PONTE FISCAL
O título desta semana pode ser definido como um esforço do ministro Levy em dar um caráter mais transitório ao ajuste fiscal e uma trégua, uma ponte (ou travessia), ao debate em torno das reformas que realmente importam, da Previdência e Tributária. Parece-nos pouco provável, no entanto, que o Congresso esteja disposto a discuti-las neste momento, ainda mais com o impasse permanente com o governo.
Sobre o ajuste fiscal propriamente dito, no corte de despesas o governo anunciou R$ 26 bilhões e na criação de receitas adicionais algo em torno de R$ 45,6 bilhões, ou seja, um total de R$ 71,6 bilhões, o que permitiria chegar ao superávit de 0,7% do PIB ao fim de 2016.
Muitas dessas despesas, no entanto, não passam de adiamentos de problemas prementes. Postergar reajustes salariais de servidores de janeiro de 2016 para agosto, ou congelar, por um período, concursos públicos não pode ser encarado como um ajuste permanente. Pelo lado das receitas, mais precisamente, a CPMF, principal âncora deste ajuste (e maior objeto de polêmica), prevendo arrecadação de R$ 32 bilhões, quase metade do ajuste total, dificilmente deve ser aprovada como quer o governo, com duração de quatro anos e alíquota de 0,2%. Enfim, para a recriação deste tributo provisório uma dura batalha no Congresso é esperada, já sendo inúmeras as declarações contrárias, assim como adiamentos de uma definição. Achamos que se aprovada só deve começar a valer no início (ou em meados) de 2016. Por ser Projeto de Emenda Constitucional (PEC) ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça, por votações na Câmara e no Senado, com possibilidade de retornos com alterações ao Executivo, para ao fim ser aprovada. Estudos calculam que o seu ganho adicional de receita (em torno de R$ 32 bilhões) será usado integralmente para o regime previdenciário, em crise permanente e explosiva no longo prazo.
Mais acertado, no entanto, seria o governo já enfrentar a Reforma da Previdência. Levy, inclusive, já queria ter algumas medidas previdenciárias neste ajuste, mas prevaleceu a tese de que era necessário amadurecer o debate. Vários são os pontos em discussão, quais medidas mais estruturantes a serem debatidas. Comenta-se sobre a necessidade de elevar a idade mínima para os aposentados, acabando com o conceito de “tempo de contribuição”, da necessidade de desvincular o salário mínimo aos benefícios, rediscutir a previdência rural, tentar unificar as duas previdências, nos regimes privados e públicos.
Sobre a idade mínima, todos só deveriam poder se aposentar depois dos 65 anos, ou mesmo 67 como querem alguns. Acabaríamos então com a possibilidade de aposentadorias aos 54 anos, “por tempo de contribuição” só existente em poucos outros países (Irã, Iraque e Equador).
Outro ponto em discussão diz respeito à necessidade de desvincular o salário mínimo (na sua esdrúxula fórmula de crescimento do PIB mais inflação) no benefício base de grande parte dos aposentados (mais idosos carentes e deficientes). Não esqueçamos também da necessidade de um debate mais sério sobre a existência do regime previdenciário hoje composto pelo INSS, de trabalhadores do setor privado, e outro, dos servidores públicos. Neste, conhecido como RPPS, a maioria se aposenta mais cedo e em algumas categorias recebendo salário integral. Como resultado, enquanto o rombo do INSS chegou a R$ 58 bilhões em 2014, com 23 milhões de beneficiários, no serviço público foi a R$ 55 milhões, mas para apenas um milhão de servidores. Há claramente, neste caso, uma grave distorção.
Para os próximos anos, este regime não deve sofrer grandes deteriorações, mas no INSS as perspectivas indicam um déficit de R$ 89 bilhões neste ano e próximo a R$ 120 bilhões em 2016. No médio prazo, a trajetória é explosiva, em 2020 podendo chegar a R$ 200 bilhões se nada for feito.
Estudos indicam que são variados os motivos a explicar este processo crescente de deterioração do INSS. Um deles é o envelhecimento da população e o consequente aumento da expectativa de vida, até mesmo pelos avanços sociais dos últimos anos. É o que chamam de “transição demográfica”.
Segundo o Ministério da Previdência, em 1980 a expectativa de vida do País era de 62 anos e meio, com a população concentrada na faixa dos 19 anos e 6,1% idosos; em 2010, atingiu 73 anos e a expectativa de sobrevida, medida após os 50 anos de idade, foi a 84 anos. Atualmente, a população se concentra nos 29 anos de idade e os idosos são 10% da população. Para 2030, as previsões indicam 18% e, em 2060, um terço da população. Ou seja, tende a ser insustentável, caso mantido o modelo atual.
Este é baseado na repartição e é solidário, o que significa que a geração que trabalha contribui para pagar as aposentadorias e pensões dos aposentados. Para dar certo, no entanto, é preciso haver uma quantidade grande de pessoas contribuindo. Atualmente, essa relação é de 9,3 pessoas trabalhando para um aposentado; em 2060 deve chegar a 2,3 para um.
Não querendo alongar, o grande desafio deste governo será começar a repensar o regime previdenciário agora, para que lá na frente ele seja capaz de continuar pagando os benefícios. Temos que rediscutir esse modelo e esta é a disposição do Ministro Levy. Como bem disse o ministro Carlos Gabas, “Previdência é política de longo prazo, é um pacto de gerações. É preciso planejar. Senão, lá na frente a bomba estoura. Não estamos em situação de calamidade. Ainda temos tempo para estruturar esse modelo de Previdência para o futuro. O quanto antes encararmos esse desafio, melhor”.
Sobre o ajuste fiscal como um todo, dados os vários problemas e outras batalhas políticas previstas, o pretendido corre o risco de recuar de R$ 71,6 bilhões a R$ 54,6 bilhões, segundo cálculos preliminares, insuficiente, portanto, para cumprir a meta fiscal de 2016, de 0,7% do PIB. No mais otimista dos prognósticos deve ficar em torno de 0,4% a 0,5% do PIB. Com isto, será inevitável a dívida bruta passar de 70% do PIB ao final do ano que vem, nos colocando na mira para um possível novo rebaixamento.
TRAJETÓRIA EXPLOSIVA DO REGIME PREVIDENCIÁRIO (R$ bilhões)