No mundo todo há uma relação direta entre juro e câmbio desde que o câmbio não seja administrado como o foi ao longo de anos no Brasil, então agora dito flutuante como o Brasil afirma praticar, mas este fato para ser concreto exige mais do que sustentação retórica e sim equalização com simetria formada pelo mercado financeiro entre estes dois importantes vetores.
No atual governo, o Ministro da Economia visando recompor a atratividade do país ao capital estrangeiro, seja na forma de investimentos em renda variável, seja em conta capital, idealizou uma estratégia que buscou forçar esta tendência de equalização, ancorando-a num quase slogan “ câmbio alto e juro baixo”, e a fundamentou com um largo espectro de “ação-reação” e “causa-consequência” e longas exposições críticas retóricas ao até então praticado.
Câmbio alto tornaria o Brasil “barato” e atraente ao capital estrangeiro e fomentaria a competitividade das exportações brasileiras e o encarecimento dos produtos importados concorrentes da indústria nacional, etc. etc.., enquanto que, o Juro baixo estimularia o setor privado nacional a despertar o espírito empreendedor e ampliar seus investimentos dinamizando a atividade econômica, gerando emprego, renda e naturalmente consumo, com intensificação das receitas tributárias do governo.
Na margem, o governo valorizaria intensamente o valor dos estoques em reservas cambiais e, se vender parte delas se tornasse alternativa o faria com enorme lucro, e, mais e principalmente com o juro baixo reduziria em muito o custo de carregamento da Dívida Pública.
Parecia algo lógico e sensato como estratégia, mas não deu certo e nem alcançou os objetivos maiores.
O capital estrangeiro, banido do mercado de renda fixa, deixou o país com intensidade e não houve a recíproca com ingressos de investimentos para renda variável e/ou conta capital, na realidade os investidores estrangeiros perderam atratividade pelo Brasil, já que havia muitos sinais de polarizações no campo político, dificuldades de avanços nas reformas fundamentais e travas políticas fortes inviabilizando o programa de privatizações.
O empreendedor nacional não despertou seu espírito empreendedor mesmo com o juro baixo, visto que as perspectivas para o país eram ainda muito nebulosas.
Então, ao início deste ano surgiu a crise da pandemia do coronavírus, algo inimaginável na sua intensidade calamitosa no Brasil e no mundo e impondo dispêndios volumosos de recursos por parte do governo para dar suporte a parte da população mais carente, até porque o desemprego já era expressivo e a atividade econômica foi duramente atingida.
Tudo mudou, mas deixando à margem a pandemia e seus impactos nefastos, o Ministro da Economia continuou fomentando a ideia do câmbio alto e juro baixo, e no quesito câmbio alto os discursos repercutiram como “apagar fogo com gasolina”, pois num mercado afeito e praticante contumaz de movimentos especulativos, o preço do dólar atingiu parâmetros muito além do que seria razoável como “câmbio alto” e ainda mais, o COPOM impôs reduções demasiadas no juro, relegando a plano secundário a percepção de que somos um país emergente.
Neste festival de contrassensos o preço do dólar atingiu o preço de quase R$ 6,00, e depois o Ministro da Economia que estimulou o movimento viu o movimento como “overshooting”, nada mais do que em linguagem fácil a forma de nominar o movimento especulativo.
Naturalmente, o preço do dólar, em especial quando sobe, é impiedoso e espalha desorganização nos preços relativos da economia, e se por um lado beneficiou soberbamente o agronegócio nas suas exportações otimizando os resultados visto que além do câmbio alto havia, também, forte demanda internacional. Ocorreu, então, o rebote dos preços internacionais convertidos ao preço do dólar no nosso mercado para os preços internos, em especial alimentares, então, por inevitável, veio a inflação, a qual o BC/COPOM denominou chamar de “temporária”, mas que continuou e continua em ascensão, e que se vista de forma seccionada aponta mais de 13% nos produtos alimentares que compõe a mesa diária dos brasileiros.
A inflação oficial já aponta para 4,5% no IPCA, extrapolou tudo que poderia ser imaginado no IGP-M que atinge 25%, e o país ficou no juro de 2%, até porque se elevar aumenta o ônus do custo de carregamento da Dívida Pública, e agrava a crise fiscal.
Tudo desorganizado, mas cumprindo o sofisma que tem na placa no Mercado Municipal de São Paulo, “aqui tudo funciona e ninguém sabe o por quê?”
A crise fiscal se acentuou vigorosamente ao longo deste ano, ameaçando romper o teto orçamentário, as reformas eram prometidas para semanas e nada aconteceu e os programas de privatizações ficaram tão inertes que o responsável em dinamizá-los desistiu e retornou à atividade privada.
Então ocorreram as eleições americanas e com a sinalização de que o democrata Joe Biden poderia ser eleito, teve início um processo de mudança de perspectivas e o conjunto de aspectos avaliados deu início à fragilização da moeda americana frente, inicialmente as moedas emergentes vinculadas a países exportadores de commodities, e depois se tornando mais generalizada, em concomitância a uma forte distensão por parte de capitais trilionários “empoçados” por aversão ao risco que passaram a se disseminar pelos mercados financeiros globais.
No Brasil, o movimento de depreciação do dólar foi consequente da sua fragilização forte no mercado internacional e não que o real ou o Brasil tenha dado causa, e este movimento levou ao desmanche no nosso mercado futuro de dólares de posições compradas na moeda americana, dando impulso suplementar ao movimento no preço do dólar.
Investidores estrangeiros retornaram à Bovespa com bons volumes o que proporcionou alguma sustentabilidade ao movimento de valorização, muito consequente das trocas de portfólios que retomaram papéis que haviam tido os preços bastante desgastados com a crise da pandemia do coronavírus no contexto nacional e global.
Mas, ainda que possa parecer, não foi este fluxo de recursos externos que contribuiu para a depreciação do preço do dólar no nosso mercado, visto que ao longo do mês de novembro até o último dia quatro o saldo (líquido) positivo do fluxo cambial (US$ 476,0 Mi) foi irrisório e sem potencial para afetar a formação do preço da moeda americana, que desta forma deixou evidente que o fato decorria de outros fatores.
Ontem, 5ª feira, dia seguinte ao término da reunião do COPOM, embora o juro tivesse sido mantido houve a mudança das expectativas, ainda que sempre atenuadas no forward guidance que emitem, mas a percepção total foi que seguramente o juro será elevado em momento bem próximo, e, isto foi o suficiente para “derreter” o preço do dólar no nosso mercado de câmbio, aproximando o preço a R$ 5,00 e deixando em aberto a possibilidade de que vá a preço abaixo, e, a forte convicção de que quando o BC/COPOM ajustar a taxa do juro equalizando-a com a realidade do país o câmbio vai buscar a assimetria caindo ainda mais e de forma sustentável a bem abaixo de R$ 5,00.
Contudo, todo este cenário prospectivo tem uma dependência de que o governo respeite, sem fazer ilações, o teto orçamentário, foque obsessivamente a implementação das reformas e do programa de privatizações.
A despeito dos “bons ventos” do câmbio, o país tem pesado desafio pela frente, além dos mencionados, que é a questão sanitária com o rebote da crise da pandemia do coronavírus absolutamente presente, e, o término dos programas assistenciais ao final deste mês, que poderá devolver à miséria uma parcela enorme da população brasileira, desempregada e desalentada.