O mundo tem um novo “czar” do setor de energia – pelo menos é assim que Vladimir Putin gosta de se imaginar –, na medida em que tenta atender a ambos os lados do mercado: os produtores em uma ponta, já que a Rússia é grande o bastante para se sentar ao lado dos sauditas na Opep+, e os consumidores na outra, haja vista que a Europa só conseguirá resolver sua crise de gás se ouvir Moscou, na suas palavras.
Os “remédios” oferecidos pelo presidente russo aos males do mundo estão sendo recebidos com cautela, e não sem razão.
No início da semana, ficamos sabendo que a Rússia não sairia ao socorro dos consumidores europeus, aumentando sua oferta de gás, a menos que ganhasse algo em troca: a aprovação regulatória para iniciar o fornecimento através do controverso gasoduto Nord Stream 2. O que a Rússia quer, portanto, em troca da sua maior oferta de gás, é obter uma aprovação da Alemanha e da União Europeia para usar a tubulação e abastecer a Europa.
Na quinta-feira, Putin também disse outra coisa que gerou rebuliço nos mercados de petróleo: a Opep+ estava produzindo mais barris do que havia anunciado.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados decidiram, em sua reunião de 4 de outubro, não adicionar mais que 400,000 barris por dia (bpd) ao que já haviam se comprometido para os próximos cinco meses, apesar da restrição de oferta global que fez os preços do petróleo atingirem as máximas de sete anos.
Decifrando fala de Putin
Putin, no entanto, afirmou que a Opep+ estava aumentando a produção em um volume um pouco maior do que o acordado. Isso vai de encontro com o que a maioria dos membros da aliança de 23 países produtores, liderados pela Arábia Saudita, vinha dizendo.
O líder russo também afirmou outra coisa:
“Nem todos os países estão conseguindo elevar significativamente sua produção”.
Possivelmente ele estava se referindo à dificuldade enfrentada por alguns países, como a Nigéria, para atingir o volume previsto em suas cotas da Opep, devido aos custos associados ao restabelecimento de campos petrolíferos abandonados e à vandalização de oleodutos.
Dados mostram que os 19 membros da Opep+ com cotas de produção exportaram, ao todo, 570.000 barris diários abaixo das suas alocações de setembro, fazendo com que a adesão aos cortes fosse de 111,5%, ou seja, maior do que o previsto.
Dessa forma, o que Putin talvez quisesse dizer é que qualquer oferta extra da Opep+ ao mercado no curto seria reduzida,
Por outro lado, ele também pode ter sugerido que a Rússia é um dos países capazes de aumentar sua produção significativamente acima do que a maioria dos outros países do cartel. Além da Rússia, o Iraque também declarou ter capacidade – e desejo – de extrair mais petróleo do chão.
Alguns poderiam dizer que não se deve inferir tanta coisa das manifestações de Putin. Mas há boas razões para tanto.
Qual é a agenda da Rússia?
Três semanas após a reunião da Opep+, as manifestações do Kremlin, em meio à dinâmica da crise de oferta de petróleo, levantaram dúvidas quanto à real agenda da Rússia como vice-líder do cartel.
Em 7 de outubro, apenas três dias após a reunião da Opep+, o vice-ministro de energia da Rússia, Pavel Sorokin, disse que Moscou não queria que o mercado de petróleo se superaquecesse e gostaria de ver os preços globais do produto se estabilizarem na faixa de US$45-60 por barril no longo prazo. Desde sua manifestação, o preço do barril do Brent, referência mundial do petróleo, superou a marca de US$86.
“Estamos vendo um superciclo de forma geral, não apenas no petróleo", ressaltou Sorokin.
“Se os preços subirem demais, gerará uma destruição da demanda, o que não é saudável. Não mudamos nossa visão de que queremos ver preços estáveis, previsíveis, pois essa é a única forma de planejar a economia para o futuro”.
