Começo muitas de minhas aulas ou palestras com uma história que captura a essência do tópico em discussão, visando despertar a curiosidade dos ouvintes. Quando o assunto é a distinção entre preço e valor, costumo usar uma história que escrevi sobre a corrida pelo ouro.
Esta história não apenas cativa a atenção, mas também destaca a complexidade e subjetividade inerentes à nossa percepção da diferença entre preço e valor. Na história, temos dois homens de negócios diante de uma decisão que envolve preço e valor.
Ao longo deste artigo, entenderemos por que é fundamental compreender a diferença entre os dois, não apenas no contexto do mercado de capitais, mas em outras facetas de nossas vidas.
A corrida pelo ouro
Lenton era proprietário de uma vasta mina de ouro nas colinas da Califórnia. A mina estava na família de Lenton há gerações. Recentemente, porém, a mina começou a produzir menos ouro, o que levou muitos na cidade a acreditar que ela estava quase esgotada.
Um investidor de renome, Sr. Grant, ouvindo falar das dificuldades de Lenton, viu uma oportunidade de investimento e ofereceu comprar a mina por 10 milhões de dólares. Grant disse: "O mercado está cético quanto ao potencial futuro dessa mina. Estou lhe fazendo uma oferta generosa, considerando as circunstâncias." No entanto, Lenton possuía estudos geológicos que mostravam uma reserva de ouro substancialmente grande, localizada mais profundamente na mina.
Essa reserva só precisava de mais investimento para ser acessada. Por conhecer o real valor da mina, Lenton recusou a oferta de Grant, mas fez uma contraproposta para que Grant se tornasse sócio da mina, planejando utilizar os recursos para acessar a reserva de ouro da qual tinha conhecimento. No entanto, o sr. Grant recusou a contraproposta de Lenton.
Com os rumores sobre a mina estar esgotada se intensificando, Grant retornou algumas semanas depois com uma nova oferta de aquisição, agora com um valor menor, de 7 milhões de dólares. "Esta é minha última oferta", ele afirmou, esperando que Lenton cedesse. No entanto, Lenton, confiante no valor da mina e nas informações que possuía, mais uma vez recusou a proposta.
Depois de meses de esforço e investimento próprio, Lenton conseguiu acessar a reserva de ouro mais profunda. Logo, a mina se tornou uma das mais produtivas da região, sendo avaliada em mais de 120 milhões de dólares. Assim que ficou sabendo da notícia, o Sr. Grant, não pôde deixar de lamentar ter subestimado o verdadeiro valor da propriedade e a oportunidade que perdeu de se tornar sócio de Lenton.
O jogo entre preço e valor
Assim como na história de Lenton e Grant, onde o foco não era apenas o preço, mas o valor, o mercado de capitais deve operar obedecendo a mesma dinâmica.
Encontrar a diferença entre preço e valor é uma atividade que depende de inúmeras variáveis. Assim, se você pensar com calma, vai concluir que os instrumentos de precificação são, na verdade, instrumentos de previsão do futuro. A questão, portanto, é como prever o futuro com sensatez. Existem algumas teorias sobre o assunto. Hoje, vamos começar a estudar algumas delas.
Teoria da Base Firme (1930)
A teoria da base firme argumenta, em síntese, que cada ativo possui o seu valor intrínseco. É por isso que após o surgimento do CAPM, na década de 60 (Capital Asset Pricing Model, ou Modelo de Precificação de Ativos de Capital, desenvolvido por Jack Treynor, William Sharpe, John Lintner e Jan Mossin, como uma extensão das ideias apresentadas por Harry Markowitz sobre diversificação), se verificou que o resultado ou retorno esperado de uma ação, por exemplo, nem sempre coincidia com o resultado ou retorno real. Isso foi explicado por Benjamin Graham (considerado o pai do investimento em valor). Segundo ele, a diferença é verificada porque nem sempre o valor intrínseco de uma empresa (representado pelo conjunto dos seus bens, como maquinários, imóveis, etc) corresponde ao preço.
