Paulo Guedes vai deixar o governo?
Se sim, quais os efeitos de sua saída?
Se não, quais as condições materiais de execução de seu projeto liberal e fiscalista?
Apesar de terem afetado o pregão da última segunda-feira com mais intensidade, essas perguntas percorrem as mesas de operação e a subjetividade dos investidores em ativos brasileiros, ao menos, desde a semana passada. Ontem, observamos apenas um aumento da intensidade das preocupações.
Não tenho respostas fechadas e definitivas para cada uma das questões. Nunca tenho. Sinceramente, acho que ninguém tem. O ambiente em prol da permanência ou saída de um ministro é dinâmico, complexo e sujeito a forças imprevistas e aleatórias — como qualquer outra coisa na vida. Desconfio que o próprio ministro, ainda que siga prestigiado no cargo, possa já ter se percebido em situação, concreta e tangível atualmente, diferente daquela que supunha viver platonicamente quando aceitara o posto. “Life is like a box of chocolates, you never know what you're going to get”, diria a mãe do Forrest Gump. Ou, na versão tupiniquim mais apropriada para o momento, “o futebol é uma caixinha de surpresas” — dizem que a autoria dessa é do comentarista Benjamim Wright, pai do ex-árbitro José Roberto Wright, embora eu prefira acreditar que veio do mito Vicente Matheus.
Ademais, para esse caso, estamos num ambiente de informação imperfeita, no lado desfavorável da assimetria. É sempre difícil saber exatamente o que se passa dentro de um governo — será que toleraríamos todas as verdades? Lembro de Otto von Bismarck: “Leis são como salsichas; é melhor não saber como são feitas”. Somos normalmente informados pela imprensa, que, mesmo quando bem-intencionada (não é sempre que isso acontece!), também está sujeita a erros, falhas e assimetria de informação. Essa mesma imprensa pode ser usada por determinadas fontes para desestabilizar o governo e servir de garoto de recados de ramos do poder.
Tudo isso dificulta leituras precisas e científicas sobre estabilidade de membros do governo, planos econômicos ou medidas particulares. O que temos a oferecer, como sempre, são probabilidades e, mesmo assim, construídas dentro de certos intervalos de confiança um tanto largos. Mais uma vez, o investidor é convidado a pensar probabilisticamente. Ainda que, claro, o desejo de controle esteja sedento por uma resposta pronta, do tipo: “Paulo Guedes fica com certeza até o final do governo e consegue realizar as reformas A, B e C, levando o Ibovespa a X pontos e o dólar a R$ Y”, essa seria uma abordagem ingênua, maniqueísta e, arrisco dizer, charlatã. Existem aqueles que não sabem o que vai acontecer e os que não sabem que não sabem. Não existe um terceiro grupo.
A impossibilidade de precisar o futuro não significa inação, tampouco incapacidade de análise. Traçamos cenários, desenhamos probabilidades, quebramos em partes, associamos níveis de preço a cada um dos cenários aventados.
Breve parêntese: há uma corrente entre especialistas do mercado financeiro que defende a ausência de correlação entre política e ativos financeiros no longo prazo. Discordo veementemente dessa interpretação. Como leitor assíduo de Howard Marks e George Soros, penso com frequência em ciclos de mercado. E, em especial na América Latina, os ciclos de mercado estão muito associados ao ciclo político. A história mostra objetivamente uma correlação positiva entre o pêndulo político migrando para a direita liberal fiscalista e a alta das Bolsas. Veja como os ativos brasileiros ficaram para trás frente aos pares internacionais na era Dilma. E veja como subimos fortemente desde janeiro de 2016, com a perspectiva de entrada do presidente Michel Temer e a adoção de uma política liberal e fiscalista. É verdade que, no longo prazo, as ações andam com os lucros. Mas é também verdade que os lucros andam conforme a política macro e microeconômica de um país. Se, por exemplo, a Nova Matriz Econômica destrói a macro e a microeconomia de um país, como os lucros das empresas, em âmbito agregado, vão crescer muito?
Volto.
Como, no entanto, o mercado é muito rápido e houve sinalizações importantes feitas na noite desta segunda-feira pelo ministro Paulo Guedes e pelo presidente Jair Bolsonaro, gostaria de tecer algumas considerações a respeito.
Começo pelo mais objetivo. Considero baixa a probabilidade de o ministro Paulo Guedes deixar o governo no horizonte tangível, no curto prazo. Não quero dizer, com isso, que não haja risco. Apenas afirmo que o cenário-base sugere sua permanência.
Todas as sinalizações apontam para uma afinidade real entre o presidente Bolsonaro e o ministro Guedes. Ainda que, mais uma vez, reconheço estarmos do lado desfavorável da assimetria de informação, de modo que possa haver “algo além das câmaras”, objetivamente o presidente sempre apoiou o ministro em suas manifestações pessoais, inclusive naquela famigerada reunião ministerial. A postura, crítica e de cobrança, foi bem diferente frente a outros ministros.
