
Nos EUA, quando o banco faz esse tipo de registro, as regras contábeis fazem com que a proteção contra o risco das taxas de juros usando esses títulos seja bastante punitiva.
O uso de swaps para proteção de títulos mantidos até o vencimento não recebe um tratamento contábil amigável e, por isso, prejudicam os resultados dos bancos, mas os títulos em si não, o que cria uma assimetria extremamente inconveniente e uma volatilidade nos lucros e prejuízos que os bancos odeiam.
O resultado é que os bancos americanos acabam não fazendo esse tipo de hedging para títulos mantidos até o vencimento.
Isso é importante, pois os prejuízos acumulados com esses papéis podem ser bastante grandes.
As perdas do Charles Schwab (NYSE:SCHW) com títulos mantidos até o vencimento são praticamente o dobro da sua posição de capital, e até mesmo para bancos sistemicamente importantes, como o Bank of America (NYSE:BAC), essas perdas podem eliminar metade do seu capital.
Então quer dizer que os grandes bancos americanos correm o risco de quebrar também?
Fiquem ligados.
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Este artigo foi originalmente publicado em The Macro Compass.