L: Com licença, você saberia me dizer se tem porco ou frutos do mar neste aperitivo?
G: Não, senhora.
L: Obrigada. E esse peixe, é de escamas e barbatanas?
G: Mas todo peixe tem escama, não?
L: Não, existe peixe de couro.
G: Só um minuto que eu vou confirmar com o chef.
(Alguns minutos depois...)
G: Ele disse para a senhora não se preocupar, pois sempre tira a escama antes de servir o peixe.
O final desse diálogo não costuma levar a lugar nenhum.
Esse roteiro se repete todas as vezes que frequento um jantar ou evento social com comida, mas sem cardápio.
Se você estranhou o diálogo, essas são restrições alimentares de cunho religioso descritas em Levítico 11. Por isso, me tornei especialista em identificar se a comida tem ou não porco e decorei os peixes de escamas mais comuns na culinária brasileira.
Ainda assim, se desconfio da falta de transparência, prefiro não arriscar. Princípios são inegociáveis.
Como analistas de investimentos, estamos sujeitos a todo tipo de incertezas e à aleatoriedade, mas não devemos confundir nenhuma dessas duas com falta de transparência, coisa séria e cara para nós.
Já como investidores, deparamo-nos diariamente com ausência de transparência, intencional ou consequência de despreparo e falta de informação.
Em fundos de investimento globais, os hedge funds são o pior exemplo. E é por isso que uma parcela relevante da análise desses fundos é feita através do histórico de retornos. Afinal, se encontramos um pedaço de bacon no alimento servido, sinceramente não importa muito o que o chef disse.
No extremo oposto, destacam-se os ETFs (Exchange Traded Funds), fundos de investimento passivos com o objetivo de replicar determinado índice de referência de renda fixa ou variável.
Neste caso, é possível saber com total transparência os ativos que estão sendo operados, medir os riscos associados e, portanto, chegar a uma conclusão se aquele investimento é adequado para o portfólio.
Os ETFs são, na média, uma forma simples, eficiente e barata de adicionar diversificação e liquidez ao portfólio do investidor.
São exatamente essas características que têm levado ao aumento expressivo da demanda por esses produtos.
Apenas em setembro, de acordo com a Morningstar e a despeito da derrocada nos mercados globais, o mercado de ETFs nos EUA recebeu aportes de US$ 55 bilhões — um total de aproximadamente US$ 647 bilhões no acumulado dos três trimestres do ano, apequenando o recorde do ano anterior de US$ 499 bilhões.
No resto do mundo, a tendência é exatamente a mesma.
No Brasil, existem pouco menos de 50 ETFs listados na B3 (SA:B3SA3), além de aproximadamente 70 BDRs de ETFs, que são recibos emitidos no Brasil com lastro em ETFs no exterior — na prática, uma porta de acesso a esse mercado global pujante.
No comparativo do ano passado até agosto deste ano, o volume negociado de BDRs de ETFs saltou de R$ 160 milhões para R$ 6,47 bilhões, segundo relatório da própria B3.
O crescimento é notável, mas não sejamos ingênuos: os benefícios aqui elencados não dispensam uma análise diligente e criteriosa desses veículos de investimento. Além disso, um bom investimento não necessariamente é um investimento bom para você.
Seja no cardápio ou no diálogo com os assinantes, valorizo o compromisso com a máxima transparência.
Um princípio inegociável.
Um abraço