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Por Que Devemos Focar no Fracasso? Sobre Padrões e Sobreviventes

Publicado 02.07.2021, 09:41
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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Em seu livro “O Andar do Bêbado”, o físico Leonard Mlodinow comenta sobre a capacidade humana de perceber padrões. É algo muito útil e que levou, entre vários outros exemplos possíveis, que alguém como Isaac Newton refletisse sobre as regularidades apresentadas por objetos em queda e criasse sua lei da gravitação universal. Entretanto, o que pode ser uma vantagem da espécie humana também pode ser uma deficiência. É o que levou, também entre vários outros exemplos possíveis, o treinador de futebol Cuca a atribuir poderes mágicos à sua calça vinho, que estaria diretamente envolvida com o título de campeão brasileiro do Palmeiras em 2016.

Atire uma pedra quem nunca foi culpado de lógica semelhante. Garanto que Cuca sairia ileso. Nós temos uma enorme dificuldade em separar causalidade (uma causa levando a uma consequência) de correlação (dois acontecimentos ocorrendo simultaneamente, muitas vezes de modo aleatório). Pior, como foi argumentado pelo psicólogo Albert Michotte, é como se nós pudéssemos “ver” a causalidade, como vemos as formas de um objeto. Reparem em uma história contada no livro “O Cisne Negro”, de Nassim Taleb. Os preços dos títulos do tesouro dos EUA aumentaram inicialmente no dia da captura de Saddam Hussein no Iraque. Tais títulos são ativos mais seguros, e a Bloomberg News lançou a manchete: TÍTULOS DO TESOURO AUMENTAM; CAPTURA DE HUSSEIN PODE NÃO REDUZIR O TERRORISMO, para justificar o movimento dos investidores. Depois, os preços dos títulos começaram a cair e a manchete foi revisada: QUEDA NOS TÍTULOS DO TESOURO; CAPTURA DE HUSSEIN AUMENTA A PROCURA POR ATIVOS DE RISCO. Saddam Hussein era a notícia do dia e, como a busca automática por causas molda nosso pensamento, estava destinado a ser a explicação de tudo o que acontecia no mercado. É lógico que uma afirmação que pode explicar dois resultados contraditórios nada explica.

(Abre um parênteses rápido. O psicólogo Daniel Gilbert propôs que a compreensão de uma declaração deve começar com uma tentativa de acreditar nela. Daniel Kahneman, em seu livro “Rápido e Devagar”, mostra como nosso cérebro tenta “ganhar tempo” na hora de fazer julgamentos para a tomada de decisão e, portanto, tem forte inclinação por acreditar. Ser incrédulo é trabalhoso e demanda mais tempo. Pronto, agora você entendeu o apelo das fake news e o comportamento de seus amigos e parentes disseminando informações absurdas nos grupos de WhatsApp, seja à esquerda ou à direita, desde que reforcem a conclusão que já tomaram. Mas será que você não anda fazendo o mesmo? Ah, para complicar, já foi provado que o domínio das conclusões sobre os argumentos é ainda mais pronunciado quando existem emoções fortes envolvidas.)

Voltemos aos padrões. Você já deve ter ouvido falar que Bill Gates, fundador da Microsoft (NASDAQ:MSFT) (SA:MSFT34) e uma das pessoas mais ricas do mundo, abandonou os cursos de Matemática e Direito em Harvard para se dedicar à sua empresa. Steve Jobs, visionário fundador da Apple (NASDAQ:AAPL) (SA:AAPL34), passou 18 meses assistindo aulas no Reed College, mas decidiu que a faculdade não era para ele e foi trabalhar na Atari, antes de criar seu próprio negócio. Como os dois, ouvimos histórias de outros empreendedores bem sucedidos que largaram a faculdade para montar suas empresas. Está conseguindo perceber um padrão? Qual seria uma boa recomendação para dar a um garoto que queira se tornar um empreendedor de sucesso como Gates ou Jobs? Perder tempo fazendo faculdade?

