Após o dia de alívio no mercado doméstico por causa de uma nova rodada de apoio ao ministro Paulo Guedes (Economia) e à austeridade fiscal, o radar dos investidores segue no debate em Brasília sobre o “teto dos gastos”. Afinal, ainda é incerto se a regra será respeitada, agora que o aumento da popularidade do presidente Jair Bolsonaro abriu as portas para a continuação de uma agenda “por seis anos, ao invés de dois”.
E essa instabilidade política segue como um fator de risco aos ativos locais, mantendo a volatilidade presente. Por ora, o investidor mantém o benefício da dúvida e dá um voto de confiança, alimentando esperanças de que a “racionalidade econômica” irá prevalecer, mesmo em um momento eleitoral e de discussão do orçamento da União. Mas o fato é que toda essa situação está longe de ser saudável e a tendência fiscal mudou.
A sessão hoje no Congresso Nacional para analisar 19 vetos presidenciais e outros três projeto de lei servirá de termômetro para medir o apoio dos parlamentares ao controle das despesas públicas em meio às demandas eleitorais. Entre os pontos mais polêmicos, estão a ampliação da categoria de trabalhadores informais que podem receber o auxílio emergencial; a extensão do benefício a idosos e a desoneração da folha de pagamentos.
O resultado da votação será um sinalizador importante para a equipe econômica saber quais remanejamentos terão de ser feitos na proposta do Orçamento de 2021, de modo a destravar verbas sem “furar” o teto. O maior desafio, portanto, ainda é contemplar os anseios dos aliados ao presidente sem descumprir a regra sobre os gastos do governo e, ao mesmo tempo, angariar base para avançar com as reformas - tributária, inicialmente.
Esse debate sobre as contas públicas somado às perspectivas sobre a economia brasileira deve, por exemplo, elevar a postura cautelosa do Banco Central na condução da Selic, interrompendo o ciclo de cortes dos juros básicos, ao invés de insistir em uma abordagem suave (“dovish”), que vem mantendo a porta aberta para quedas adicionais. Isso tende a manter a curva de juros pressionada, abrindo espaço para uma melhora do câmbio.
Exterior favorável
E o clima global ainda favorável ao risco tende a ajudar os ativos domésticos a conter as perdas. Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no azul, embalando a abertura do pregão europeu após uma sessão mista na Ásia, um dia depois de o S&P 500 fechar em recorde de alta, superando os níveis alcançados em fevereiro e acumulando ganhos de 52% desde atingir o fundo do poço em março.
Foi o período mais curto de um mercado de baixa (bear market) já registrado pelo S&P 500. Essa recuperação relâmpago mostra que Wall Street não está preocupada com a lenta retomada da economia norte-americana nem com o impasse entre republicanos e democratas sobre um novo pacote fiscal nos Estados Unidos. O fenômeno é ainda mais notável considerando-se as incertezas existentes.
Afinal, milhões de pessoas estão desempregadas e empresas em todo o país estão fechando as portas. Enquanto isso, o coronavírus continua se espalhando pelo mundo, com mais de 5,4 milhões de casos de covid-19 e 170 mil mortes apenas nos EUA. Mas o mercado financeiro continua se antecipando ao futuro, em vez de olhar para o presente, sendo sustentado pela liquidez sem precedentes jorrada por governos e bancos centrais.
Aliás, a agenda econômica ganha relevância hoje, com a divulgação da ata da reunião de julho do Federal Reserve, às 15h. O documento pode trazer mais detalhes sobre a avaliação do Fed em relação ao impacto da pandemia na economia dos EUA. Pela manhã, saem os estoques semanais norte-americanos de petróleo bruto e derivados (11h30).
À espera dos números, o barril do tipo WTI oscila em baixa, mas segue acima de US$ 40, atento também à reunião técnica do cartel de países produtores e exportadores (Opep+) sobre o cumprimento do acordo de cortes na produção. O dólar, por sua vez, tem uma nova rodada de queda em relação às moedas rivais e correlacionadas às commodities.
Ainda na agenda econômica do dia, logo cedo, saem índices de preços na zona do euro e no Reino Unido. Por aqui, o calendário segue fraco e traz somente os dados parciais de agosto sobre a entrada e saída de dólares (fluxo cambial) do país (14h30). Aliás, a moeda norte-americana vem andando na contramão do mercado global, ganhando terreno em relação ao real, que já é a moeda mais desvalorizada da América Latina.