Em um ambiente de incertezas, o cenário que se desenha para a reunião de dezembro do Copom é mais bem definido por descontinuidade do que transição. A taxa de juros está em patamar elevado e causaria um arrefecimento da demanda agregada e da inflação nos próximos trimestres no caso do campo fiscal permanecer na zona de responsabilidade, mas a perspectiva de elevação permanente do nível de gastos do governo altera também as variáveis macroeconômicas. Dentre outras, esperamos um hiato consistentemente mais pressionado e menos potência da política monetária. Tudo mais constante, a reação passa necessariamente por mais juros.
Para além do risco fiscal, sobre o qual precisamos de mais clarificações, o cenário prospectivo dá sinais mistos ao Copom. A atividade tem as primeiras indicações concretas de desaceleração. Além de dados de atividade perdendo momento, indicadores de confiança de agentes econômicos sugerem um final de ano de cautela (obviamente reforçado por fatores políticos) e, consequentemente, menos dinamismo. No mercado de trabalho, apesar da baixíssima taxa de desocupação, outros indicadores (como o Caged) mostram clara desaceleração.
Por outro lado, a divulgação do PIB do terceiro trimestre reforça que o ponto de partida, do ponto de vista da atividade é mais elevado do que o antecipado. Estamos defronte uma economia que crescerá um pouco mais do que 3% no ano, vindo de um crescimento já forte de 5% em 2021. O carrego que fica para 2023 é elevado.
Como sempre, o foco na inflação exige discussão de seus determinantes. Os riscos fiscais são obviamente inflacionários (estímulo à demanda, efeito no câmbio, desancoragem de expectativas de inflação longas), enquanto a conjuntura da atividade é desinflacionaria. No equilíbrio destes fatores, o primeiro predomina e a taxa de juros permanecerá em patamar contracionista apesar do arrefecimento contratado da atividade.
Vale (BVMF:VALE3) retomar aqui o nosso exercício de abrir a inflação dos livres entre cíclicos (i.e. aqueles que reagem ao hiato) e acíclicos (i.e., aqueles que não reagem ao hiato). Em oposição aos administrados, ambos fecharam o terceiro trimestre elevados. Em um ambiente de maior pressão dos acíclicos, o esforço que cíclicos terão de fazer para garantir a convergência da inflação agregada será maior. Ou seja, estamos possivelmente diante de um ambiente em que a deterioração da inflação se soma à deterioração fiscal para exigir mais Selic.
Sobra ainda uma menção ao caveat internacional. Os EUA devem permanecer em trajetória de retirada de estímulo monetário. O ritmo será mais lento, porém a taxa terminal mais alta (esperamos 5.25% de piso). Mais do que isso, a precificação do mercado é excessivamente otimista em relação ao início do ciclo de cortes. Em contraposição ao aperto vindo do exterior provocado pelos EUA (e de juros em outros desenvolvidos), os sinais de abandono da Covid Zero na China trazem alívio. Commodities permanecem sustentadas neste ambiente, impactando nossos termos de troca e tirando pressão do câmbio.
O interno se sobrepõe ao externo, mas o fator China pode reduzir a pressão de deterioração local. Neste ambiente, o Copom colhe os frutos de ter elevado fortemente os juros durante os últimos 18 meses e pode esperar. Caberá em sua comunicação um maior tom de alerta sobre as consequências para a política monetária de uma política fiscal expansionista neste momento.
A depender do resultado de negociação da PEC, o Copom terá de seguir a precificação da curva de juros e elevar a taxa básica novamente no ano que vem.