No artigo anterior, iniciamos nossos estudos sobre a distinção essencial entre preço e valor, ilustrando essa dicotomia através de uma história da “corrida do ouro”. Além disso, mergulhamos na "Teoria da Base Firme" e no "Investimento em Valor", reconhecendo a perspicácia de mentes brilhantes do mercado de capitais, como John Williams, Irving FIdher, Benjamin Graham e David Dodd, e a forma como eles enfatizavam o conhecimento do valor intrínseco em vez das flutuações do preço de mercado.
Mas o que acontece quando os preços se desviam significativamente dos valores reais? É aqui que a "Teoria do Castelo de Ar" entra em cena, sugerindo que os preços são determinados mais por investidores irracionais do que por fundamentos econômicos. Ambas nos fornecem uma visão ampla das complexidades e nuances do mercado de capitais.
Teoria do Castelo de Ar (1936)
O nome "Castelo de Ar" é uma metáfora adequada para descrever bolhas de ativos, onde os preços sobem desproporcionalmente em relação aos seus valores fundamentais. Um castelo deveria ser construído em uma base firme, e não no ar. Nesses cenários, onde os preços são impulsionados mais por expectativas otimistas (muitas vezes infundadas) do que por fundamentos sólidos, o que temos é apenas o ar como fundamento. Assim como um castelo de ar, que parece sólido e imponente à distância, mas é, na verdade, frágil, essas bolhas podem estourar a qualquer momento, levando a correções severas no mercado e, eventualmente, a crises econômicas.
John Maynard Keynes, o renomado economista, chamou a atenção para o papel dos "espíritos animais" na tomada de decisões dos investidores, sugerindo que a psicologia coletiva pode, em certos momentos, superar análises racionais. Segundo ele, analisar o comportamento da multidão durante períodos de otimismo, em vez de se dedicar a estimar os valores intrínsecos, pode gerar oportunidades se entendermos que os sentimentos tendem a transformar esperanças em castelos de ar. Assim o investidor para ser bem sucedido deveria antecipar cenários de castelo de ar (previsões puramente especulativas que conseguem deturpar a percepção de valor das pessoas) e se aproveitar das oportunidades, como ficou claro em nossa história da corrida pelo ouro (abordada na Parte I).
Keynes coloca a “Base Firme” em cheque ao argumentar que é mais fácil ganhar dinheiro compreendendo a psicologia dos investidores do que com análises complexas. Em seu livro “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, ele separou um capítulo para explicar as expectativas dos investidores. Em suma, ele defendeu que ninguém sabe o futuro, ou seja, ninguém consegue realizar projeções confiáveis de rendimentos ou de pagamentos de dividendos. Assim, seria muito melhor utilizar princípios psicológicos que planilhas.
Res tantum valet quantum vendi potest
A frase acima significa: uma coisa vale apenas o que outra pessoa pagará por ela. Em outras palavras, o preço de um ativo para um comprador seria “x” porque este espera vendê-lo a outra pessoa por um preço mais alto. Esse ativo, assim, se sustenta por si próprio. Nesse mundo da psicologia de Keynes, qualquer preço serve desde que outros estejam dispostos a pagar mais. O trabalho, portanto, seria de conhecer a psicologia das massas e a inteligência estaria na capacidade de antecipar comportamentos.
Robert Shiller ampliou essa noção, postulando que a psicologia coletiva pode criar cenários em que o preço de um ativo sobe não devido a um aumento no seu valor intrínseco, mas porque os investidores acreditam que outros irão comprar por um preço ainda mais elevado no futuro.
Os protagonistas e a síntese da teoria
A) Robert Shiller (1981): prêmio Nobel de Economia e autor do livro “Exuberância Irracional”, foi um dos principais proponentes dessa visão, argumentando que a psicologia coletiva pode criar cenários em que o preço de um ativo sobe, não porque seu valor intrínseco aumentou, mas porque os investidores acreditam que outros investidores vão comprar a um preço ainda mais alto no futuro. Isso cria uma espiral ascendente de preços, descolados dos fundamentos.
Seu trabalho inovador sobre volatilidade excessiva mostrou que os preços dos ativos eram mais voláteis do que os dividendos previstos. Isso contradizia a crença predominante de que os mercados eram sempre eficientes e que os preços refletiam todos os dados disponíveis. Shiller argumentou que as variações nos preços dos ativos eram maiores do que o justificado pelos fundamentos e que a psicologia dos investidores desempenhava um papel crucial nas flutuações do mercado.
B) George Akerlof e Paul Romer (1993): Com seu conceito de "altruísmo racional", destacaram a ideia de que os investidores, em determinadas circunstâncias, podem agir de maneira irracional em termos de longo prazo, mas completamente racional no curto prazo, simplesmente porque podem se beneficiar de bolhas temporárias.
Outra contribuição importante para a teoria do "Castelo de Ar" foi a introdução do conceito de "altruísmo racional" por George Akerlof e Paul Romer em 1993. Eles argumentaram que, em determinadas situações, pode ser racional para os investidores seguir a manada, mesmo sabendo que estão em uma bolha, simplesmente porque há dinheiro a ser feito no curto prazo. No entanto, é crucial entender que as bolhas, por sua natureza, são insustentáveis. Quando estouram, podem levar a quedas drásticas nos preços, afetando negativamente tanto os investidores quanto a economia em geral.
C) Oskar Morgenstern (1944): Junto com John von Neumann, ele é coautor da obra "Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico", que introduziu a teoria dos jogos na economia. A teoria dos jogos examina como os indivíduos tomam decisões estratégicas em situações em que a recompensa de suas ações depende das escolhas de outros. No contexto do mercado de capitais, essa abordagem pode explicar comportamentos coletivos e estratégicos de investidores, onde cada um tenta antecipar as ações dos outros. Esse pensamento é relevante quando consideramos bolhas de ativos e cenários de "Castelo de Ar", pois os investidores muitas vezes tomam decisões baseadas não apenas no valor intrínseco de um ativo, mas também nas expectativas sobre as ações de outros investidores.
D) Daniel Kahneman (2002): outro laureado com o Prêmio Nobel de Economia, trouxe uma abordagem distinta ao debate sobre racionalidade nos mercados. Em parceria com Amos Tversky, ele desenvolveu a Teoria das Perspectivas, que desafia a ideia de que os humanos sempre agem de forma racional quando tomam decisões econômicas. Segundo Kahneman, os investidores frequentemente tomam decisões baseadas em heurísticas e vieses cognitivos, levando a julgamentos e escolhas inconsistentes com a teoria econômica tradicional. Em seu livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”, Kahneman destaca a dualidade da mente humana, mostrando como o pensamento intuitivo (rápido) e o pensamento lógico (devagar) influenciam nossas decisões, incluindo aquelas no âmbito dos investimentos.
Conclusão
Embora a teoria da "Base Firme" e do "Castelo de Ar" pareçam opostas em sua abordagem, elas coexistem no mundo real dos investimentos. Enquanto a primeira enfatiza a importância dos fundamentos e o valor intrínseco, a segunda reconhece a irracionalidade inerente dos mercados e a influência da psicologia coletiva.
Para ser um investidor bem-sucedido, é essencial entender e navegar por ambas as perspectivas, sempre atento às armadilhas que cada abordagem pode apresentar.
Em nosso próximo artigo, exploraremos novas teorias e como elas moldam o cenário atual de investimentos. Nos vemos no próximo artigo.