Cumpre também dizer que Paulo Guedes foi um dos pilares da campanha do presidente Jair Bolsonaro. Não quero dizer que tenha sido o único, evidentemente. Ele representa acesso, interlocução e até mesmo apoio com boa parte do empresariado. Bolsonaro sabe disso. Perder essa via e fazer uma aposta do tipo “all in” em sua crescente popularidade nas classes menos favorecidas do Nordeste pode ser excessivamente arriscado. Ou seja, não é apenas uma afinidade pessoal, mas também um relação de pragmatismo.
Em reforço, a própria personalidade de Paulo Guedes indica certo estofo em prol da continuidade. Numa perspectiva até psicanalítica da história, um ego grande dificilmente vai permitir-se abater com facilidade. Não vai querer sair do governo assumindo uma derrota pública, um fracasso geral do projeto — sair neste momento representaria uma frustração pessoal grande.
Há outro elemento importante. Paulo Guedes não é Joaquim Levy. Falo isso em várias instâncias, para além da personalidade individual. Guedes não é um aliado de última hora, chamado às pressas para corrigir uma política econômica totalmente desajustada e cujas promessas eleitorais apontavam em outra direção. Ele também não é um estranho no ninho desenvolvimentista. Ainda que possamos ter dúvidas — como, de fato, temos — sobre a real conversão liberal da figura pessoal do presidente Bolsonaro, Guedes estava na campanha desde o início, falando que faria exatamente o que está tentando fazer agora. Ademais, os membros do Ministério da Economia também dispõem da mesma orientação liberal, assim como o presidente do Banco Central, os líderes das principais estatais e até mesmo o Congresso, com críticas aqui e ali, têm mantido uma postura reformista em geral (obviamente, poderia ser muito melhor; sempre pode). Em outras palavras, a adoção de medidas e reformas liberais, com suas imperfeições, irrealizações e defeitos, agora parece ser mais uma política de governo do que personalista.
Indo além, precisamos parar com interpretações muito maniqueístas da política econômica. Muito provavelmente, a permanência de Paulo Guedes não significa a total implementação do projeto fiscalista e liberal no Brasil. Ao mesmo tempo, sua eventual saída também não representaria a total e irrestrita destruição fiscal brasileira. Aliás, há algo particularmente curioso sobre o Brasil a este respeito, um caráter de certa antifragilidade para caminhar com a plataforma de reformas. Só andamos com a agenda liberal e fiscalista quando há um risco enorme de romper com alguma tradição liberal e fiscalista. Precisamos olhar para o abismo para tomar a direção contrária. Caso contrário, prevalecem a complacência, a mediocridade, a procrastinação, o caráter macunaímico duplamente preguiçoso.
Nesse sentido, vale salientar que, mesmo diante das especulações mais enfáticas sobre a saída de Paulo Guedes, os nomes ventilados para sua substituição foram de Pedro Guimarães e Roberto Campos Neto. Pode-se fazer uma crítica aqui, outra ali, mas a verdade é que não é o fim do mundo. São nomes de mercado, com sólidas passagens por bancos de varejo e de investimento, que dificilmente rasgariam por completo a cartilha liberal e fiscal num redirecionamento de política rumo ao intervencionismo típico dos keynesianos de quermesse.
Minha interpretação pessoal — que, reconheço, não passa muito de um chute direcionado — é a seguinte: num jeitinho brasileiro típico, a gente arruma algum instrumento jurídico para justificar uma elevação de alguns bilhões no dispêndio público em 2021 para a realização de obras. Fazemos isso com um argumento retórico de que esses bilhões são de cunho extraordinário, fora do teto de gastos. Então, no formalismo e no rigor matemático, descumprimos o teto para realizar algumas obras, algo em favor de ganhos adicionais de popularidade para o presidente e do apoio da ala mais perdulária do governo e do Congresso. Ao mesmo tempo, com alguma desculpa jurídica de última hora, conseguimos justificar que o teto de gastos continua valendo, de modo que respeitaremos o ajuste fiscal estrutural de longo prazo — aqueles bilhões foram apenas algo extraordinário, para o pós-pandemia. Conviveremos com mais uma grande invenção brasileira: a PEC do orçamento do pós-guerra. Cada país tem o plano Marshall que merece. É ideal? Claro que não. Mas o ideal vive no mundo das ideias. A notícia vem acompanhada de avanços na reforma tributária e, possivelmente, da administrativa, além de algumas privatizações pontuais e avanços sob a ótica regulatória e microeconômica, como o novo marco do setor elétrico, a nova lei do gás, a independência do Banco Central. E assim vamos caminhando.
Por fim, destaco que, ao menos em boa parte, as preocupações sobre a deterioração fiscal brasileira já se encontram bastante incorporadas ao preço dos ativos. O real é uma das moedas mais depreciadas do mundo, as cotações dos juros futuros sugerem, no termo (lá na frente), uma taxa básica acima de 9% (isso é muita coisa) e a underperformance relativa da Bolsa brasileira é expressiva — apenas como referência grosseira, perceba como os índices de ações internacionais já voltaram para suas máximas, enquanto aqui estamos cerca de 20% distantes delas em reais; em dólar, vira covardia.
