Com Márcio Salvato*
Nas últimas semanas, à medida que se tornava mais clara a extensão dos desafios fiscais e o baixo engajamento do governo em tratar do tema, houve grande piora no humor do mercado com relação ao desempenho da economia brasileira. Embora o governo não queira admitir, essa preocupação do mercado encontra respaldo nos dados: o déficit primário acumulado em 12 meses supera 2% do PIB, com o déficit nominal (incluindo pagamento com juros) acima de 9%. Nesse contexto, a dívida bruta alcançou 76% do PIB, e mantem trajetória de crescimento, o que acende a luz vermelha.
Foi neste contexto que se viu um aumento da pressão sobre o governo para apresentar um plano de contingenciamento e discussão sobre o tamanho dos gastos obrigatórios, provocando um embate com o congresso e mesmo dentro do próprio governo. Essa dificuldade para apresentar soluções para o problema fiscal coloca o país numa trajetória de aumento de incertezas que afeta câmbio e juros futuros. Aqui cabe uma discussão sobre o risco de ‘dominância fiscal’ para o país, na qual a falta de um ajuste afete a inflação e a própria política monetária.
Dominância fiscal é uma situação na qual o desequilíbrio fiscal domina todas as estratégias de política econômica do país. A crise fiscal pede aumento dos juros, o que por sua vez agrava a situação fiscal (déficit nominal). Essa piora fiscal provoca fuga de capitais e desvalorização da moeda, a qual afeta a inflação via preços de importados. Esse canal, em última instância, pode inviabilizar a condução de política monetária para o controle inflacionário.
Em outros termos, a piora fiscal pode, em uma situação extrema, gerar uma espiral na qual a crise fiscal gera expectativa de aumento dos preços que requer intervenção do Banco Central com subida da Selic, a qual impõe ampliação da crise fiscal por piora do déficit nominal e da dívida. Assim, duas soluções de curto prazo são necessárias: geração de novas receitas orçamentárias (novos impostos ou revisão de renúncias fiscais) e/ou redução dos gastos públicos. O governo está tentando atuar na primeira via, sob forte questionamento político do congresso nacional, mas pouco avançou na segunda direção.
É hora de se discutir uma revisão de gastos e um reforço das metas do arcabouço fiscal, colocando um freio sobre o crescimento do déficit público, para que possamos evitar essa armadilha da dominância fiscal.
*Diretor do Ibmec BH