A antecipação dos dados do terceiro trimestre do Produto Interno Bruto (PIB) apenas consolida a trajetória observada, evidenciando a notável resiliência da economia americana em meio a um contexto desafiador. Nesse período, a economia global experimentou uma desaceleração perceptível, com diversos bancos centrais adotando medidas contracionistas para conter pressões inflacionárias. Paralelamente, o Federal Reserve implementou elevações na Taxa de Fundos Federais (FFR) como parte de sua estratégia para controlar a inflação. Enquanto isso, o Tesouro americano intensificou seu endividamento, revelando uma notável desconexão entre as políticas monetárias e fiscais. Essa dissonância, uma vez percebida pelos agentes de mercado, é traduzida em expectativas futuras de condições inflacionárias. Essa percepção é transmutada através de fenômenos de mercado em expectativas de juros futuros, através do mercado de títulos públicos. Com o FFR sendo um dos principais benchmarks para a precificação dos títulos públicos americanos, conjugado com as expectativas dos agentes de mercado e a emissão massiva e contínua de títulos, o serviço da dívida americana atingiu patamares assustadoramente altos.
Em continuidade à consideração das perspectivas vindouras para as condições acomodatícias, notamos recentemente que as taxas de juros futuras nos Estados Unidos ascenderam a patamares substancialmente elevados. Acontece que, com os indicadores de atividade mostrando uma resiliência da atividade, mesmo com todo este panorama desfavorável, os agentes de mercado, através do mercado de títulos públicos precificaram que um aumento marginal na Taxa de Fundos Federais seria necessária para finalmente conter a inflação, e com isso, a cada novo indicador de atividade que demonstrava pujança da economia americana, os juros futuros ascendiam.
Esse fenômeno é reconhecido como o "lag de política monetária", manifestando-se quando as ações e decisões das autoridades monetárias demoram a surtir efeito pleno sobre as condições econômicas. No cenário americano, a demora na eficácia das políticas monetárias restritivas pode ser atribuída, em parte, aos substanciais gastos governamentais. Por meio da política fiscal, a distribuição de liquidez proporcionada pelos elevados níveis de despesas governamentais contribui para atenuar o impacto imediato das medidas de aperto monetário. Além disso, a adoção de políticas monetárias expansionistas, utilizando métodos que até a Grande Crise Financeira eram considerados como "heterodoxos", pode ter acarretado uma reconfiguração do ambiente econômico. A implementação de ferramentas não convencionais, como flexibilização quantitativa e taxas de juros próximas a zero, quando usadas de maneira crônica, e não de maneira pontual, pode ter desencadeado mudanças significativas nas expectativas dos agentes econômicos, influenciando comportamentos de consumo, investimento e formação de expectativas.
Além das expectativas, o aumento da base monetária, e a facilidade do financiamento de liquidez arbitrada pelos bancos centrais podem causar distorções tanto no sistema de preços como na consecução das políticas monetárias, uma vez que essas intervenções substanciais tendem a influenciar a alocação de recursos e o seu represamento em determinados instrumentos, ora, se o dinheiro não está circulando, é evidente que as políticas contracionistas que visam enxugar essa liquidez terão menos eficácia.
No quarto trimestre, a economia americana começou a experimentar os impactos tangíveis das políticas monetárias contracionistas implementadas, marcando uma mudança significativa no panorama econômico, que agora mostra um arrefecimento da resiliência e o início de uma desaceleração. Este período testemunhou os primeiros sinais dessas medidas nas dinâmicas do mercado de trabalho, demonstrando uma desaceleração na demanda, como aponta o Beige Book do Fed. As reivindicações contínuas de seguro-desemprego atingiram os níveis mais altos em dois anos. O setor de serviços, como demonstra a última leitura do PCE, desacelerou quando comparado ao último mês, embora continue pujante. O arrefecimento dos núcleos do CPI e do PCE corroboram para a narrativa da desinflação.
Como resposta a isso, observamos a refletividade dessa dinâmica nas projeções dos juros futuros, bem como nas orientações prospectivas ("forward guidance") oferecidas pelos membros do Federal Reserve. A emergência de uma narrativa consolidada sugere a crença de que as atuais taxas de juros atingiram níveis suficientemente elevados para conter a pressão inflacionária subjacente, reduzindo, assim, a necessidade de medidas de aperto mais acentuadas.
Se os Estados Unidos lograrem concretizar sua meta de realinhar a inflação para o índice desejado de 2%, sem ocasionar danos à robustez econômica, a tão almejada narrativa de um "pouso suave" se consolidará. Contudo, em contrapartida, se, ao buscar conter a inflação e, consequentemente, moderar a demanda agregada, a economia americana se deparar com uma desaceleração abrupta, o desafio de alcançar uma transição suave entre os ciclos econômicos será consideravelmente ampliado, podendo desembocar em uma recessão no próximo ano. Tudo dependerá do equilíbrio delicado entre as medidas adotadas pelo Federal Reserve e a resposta do mercado, além das condições macroeconômicas globais. A habilidade em ajustar as políticas monetárias e fiscais, em um ano de eleição, mantendo um cenário de estabilidade e crescimento moderado, será crucial para evitar cenários mais adversos.