Corolário: tomaríamos os mais recentes acontecimentos como forma de ganhar exposição ao juro real longo e a bond proxies de qualidade listadas em Bolsa.
P.S.: Depois das notícias do Estadão e da Veja sobre a disseminação das redes sociais como fonte de informação para a tomada de decisão do investidor, tenho sido perguntado com frequência a respeito da minha opinião sobre os influenciadores. Para evitar respostas individuais, exponho aqui minha visão.
O ponto mais importante é que, no meu entendimento, a liberdade de expressão precisa ser preservada. Esse é um valor democrático constitucional caríssimo e nada deve passar por cima dele. Claro que há imperfeições com a liberdade de expressão, mas sua alternativa é certamente muito pior. É como a definição de Churchill sobre a democracia. Portanto, afirmo que, a despeito do risco de alguns problemas pontuais, sou a favor da disseminação de informações e opiniões a partir das redes sociais.
Em particular, gosto e respeito todos os citados nas respectivas reportagens.
Contudo, entendo que, como esforço de aprimoramento regulatório, como forma de dar isonomia à atuação dos mais variados players da indústria e como maneira de reduzir conflitos de interesse, poderíamos ter um pequeno avanço em algumas regras de atuação.
Deixe-me pegar um trecho do código de conduta da Apimec para analistas de valores mobiliários:
"i. Potenciais Situações de Conflitos de Interesses no Exercício da Atividade do Analista
Art. 5º - É vedado ao Analista, pessoa natural e jurídica, bem como aos demais profissionais que efetivamente participem da formulação dos relatórios de análise:
I – emitir relatórios de análise com a finalidade de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida;
II – omitir informação sobre conflito de interesses nas informações e comunicações de que trata os arts. 28 a 31, nos relatórios de análise e em qualquer meio em relação ao qual o Analista se manifeste sobre o relatório de análise;
III – negociar, direta ou indiretamente, em nome próprio ou de terceiros, valores mobiliários objeto dos relatórios de análise que elabore ou derivativos lastreados em tais valores mobiliários por um período de 30 (trinta) dias anteriores e 5 (cinco) dias posteriores à divulgação do relatório de análise sobre tal valor mobiliário ou seu emissor;
IV – negociar, direta ou indiretamente, em nome próprio ou de terceiros, valores mobiliários objeto dos relatórios de análise que elabore ou derivativos lastreados em tais valores mobiliários em sentido contrário ao das recomendações ou conclusões expressas nos relatórios de análise que elaborou por:
a) 6 (seis) meses contados da divulgação de tal relatório; ou
b) até a divulgação de novo relatório sobre o mesmo emissor ou valor mobiliário, caso ocorra antes do prazo referido na alínea “a””.
Destaco os itens III e IV.
O analista não pode negociar ações por um período de 30 (trinta) dias anteriores e 5 (cinco) dias posteriores à divulgação do relatório de análise sobre tal valor mobiliário ou seu emissor. E também não pode negociar em sentido contrário às recomendações ou conclusões do seu relatório.
Por que isso acontece? Ora, porque eu, Felipe, poderia comprar uma small cap hoje e, amanhã, recomendar aos assinantes da Empiricus . A demanda dos próprios assinantes elevaria o preço das ações e eu poderia vendê-las com lucro, a partir de uma demanda artificial gerada por mim mesmo. Seria manipular o mercado. Por essa razão, na Empiricus, estamos todos proibidos de negociar ações diretamente (o compliance interno é mais rigoroso do que as diretrizes da Apimec).
Ocorre que, com a disseminação das redes sociais (reitero: algo positivo para os mercados), muitos influenciadores ganharam poder de impactar o preço de alguns ativos a partir de suas opiniões. Até aí, nenhum problema. Mérito deles.
Porém, isso abre espaço para um potencial conflito. Da mesma forma que o analista, o influenciador também pode comprar para si hoje, opinar sobre a ação e vê-la subir. Então, estaria diante de um potencial conflito de vender a ação no dia seguinte, depois de uma alta gerada pela sua própria observação positiva sobre o respectivo papel. É rigorosamente o mesmo caso do analista aqui — e para o analista, já há restrições de negociação formais.
Portanto, minha sugestão seria de que as mesmas restrições de negociação impostas aos analistas fossem estendidas aos gestores e aos traders que se tornaram relevantes influenciadores. Ficaria assim: se você opinou publicamente sobre a ação X num determinado dia, deve ficar um certo tempo sem negociá-la e não pode operar na direção contrária à sua recomendação. Isso mitigaria bastante o conflito e evitaria o risco de as redes sociais, no futuro, serem usadas como instrumento para criação artificial de demanda.