O Plano Real é considerado por muitos como a reforma econômica mais importante já realizada no Brasil. Um dos objetivos era derrotar o chamado "dragão da Hiperinflação". Não foi uma luta fácil.
Antes do Real, atravessamos sete padrões monetários: cruzeiro (1942), cruzeiro novo (1967), cruzeiro (1970), cruzado (1986), cruzado novo (1989), cruzeiro (1990), e o cruzeiro real (1993). De acordo com os dados do IBGE, no período entre 1980 e 1994, o índice acumulado da inflação foi astronômico: 13.342.346.717.671,70%.
Finalmente, chegamos ao Real em 1994, durante o governo de Itamar Franco. E, no último sábado, celebramos 29 anos da primeira circulação de cédulas do real. Sim, há motivo para celebrar, pois a transição monetária de 1994 reorganizou a nossa economia.
A ideia seria implementada em três etapas: (1) equilíbrio das contas públicas (responsabilidade fiscal), com a redução das despesas públicas; (2) a criação da URV (Unidade Real de Valor) para preservação do poder aquisitivo; e (3) o lançamento do novo padrão monetário chamado Real.
O contexto era desafiador. Na década de 80, os empresários passaram a adotar medidas na tentativa de se proteger da inflação. Tornou-se comum a prática da indexação de contratos. Assim, além de elevadíssima, a inflação também passou a ser vinculada. Isso gerou uma rápida e assustadora escalada dos preços.
A nova medida econômica proposta por um grupo de intelectuais liderados por Gustavo Franco foi diferente, pois não envolveu o congelamento de preços - o que havia ocorrido nos planos anteriores. O novo padrão monetário foi indexado ao dólar.
A ideia recebeu o nome de “URV” (Unidade Real de Valor), e foi inspirada na história da hiperinflação Alemã, em 1923, onde um movimento semelhante foi feito pelas autoridades monetárias.
A URV era uma moeda apenas escritural, ou seja, não existia fisicamente, e foi substituída pelo Real no dia 1° de julho de 1994. No momento da conversão, CR$ 2.750 (última referência de valor), tornou-se equivalente a R$ 1,00.
A Selic estava nas alturas. E aqui vale uma pequena recordação: o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) surgiu em 22 de outubro de 1979, apenas com o registro da custódia. Posteriormente, passou a realizar a liquidação. Impende ressaltar que foi uma tarefa árdua, pois até o sistema eletrônico funcionar muito carro forte foi necessário.
Foi com o Selic, então, que o Tesouro Nacional assumiu o protagonismo na emissão de papéis do governo, fundamentais para o financiamento do país e para a sustentabilidade da economia.
Na década de 80, os investidores preferiam as ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), pois eram indexadas à correção monetária, mas a escalada da inflação que mencionamos culminou no Plano Cruzado (novo congelamento de preços) e no fim das negociações desses títulos públicos.
Para tentar reverter este cenário, o governo decidiu chamar as ORTNs de OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional), emitidas junto com as LTNs. Demandados por prêmios de risco muito elevado, estes títulos (OTNs e LTNs) sofriam com liquidez. Dessa forma, no segundo semestre de 1986 não ocorreram emissões.
Foi também instituída a LBC (Letra do Banco Central) para regular a liquidez do sistema financeiro, ou seja, para fins de política monetária. Posteriormente, foram criadas as LFTS (Letras Financeiras do Tesouro - atual taxa Selic), em substituição à LBC, para captação de recursos para o Tesouro Nacional.
O grande dilema do governo foi o custo da dívida mobiliária federal: ela sofria “rebate” com a LBC|LFT, mas como se concentrava em aplicações de curtíssimo prazo, o governo não conseguia praticar política monetária ativa.
Como equilibrar o rendimento da LBC/LFT (overnight) com a inflação a cada mês? Esta era a questão que permeava os títulos públicos à época: OTN, LTN, LFT. Tratava-se de um debate entre o custo da dívida (caso as emissões não ficassem restritas às LFTs) e o papel da autoridade monetária - que seria apenas de regulação do grau de liquidez da economia.
Ao longo do tempo, a taxa Selic tornou-se a principal referência para a economia brasileira, e a autoridade monetária passou a desempenhar um papel ativo. No entanto, essa transição não foi fácil. Para termos uma ideia, passamos até por um “apagão” do Selic durante o Plano Collor, com todas as negociações suspensas por quinze dias.
Em conclusão, a implementação do Plano Real representou uma reviravolta na economia brasileira, colocando fim ao grave problema da hiperinflação e estabelecendo um novo paradigma financeiro. Com a introdução do tripé macroeconômico, o Brasil conseguiu trilhar um caminho de maior estabilidade e previsibilidade, embora desafios significativos ainda persistam.
Como a história do Plano Real demonstra, a busca pela responsabilidade fiscal e pelo controle da inflação exigem persistência. Ao olhar para o futuro, o país deve continuar se esforçando para aprimorar esses pilares, equilibrar o orçamento público e gerar um ambiente econômico favorável ao crescimento sustentável.