"Base firme", assim, nada mais é que o "valor intrínseco". E esse valor intrínseco pode ser calculado através de uma análise que considera elementos presentes e expectativas futuras. Simplificando bem, após a análise, tem-se dois cenários: (i) caso o preço de mercado de um ativo esteja acima do valor intrínseco, está caro; e (ii) caso o preço de mercado de um ativo esteja abaixo do valor intrínseco, está barato. No segundo cenário, teríamos uma oportunidade, pois o preço em algum momento seria corrigido, ou seja, o preço iria convergir para o valor.
Os protagonistas e a síntese da teoria
A) John Burr Williams e Irving Fisher (1938): criaram o conceito de "desconto" através de uma análise que inverte a receita, ou seja, em vez de saber quanto um investidor terá de retorno nos anos seguintes a uma determinada taxa de juros, considera-se quanto teria hoje a uma determinada taxa de desconto. Em outras palavras, o valor intrínseco de uma ação, por exemplo, é o valor presente (descontado) dos seus dividendos futuros. Como escreveu Charles D. Ellis, "a vaca pelo seu leite, a galinha pelos seus ovos e uma ação pelos seus dividendos". Surgiu, assim, a chamada avaliação de fluxo de caixa descontado (DCF - "Discounted Cash Flow" ou Fluxo de Caixa Descontado, em português.).
Vamos traduzir. De forma bem simples, o valor de uma ação corresponde ao fluxo futuro de dividendos que uma empresa é capaz de distribuir. É claro que não é tão simples. Afinal, é preciso definir com cautela uma taxa de crescimento para os dividendos, bem como estimar por quanto tempo eles poderão crescer ou se manter. A técnica, em suma, envolve os seguintes passos: (1) coleta dos dados financeiros históricos; (2) projetar os fluxos de caixa futuros; (3) definir uma taxa de desconto com base em fatores de risco, considerando a taxa livre de risco e um prêmio de risco; (4) calcular o valor presente dos fluxos de caixa futuros; e (5) calcular o valor justo da empresa, subtraindo dívidas/passivos não contabilizados do valor presente dos fluxos de caixa futuros.
Todas as vezes que o mercado fica muito animado, a história não termina bem. Existe uma linha tênue entre projetar o valor futuro e superestimá-lo infinitamente. Como você pode ver, este é um exercício de previsão do futuro.
B) Benjamin Graham e David Dodd (1934): grandes propulsores do investimento em valor ("value investing") e cujo discípulo mais famoso é ninguém menos que Warren Buffet. Em suma, a filosofia possui três pilares: (1) os preços oscilam o tempo inteiro; (2) apesar das oscilações dos preços, existe um valor intrínseco fundamentado e estável; e (3) deve-se comprar os ativos quando seus preços de mercado estão abaixo do valor intrínseco e aguardar que o preço convirja para o valor ao longo do tempo.
Graham se referia à diferença entre valor e preço como "margem de segurança" e defendia que a diferença deveria ser aproximadamente a metade do valor intrínseco e nunca menos de um terço dele.
Nos próximos artigos
Enquanto o preço é a quantia monetária pedida por um ativo, o valor é inerentemente mais subjetivo e está atrelado à percepção individual. A negociação entre Grant e Lenton serve como uma lente através da qual podemos ver essa dinâmica em ação, lembrando-nos de que a verdadeira essência de um ativo não está no preço que se paga, mas no valor que ele proporciona.
No mundo do investimento, essa distinção é a chave para o sucesso. Como vimos na teoria da Base Firme e nas perspectivas de grandes investidores como Graham e Dodd, o foco no valor intrínseco de um ativo, em vez de se deixar levar pelas oscilações de preço, pode ser a diferença entre um investimento sábio e um erro caro.
Continue acompanhando os próximos artigos, onde exploraremos ainda mais profundamente essas teorias e abordagens, expandindo nosso entendimento sobre preço e valor.