O próprio Putin afirmou que não queria ver uma disparada dos preços do petróleo, embora concorde que é possível que o barril de petróleo atinja US$100.
O que os russos não discutem é por que o vice-primeiro-ministro Alexander Novak não defendeu uma produção maior na reunião de outubro da Opep+, que ele praticamente copresidiu, ao lado do também ministro de energia Abdulaziz bin Salman, da Arábia Saudita.
Além disso, se a Rússia não quer que ocorra uma destruição da demanda por causa do encarecimento do petróleo, preferindo um mercado “estável”, ela não deveria ter produzido muito mais em setembro, já que os preços saíram de menos US$60 para mais de US$80?
Uma pesquisa sobre a produção da Opep+ mostra que a Rússia extraiu 9,86 milhões de barris por dia (mbpd) em setembro, apenas 160.000 barris, ou 1.6%, acima da meta de 9,70 mbpd. O Iraque produziu 4,18 mbpd, superando, portanto, suas alocações de 4,11 mbpd em 70.000 bpd.
Opep+: um ambiente controverso
É óbvio por que os russos mantêm um tom amistoso com os sauditas no âmbito da Opep+, enquanto provocam ruídos politicamente corretos sobre os preços do petróleo no front mundial.
O arranjo da Opep+, em vigor desde 2015, tem funcionado, em grande medida, graças aos dois países, que são os dois maiores produtores de petróleo ao lado dos Estados Unidos, que perderam pelo menos 15% da sua oferta desde o surgimento da pandemia de coronavírus em março de 2020.
A cooperação Moscou-Riad, no entanto, não tem passado incólume a problemas, principalmente porque a Rússia sempre foi a culpada por violar suas cotas de exportação nos seis anos de vigência do pacto.
Foi justamente um grande desacordo entre os dois países em torno da produção que provocou um colapso na ordem dos trabalhos da Opep+ antes da pandemia, gerando um excesso de oferta mundial que fez os preços do petróleo americano entrarem em terreno negativo pela primeira vez na história.
Após a improvável mediação feita pelo então presidente dos EUA, Donald Trump, os dois fizeram as pazes. Nenhum dos lados deseja ver uma repetição desse desastre, daí a importância de construir uma frente unida para o mercado a cada reunião.
Portanto, na próxima vez em que você ouvir Putin falar sobre os preços elevados do petróleo e da necessidade de abastecer mais o mercado, é melhor deixar suas palavras entrarem por um ouvido e saírem pelo outro. Isso se aplica especialmente a países consumidores em dificuldades, como a Índia, terceiro maior importador de petróleo, após os EUA e a China.
O presidente russo deseja construir uma imagem de “czar” do setor de energia global, capaz de resolver as aflições tanto de países produtores quanto de consumidores. A verdade, no entanto, é que a Europa continua opondo-se ao seu gasoduto Nord Stream 2, e o ministro de energia saudita Abdulaziz, que adora invocar o policial durão do filme hollywoodiano Perseguidor Implacável, também odeia sair perdendo.
Dessa forma, a Rússia continuará provocando os ruídos que animam o mercado antes de cada reunião da Opep+.
“A bem da verdade, os russos não se importam se o petróleo cair para US$60 ou até mesmo US$50, desde que consigam exportar o suficiente para obter a receita desejada", ressaltou John Kilduff, sócio-fundador do hedge fund de energia Again Capital, de Nova York. “Mas os sauditas odeiam essa ideia”, complementou.
“Portanto, é bem provável que continuemos ouvindo tensões antes de cada reunião da Opep+. E o preço do petróleo provavelmente recuará US$2 por barril toda vez que se falar na resistência da Rússia ao plano saudita, para logo em seguida um novo pacto ser anunciado, e os preços voltarem a subir mais US$20”.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para oferecer aos leitores uma variedade de análises sobre os mercados. A bem da neutralidade, ele apresenta visões e variáveis de mercado contrárias. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.