A propensão de Donald Trump de dizer uma coisa e deixar seu governo fazer outra tem sido um presente para o Irã depois do ataque à Arábia Saudita, já que o presidente dos EUA garantiu a Teerã que não realizaria qualquer ação militar, apesar das demandas de alguns oficiais na Casa Branca.
Logo após o histórico ataque da última semana à infraestrutura petrolífera da Arábia Saudita, Trump deu a entender que o Irã era o principal suspeito. Mas também deixou claro que não queria entrar em guerra com a República Islâmica.
Teerã está se aferrando a essa posição do presidente norte-americano, enquanto Mike Pompeo, Secretário de Estado dos EUA, busca apoio internacional para punir o Irã pelo ataque.
Malicioso, Irã Coloca Pompeo contra Trump
A malícia do Irã ficou patente na quinta-feira, quando o Ministro de Relações Exteriores, Javad Zarif, tentou promover a discórdia entre Pompeo e Trump, descrevendo o secretário de estado como parte de um grupo de desertores na Casa Branca, cuja intenção era instigar o presidente a entrar em uma guerra que ele não precisava.
Por um momento, foi possível quase que desculpar Zarif por soar como um aliado de Trump, que estava ajudando o presidente a se precaver contra inimigos em seu próprio gabinete.
Embora não tenha feito menção a qualquer outro nome, Zarif deu a impressão de estar citando o grupo de desertores que era liderado pelo ex-assessor de segurança nacional de Trump: John Bolton. O presidente demitiu Bolton no início deste mês, depois de discordar com a maioria das suas recomendações que incitavam uma batalha contra o Irã.
Crise saudita estranhamente aproxima Trump e Irã
Por mais absurdo que possa parecer qualquer companheirismo verdadeiro entre eles, a aversão de Trump a uma guerra estranhamente fez com que ele se tornasse a melhor esperança do Irã na atual crise envolvendo a Arábia Saudita. A verdade é que, enquanto a vontade dos sauditas é extinguir seu pior inimigo da face da terra, Trump quer mantê-los vivos.
Desde que o presidente suspendeu um ataque de mísseis contra o Irã em junho, ao perceber que seria uma resposta desproporcional à derrubada de um drone norte-americano por Teerã, as autoridades da República Islâmica descobriram que Trump se tornava cada vez mais previsível.
Alguns dias antes do ataque de 14 de setembro contra a Arábia Saudita, Trump estava tentando convencer o Irã a se sentar à mesa de negociação para que as sanções ao país pudessem ser suspensas, enquanto se planejava um novo acordo nuclear entre ambos. O resto do seu governo, enquanto isso, se dedicada à campanha de infligir o “máximo de dor” ao Irã através das sanções, outra política à qual Trump recorre sempre que a diplomacia com Teerã falha.
As sanções norte-americanas contra o Irã estão em vigor desde novembro do ano passado, depois que Trump retirou unilateralmente os Estados Unidos de um pacto nuclear global firmado com a República Islâmica pelo seu antecessor, Barack Obama. Em seguida, ele exigiu que o Irã renegociasse esse acordo com seu governo. Teerã se recusou a fazer isso, provocando uma escalada nas tensões no Oriente Médio desde então.
John Kilduff, sócio do hedge fund de energia Again Capital, de Nova York, afirmou:
“Os iranianos encontraram em Trump alguém que podem manipular, já que ele tirou da mesa a opção de um ataque, permitindo que eles façam o que quiserem, com risco mínimo."
Trump, por sua vez, anunciou na quarta-feira que havia ordenado ao Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, que aumentasse “significativamente” as sanções contra Teerã, depois de parar abruptamente de acusar o Irã pelo ataque à Arábia Saudita.
Os rebeldes Houthis do Iêmen reivindicaram a autoria do ataque, dizendo que haviam utilizado drones para atingir o complexo de processamento petrolífero de Abqaiq e o campo de petróleo de Khurais, tirando temporariamente de produção 5,7 milhões de barris, ou 5% da oferta mundial diária. Pompeo, no entanto, declarou que evidências encontradas pelos EUA mostram que as armas foram disparadas do sudeste do Irã.
Troca de farpas entre Pompeo e Zarif
Ao visitar a Arábia Saudita na quarta-feira, Pompeo provocou o líder supremo do Irã, ao afirmar que “as impressões digitais do Aiatolá haviam colocado em risco o abastecimento mundial de energia”. Ele também chamou o ataque de “ato de guerra” e buscou apoio para formar um grupo internacional para deter o Irã.
Zarif respondeu com sua própria retórica inflamada no Twitter:
“’Ato de guerra’ ou INCITAÇÃO à GUERRA? Remanescentes do #Time_B (+aliados ambiciosos) tentam enganar @realdonaldtrump para uma guerra.”
Ele também prometeu uma “guerra total” como represália aos supostos crimes de guerra cometidos no Iêmen pela Arábia Saudita e os EUA. Os Houthis dizem que os ataques aéreos sauditas no Iêmen, auxiliados pela inteligência e o suporte logístico dos EUA, mataram indiscriminadamente milhares de civis inocentes.
Zarif disse ainda em seu tuíte:
“Para seu próprio bem, devem pedir a Deus para que não recebam o que estão buscando. Ainda estão pagando muito barato pela guerra do Iêmen que arrogantemente não quiseram terminar há 4 anos."
Arábia Saudita ainda pode se vingar do Irã
Apesar da aposta do Irã de que o ataque à Arábia Saudita poderia passar incólume, uma reportagem do Washington Post no início desta semana sugeriu que Riad estaria planejando um contra-ataque à refinaria de Abadan no Irã, uma das maiores do mundo, ou à ilha de Kharg, maior instalação exportadora de petróleo da República Islâmica. Ataques nesses dois locais impediriam que o país islâmico processasse e vendesse petróleo de forma significativa.
Outros alvos incluem locais de lançamento de mísseis, bases ou outros ativos pertencentes à Guarda Revolucionária Islâmica, unidade militar de elite do Irã, acusada de realizar grande parte das operações paramilitares do país contra adversários externos.
A reportagem disse ainda que a Arábia Saudita poderia realizar ataques com a inteligência dos EUA, atingindo recursos de vigilância, sem que os EUA disparassem qualquer arma. Isso estaria em linha com as observações de Trump no início desta semana de que estaria “a postos” para responder ao Irã, mas “não pronto para uma guerra”.