Opa, calma com as conclusões! Você acaba de ser vítima do encanto exercido por olhar apenas para os “sobreviventes”. Pense agora naquele seu primo ou naquela sua conhecida que largaram a faculdade para tentar tocar um negócio ou ganhar experiência. E acabaram amargando enormes fracassos pessoais e profissionais. Quantas pessoas assim existem por aí?

“Ah”, mas você poderia dizer: “meu primo também não é nenhum Bill Gates ou Steve Jobs”. Precisamente...

O viés da sobrevivência é um erro lógico, causado por nos focarmos apenas no grupo que de algum modo superou uma determinada etapa seletiva, ignorando todos os outros que poderiam nos dar informações adicionais. Isto pode levar a conclusões tendenciosas ou completamente erradas ao analisarmos os padrões presentes apenas nesse grupo.

O viés fica ainda mais exacerbado quando na nossa amostra nos preocupamos em identificar os “vencedores” dentre todos os demais (automaticamente “perdedores”). E olhar para uma característica saliente na amostra, mas que pode ser apenas uma coincidência, sem grande poder explicativo. Para cada Bill Gates ou Steve Jobs existem milhares de pessoas que abandonaram a faculdade para empreender e fracassaram. Isolar o fato de ter abandonado a faculdade como o responsável pelo sucesso é um erro.

Erro que continua sendo cometido diariamente, por gente boa, em decisões importantes. O analista financeiro, por exemplo, costuma focar sua análise em empresas que foram bem-sucedidas a um determinado evento, como um IPO. As pessoas simplesmente não olham para toda a população submetida ao mesmo evento, onde existe uma enorme quantidade de informação disponível.

Alguma vezes isto é feito por simplesmente se ignorar que uma “seleção” prévia já acontecera. A criança, que sonha em ser jogador de futebol ao admirar seus ídolos, não tem consciência da quantidade muito maior de aspirantes a jogador que foram ficando pelo caminho. Ela tende a subestimar a dificuldade de se atingir o sucesso, por ignorar as sucessivas peneiras na base dos clubes de futebol, nos clubes de várzea ou nos anos iniciais da carreira.

Quando olhamos para todos, não só para os vencedores, podemos identificar outras características importantes para o sucesso que só serão ressaltadas na comparação com os que fracassaram. Por exemplo, tanto Gates como Jobs são fruto do que o jornalista Malcolm Gladwell batizou de teoria das “dez mil horas”, que advoga ser necessário um enorme tempo de dedicação para se dominar determinadas habilidades. Por uma série de fatores, Gates e Jobs conseguiram ter exposição precoce e tempo de dedicação aos computadores, aumentando exponencialmente sua chance de sucesso em um momento específico, o que é outro fator importante.

Muitas pessoas passam a vida inteira focando no sucesso para ter sucesso. Entretanto, é importante que o fracasso não se torne invisível. Só a comparação entre os diferentes casos permitirá que se perceba as características distintas e que se trace um caminho mais realista a ser seguido, capaz de aumentar as chances de ser bem-sucedido.

Ou seja, querer largar a faculdade para emular o sucesso de Bill Gates ou Steve Jobs poderá ter o efeito inverso, já que uma análise estatística simples mostrará que a enorme maioria que fez isso não atingiu o mesmo sucesso ou, pelo contrário, fracassou.

Agora, por que esse viés ocorre tão frequentemente?

Determinadas circunstâncias podem levar a que algumas observações recebam mais atenção do que outras. Isto pode ocorrer por incompetência de quem está observando, quando não for cuidadoso o bastante para olhar para todos os casos. Mas outras vezes ocorre porque de fato nem todos os casos estarão lá para serem observados. Por exemplo, quando um economista analisa fundos de investimento, ele só terá acesso àqueles que estejam abertos ao público. Os fundos que desapareceram e, portanto, não foram incluídos na amostra, eram justamente os de pior desempenho. Quando um pesquisador quer identificar motivos de bom desempenho das empresas, geralmente só recebe informações voluntárias das que efetivamente tiveram bom desempenho. As demais simplesmente não responderão à pesquisa.

Em suma, muito cuidado com a identificação precipitada de padrões. Olhe bem para quem está falando. E principalmente para quem não está.

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