Na série em quadrinhos Sandman, de Neil Gaiman, o Destino é representado como um ser que mora num jardim que mais parece labirinto. Em qualquer ponto, olhar para frente faz ver o labirinto. Ao olhar para trás era tudo uma reta, um único caminho. Essa imagem foi pensada para discutir questões como livre-arbítrio, mas para alguém de finanças pode ser usada para explicar o que é construir uma estratégia de trading. Se olharmos para o passado, evidentemente aquela "estratégia média móvel de três dias cruzando a de 14" teria nos deixado ricos. Se a gente voltasse no passado, no entanto, provavelmente essa estratégia não teria sido a selecionada dentre as muitas que tentaríamos. É mais fácil prever o futuro quando ele já virou passado, como todos sabemos.
Dito isso, há duas coisas que qualquer trader sistemático deve saber e que mesmo lendo em algum lugar (por exemplo, aqui), só percebemos na prática. A primeira é que o desenvolvimento da estratégia de trading em si é apenas uma parte do trabalho. O mecanismo para observar quando ela deixa de valer e o processo de substituí-la rapidamente são tão fundamentais quanto se o objetivo é sobreviver a longo prazo. Por mais que o passado seja claro, ir rumo ao futuro ainda é navegar num labirinto. Monitorar as premissas é fundamental para não se perder no processo e chegar onde se deseja.
A segunda, mais desanimadora, é que técnicas mais básicas para calibrar e testar modelos costumam ser bem insuficientes. Rodar backtests tende a gerar estratégias viciadas em particularidades do passado. Isso é particularmente verdadeiro para ativos cujo preço se movimenta de acordo com muitos saltos. O Bitcoin e as criptomoedas, por exemplo, têm variações intensas em pouquíssimo tempo. Modelos que estão comprados durante saltos tenderão a ser considerados positivos por desavisados realizando backtests, porém é razoável adequado considerar que esses saltos se repetirão e serão previstos pelo modelo?
Neste texto, recomendo dois livros para tratar esses problemas. O primeiro, “Evidence-Based Technical Analysis” do David Aronson, particularmente não gosto por ter um ritmo lento e por ser de análise técnica*, mas tem testes que permitem saber se uma regra de trading faz sentido em amostras diversas. O segundo é o “Advances in Financial Machine Learning” do Marcos Lopez de Prado, chefe de machine learning da AQR Capital. O primeiro é bem introdutório, ao passo que o segundo exige que você saiba consideravelmente sobre aprendizado de máquina.
Dessa maneira, há mecanismos para evitar que a gente caia no chamado “hindsight bias”. O excesso de confiança para prever o futuro só porque vimos o passado não deve afetar, dada a óbvia diferença entre os dois. Quando vamos em frente, tudo é mais difícil porque o futuro, bem, é desconhecido. Não existe testar estratégias diferentes no futuro tirando o que já fazemos. Tomar cuidado, aprender e monitoramento de premissas é o melhor que podemos fazer e, evidentemente, tudo isso implica em compreender o passado, mas nunca achar que ele vai se repetir ou que podemos extrapolar tudo que se passou.
*Não gosto muito de análise técnica, apesar de achar interessantes alguns indicadores.