Ao se investir em algo, diversas hipóteses são formuladas e, idealmente, são constantemente testadas. Criptoativos não são diferentes. No momento, os retornos entre as criptomoedas são fortemente correlacionados e isso é um problema para testar qual o valor de cada uma; entretanto, no longo prazo é esperado que alguns ativos se destaquem e outros não. Essas características individuais perdidas parecem ser relativamente fáceis de acessar: quanto mais usabilidade e aplicações, melhor. Nesse caso, plataformas que possibilitam o desenvolvimento de aplicativos descentralizados, como a Ethereum e NEO, parecem oportunidades interessantes para investidores.
Ao passo que não discordo da intuição que faz crer que “quanto mais melhor”, afinal maiores possibilidades de aplicações significam maior retorno potencial, há alguns aspectos que me fazem ponderar o quanto plataformas de aplicativos descentralizados são valorosas a longo prazo. Em um interessante texto da CoinFund – quem ainda não seguir, siga porque vale a pena – há o argumento de que na maioria dos ICOs, há aceitação de Bitcoin para emissão dos tokens relativos aos ICOs; nesse caso, a valorização do criptoativo base da plataforma – ETH ou NEO – não é tão afetada pelo ICO em questão.
Entretanto, o ponto mais sensível da crítica a plataformas é, também, mais sutil. A maioria das soluções de escalabilidade para criptoativos em plataformas – a Raiden Network para o Ethereum – foca na transação de tokens, sem muita clareza quanto à execução de smart contracts. A NEO, que afirma ser capaz de 1.000 transações por segundo, teve problemas em sua rede durante ICOs. Portanto, o que temos, por enquanto, são redes com problemas técnicos a serem resolvidos. A aposta é apenas no potencial das redes, não no desenvolvimento atual. Nesse limbo, há uma questão fundamental: o quanto uma aplicação congestiona a rede afeta a usabilidade das demais.
Em economia do setor público, é sempre discutido o chamado “problema dos comuns”. Ao se usar uma estrada, se ela for suficientemente ampla, não há problemas de entrar mais um carro. Se muitos carros entrarem, no entanto, a estrada começa a ter seu limite testado e engarrafamentos acontecem. O problema é: todos os carros precisam passar por ela e poucos querem perder sua passagem. O mesmo vale para aplicações descentralizadas, com uma diferença: o trânsito em uma rede de aplicações descentralizada não implica numa perda de tempo, mas numa dificuldade de usabilidade para todos os aplicativos. Com uma rede congestionada, há uma perda de valor significativa para todos os usuários, normalmente não considerado. O contágio entre aplicativos na rede limitada, portanto, é um elemento significante para a valoração de plataformas.
Outro ponto a ser discutido é que as aplicações também capturam parte do valor em si, sem redistribuir ao token base; isto é, o sucesso de um token ERC20 qualquer não necessariamente trará todo esse valor para o ether. Por exemplo, os protocolos que sustentam a internet não ganham todos os recursos que o Facebook (NASDAQ:FB) gera, havendo valor considerável preso na empresa. Nesse caso, o sucesso de diversos ICOs que alavancam o Ethereum não trará necessariamente benefícios e retornos positivos ao ether. Alguns, inclusive, trarão malefícios dado o atual estágio da tecnologia, como os CryptoKitties, que congestionaram pesadamente a rede.
Nesse caso, há a soma de duas questões – a falta de uma solução técnica de escalabilidade e os danos que uma aplicação pode causar em outra – que levam a dúvidas sobre o potencial de plataformas terem sucesso a longo prazo. Evidentemente, isso não significa que devamos não investir em plataformas, apenas que possivelmente há riscos pouco considerados no que elas podem trazer. A hipótese de investimento em plataformas é razoável e deve ser tratada com respeito, porém ainda não foi testada. Espero tratar dessa hipótese em termos mais teóricos no futuro, posto que vejo algumas falhas na execução das plataformas que limitam a validação desse investimento. Porém, acredito que com o desenvolvimento técnico isso pode ser superado, por isso creio também que devemos nos manter atentos a novidades, mas sempre com olhar crítico quanto ao que as redes de fato podem fazer.