Anteontem Dan Larimer, o principal nome por trás da EOS, publicou um texto onde enfatiza duas importantes questões no que diz respeito à adoção dos criptoativos no cotidiano: os criptoativos têm política envolvida em suas decisões e há maior percepção de risco pelo cidadão comum dos criptoativos que do dinheiro físico. Ambos os pontos são válidos e devem ser discutidos com atenção, afinal maior demanda por criptoativos não é função apenas de seus atributos como investimentos, mas também pela capacidade de serem usados em outras atividades.
A questão da governança já abordei nessa coluna e é tema de minha pesquisa atual em criptoativos. As criptomoedas foram desenhadas para ser a prova da influência de políticos tradicionais, banqueiros e lobby de grupos organizados tradicionais. No entanto, vale notar que apesar desses grupos não influenciarem nos ativos, há uma interação e eventual disputa de interesses entre desenvolvedores, mineradores e investidores. Por agora, esses grupos são desacoplados dos jogos de poder via blockchain, porém a depender da importância econômica que o setor tome, haverá tentativas de intervenção e interações com o mundo político. Não é fácil dizer como essas interações serão, mas já há tendências se desenhando. Muito possivelmente blockchains públicas serão adotadas em políticas públicas, por exemplo.
Entretanto, isso esbarra no segundo ponto do texto de Larimer. Apesar de Larimer focar na questão da governança da EOS, ele ilustra a necessidade de melhor governança em projetos de criptoativos. De maneira geral, o cidadão comum – na prática um Homer Simpson no mundo digital marcado por funções hash, grafos e demais problemas que se desenha – ainda não entende o que acontece. Vale dizer que o cidadão comum – eu inclusive – também não entende tanto como funciona um CD ou mesmo um disco de vinil, mas isso nunca nos impediu de ouvir música. A diferença, no entanto, reside nos riscos de cada tecnologia. Quando um toca-disco falha, a gente deixa de escutar algo, perdemos no máximo um disco. Ao ter uma falha numa exchange – como houve na Bithumb recentemente – há a apreensão de perder uma quantidade substancialmente maior de recursos.
Bancos não falham tão frequentemente quanto criptoativos, na prática. Fenômenos hiperinflacionários e quebras bancárias sistêmicas são relativamente mais raros que ataques de 51% e – principalmente – mais raros que perder o acesso a uma carteira. Pode-se dizer que o que se passa é normal em um ecossistema novo, porém – no aspecto financeiro – atualmente vislumbro muito mais um mundo onde as novas tecnologias reduzem os atuais custos de transação do que algo completamente novo. O impacto das blockchains me parece potencialmente maior nas questões sociais e cívicas, como direitos de propriedade e fé-pública, que no mercado financeiro.
Não procuro com esse texto minimizar os impactos desse novo setor no mercado financeiro global, porém procuro explorar que dinheiro é assunto complicado demais para pessoas normais deixarem correr riscos ainda não resolvidos pela criptografia. O meio social é operado não somente por pessoas individualmente, mas também por instituições e organizações. As pessoas individualmente operam mal o dinheiro, e isso explica parcialmente a ascensão das organizações financeiras, em tese mais capacitadas e com credibilidade. Outras organizações – governos, por exemplo – são mais questionáveis. Apesar de frequentemente pessoas odiarem mais bancos que governantes, elas possuem maior poder de questionar líderes políticos – seja via voto ou protesto – que banqueiros. Nesse caso, as novas tecnologias possuem poder maior de serem disruptivas nos segmentos mais frágeis. Por mais sólidas que as blockchains sejam, a solidez dos bancos parece, por enquanto, páreo para elas. Creio, portanto, que entusiastas da tecnologia que não querem ser o Homer Simpson devem observar outros setores para não serem pegos de surpresa.