Um aparente contrassenso tem chamado atenção do mercado: os preços dos imóveis não param de subir. Isso ocorre a despeito da atividade econômica fraca e a demanda desfalecendo. Para se ter uma ideia, a taxa de desemprego atualmente está em 14,4%, porque muita gente deixou de procurar uma vaga, o chamado desalento. Se todo mundo que está fora procurasse uma vaga hoje na mesma forma que em 2019, a taxa de desemprego estaria em 24,6% (veja no gráfico abaixo).
O espanto é geral, mas há um motivo trivial para tanto. Se observarmos o imóvel sob a ótica de um investimento, a razão entre o valor de locação e o preço do imóvel nos dá a "rentabilidade" deste ativo.
Um exemplo: vamos supor que você possua um imóvel que custa R$ 100 mil no mercado e que receba um aluguel de R$ 1 mil por mês. Nesse caso, você é o feliz proprietário de um ativo que rende 1% ao mês. Vamos supor que por algum motivo o preço do imóvel suba de R$ 100 mil para R$ 200 mil, mas o aluguel continue sendo R$ 1 mil. Neste caso, sua taxa de rentabilidade ao mês é de 0,5%.
Como qualquer título público ou ativo, o preço do imóvel guarda a mesma relação inversa entre seu preço e sua rentabilidade. Pois bem, vejamos os dados.
Em janeiro de 2008, a razão entre o valor do aluguel e o preço do imóvel era de 0,64%. Uma vez que o preço dos imóveis vieram subindo desde então, mas os aluguéis se mantiveram sob controle por uma série de motivos que não iremos estressar neste breve texto, isto implica dizer que a taxa do aluguel caiu. Agora esta razão é de apenas 0,4% ao mês.
Apesar da rentabilidade historicamente baixa, há algo mais impressionante no ar. Esta taxa do aluguel tradicionalmente é inferior ao CDI e, na verdade, funciona como razão do juros livre de risco. Mas por motivos que não iremos nos alongar neste breve texto (mais uma vez), a taxa do CDI caiu abaixo da taxa do aluguel, tornando a demanda por imóveis irresistível em comparação à taxa livre de risco.
O gráfico abaixo mostra isso de maneira clara:
Cabe agora nos perguntar: se esta situação de juros livres de risco renderem sistematicamente menos que um ativo (no caso imóvel), que obviamente contém risco, de três uma: ou o preço dos imóveis subam ainda mais para fazer o "rental yield" cair, ou o preço dos aluguéis caiam muito mais para baixar também a taxa do aluguel, ou o CDI suba.
A questão é ainda mais intricada, uma vez que os aluguéis no Brasil são reajustados por tradição e comodismo ao IGP-M (não há lei nenhuma que obrigue este indexador para os aluguéis) e este ano o índice deve acumular 20% de alta, o que faria os alugueis subirem e, assim, descolar ainda mais do CDI em baixa histórica.
Vale notar que o "rental yield" rompeu o piso do CDI antes mesmo da crise do COVID-19, já em janeiro deste ano a queda se fazia evidente.
O ajuste se fará sentir o ano que vem, seja no preço, no aluguel ou nos juros.