O governo apresentou, na semana que se encerra nesta sexta-feira (31/03), o projeto para a regra fiscal. Dada a grande expectativa em torno do assunto, cabe refletir sobre as implicações do projeto para o equilíbrio macroeconômico brasileiro.
Antes de mais nada, temos de fazer uma consideração relevante. Já foi abordada em outros textos deste blog a importância de um equilíbrio fiscal factível. O princípio básico é que uma sucessão de déficits por parte do governo deverá ser financiada via sucessão de superávits futuros (trazendo essa conta para o valor presente) ou inflação. A falta de credibilidade em torno da possibilidade de superávits futuros gerará, naturalmente, aumento das expectativas que o déficit seja financiado por inflação. Ou seja, elevam-se as expectativas de inflação para os anos à frente como, inclusive, já é visível na pesquisa Focus do Banco Central.
A projeção do governo é ambiciosa e busca gerar resultado primário neutro já no ano que vem (2024) e superávit a partir de 2025. Somando a possível queda da taxa de juros e o aumento do crescimento econômico (com inflação controlada), essa combinação levaria, em última instância, à estabilização e posterior queda da relação dívida/PIB.
O ponto focal da proposta (e de atenção dos analistas) relaciona-se ao crescimento das despesas. Nota-se que propostas que seriam de mais difícil execução, como indexação do gasto pelo PIB per capta, foram deixadas de lado em favor de uma regra que olha para a evolução da arrecadação dos dois anos anteriores e limita sua expansão a partir dessa evolução. Com isso, seria possível mirar a melhora do resultado primário e a dinâmica do parágrafo anterior.
Na falta do texto final, devemos fazer algumas pontuações que podem dificultar a realização do cenário exposto. Primeiramente, há de se considerar que as projeções embutem um aumento da arrecadação consistente com a expansão do PIB. O ambiente macroeconômico desafiador pode frustrar essa expectativa, levando a uma receita realizada menor. A pergunta natural que segue é como isso impactaria a dinâmica de despesas (que devem ter um componente contracíclico).
Outro fator relevante para a dinâmica do endividamento em termos de PIB é a evolução do juro neutro. Neste sentido, o próprio Banco Central já sinalizou que a variável pode estar em expansão no Brasil. Como a dinâmica da dívida é determinada, no longo prazo, pela evolução de juro real versus crescimento real, há risco de que ela não se estabilize e, consequentemente, convirja.
Finalmente, a persistência de dúvidas no curto prazo em relação às regras fiscais se manifesta nos títulos indexados à inflação de vencimento mais longos e sugerem que parte dos analistas permanecem cautelosos no curto prazo. Ou seja, o risco inflacionário derivado do risco fiscal persiste no Brasil e pode impactar as expectativas de inflação. Como demonstrado tanto no comunicado como na ata da 253ª reunião do Copom, a implicação direta das expectativas elevadas é que impede a convergência da inflação em direção à meta. Consequentemente, reduz-se o espaço para alívio monetário. Assim, concluímos que a apresentação da regra fiscal foi um primeiro passo relevante para retirar parte dos receios dos agentes de mercado, mas a confirmação de que cenários mais negativos de fato perderam probabilidade dependerá da apresentação do texto final e da sua tramitação no Congresso Nacional.