À medida que o coronavírus continua se espalhando pelo mundo, atingindo a marca sombria de 1 milhão de casos confirmados e 50 mil mortes, o foco do mercado financeiro segue indiscutivelmente na pandemia. Mas a dúvida dos investidores nesta sexta-feira é apenas uma: quantas vagas de emprego foram fechadas nos Estados Unidos em março?
Após o salto recorde de mais de 6 milhões de pedidos de seguro-desemprego no país nas duas últimas semanas e do fechamento de “apenas” 27 mil postos de trabalho no setor privado norte-americano no mês passado, resta saber quanto o relatório oficial de emprego (payroll) irá capturar do impacto da Covid-19 no mercado de trabalho dos EUA.
O alerta é de que os dados de março do payroll não irão refletir totalmente os danos da doença no emprego, diante do confinamento em muitos estados norte-americanos, uma vez que a data de corte da coleta dos dados leva em conta pagamentos feitos até a primeira metade do mês passado. Portanto, deve haver revisão nas próximas divulgações.
Mesmo assim, o número a ser divulgado hoje deve ser bem ruim. A previsão é de que sejam fechados 100 mil postos de trabalho nos EUA em março, com a taxa de desemprego acelerando de 3,5% para 4,0%. Já o ganho médio por hora deve manter o ritmo de alta, pois as demissões marcaram setores com salários mais baixos, como bares e restaurantes.
Ou seja, por mais que sejam ruins, esses números sobre o desemprego nos EUA mais se parecem a uma gota no oceano em comparação ao tsunami visto nas solicitações de auxílio-desemprego no país. Portanto, provavelmente será preciso esperar até o início de maio para ver os danos reais no mercado de trabalho no país.
O desemprego no Brasil
De qualquer forma, os dados efetivos do payroll serão conhecidos às 9h30 e são o grande destaque da agenda econômica do dia, que traz também dados sobre a atividade no setor de serviços nos EUA em março, por volta das 11h. Já no Brasil, o calendário econômico está totalmente esvaziado, deslocando o radar dos mercados para os conflitos políticos.
Aliás, a pandemia de coronavírus também provocará um abalo sísmico no mercado de trabalho no Brasil. E muitos desses danos devem permanecer mesmo após o vírus ser controlado no país, com o desemprego elevado por algum tempo minando as chances de aceleração do crescimento econômico no curto prazo.
Ainda mais com o governo facilitando a liberação de recursos a bancos e empresas, bem como cortes de salários e a redução da jornada ou até a suspensão de contratos de trabalho, mas dificultando o auxílio aos trabalhadores informais. Aliás, a lei que cria a ajuda de R$ 600 foi publicada ontem, mas a data para iniciar os pagamentos ainda é incerta.
Claramente, a necessidade de ação é urgente, sem muito falar nem questionar, que é o que mais tem sido feito pelo presidente Jair Bolsonaro, gerando conflitos. Afinal, se todo mundo estiver desempregado e as pequenas empresas não estiverem recebendo as linhas de crédito necessárias, os danos à atividade tendem a se espalhar provocando uma depressão em um piscar de olhos.
Atividade antes do payroll
Enquanto aguardam o payroll, os investidores digerem dados de atividade na China e na zona do euro em março. As principais bolsas asiáticas fecharam em queda, apesar dos ganhos em Wall Street ontem após dois dias de perdas, com os mercados na Ásia preocupados sobre quanto tempo irá durar o declínio econômico global devido à pandemia.
Tóquio oscilou em alta, enquanto Hong Kong (-0,4%) e Xangai (-0,6%) tiveram perdas moderadas, reagindo também ao aumento acima do esperado do índice dos gerentes de compras (PMI) do setor de serviços medido pela Caixin, que passou de 26,5 em fevereiro para 43,0 em março, ante previsão de 39.
Ainda assim, o dado seguiu abaixo da linha divisória de 50, mostrando que as empresas menores do setor de serviços ainda se sentem péssimas e que há um caminho difícil à frente. Na Europa, o PMI de serviços atingiu a pior leitura da história, ao cair de 52,6 em fevereiro para 26,4 em março, pior que a leitura preliminar do mês passado, a 28,4.
Segundo o IHS Markit, que calcula o indicador, os dados indicam que a economia da zona do euro já está se contraindo a uma taxa anualizada que se aproxima dos 10%, “com o pior inevitavelmente chegando em um futuro próximo”. Em reação, as principais bolsas europeias abriram no vermelho.
Os índices futuros das bolsas de Nova York também apontam para uma sessão mais fraca hoje, com os investidores se preparando para mais más notícias em relação ao emprego nos EUA, ao mesmo tempo em que aguardam a reunião do presidente norte-americano, Donald Trump, com executivos da indústria petrolífera no país.
Ontem, ele bem que tentou jogar pressão na disputa entre sauditas e russos para chegarem a um acordo sobre cortes na produção de petróleo, dando fim à guerra de preços, mas ficou a sensação de que as declarações de Trump pareciam querer ofuscar os péssimos números de coronavírus nos EUA.
Aliás, o petróleo ensaia leves ganhos hoje, após saltar mais de 20% ontem. Já o dólar ganha força, com o Dollar Index voltando a ser cotado acima de 100, em meio às perdas do euro e da libra em relação à moeda norte-americana, enquanto o iene avança. As moedas correlacionadas às commodities também caem.
À espera de um milagre
Ou seja, os investidores ainda não vislumbram uma mudança no cenário, apesar da ação agressiva de governos e bancos centrais para estabilizar os mercados. Ainda é inconclusivo por quanto tempo o coronavírus irá afetar a economia mundial, em meio à quarentena, e uma solução passa pela descoberta de tratamentos eficazes e, quiçá, de uma vacina.
Até lá, o número elevado de mortes, com EUA e França superando a marca de mil óbitos em apenas um dia, e a subnotificação de casos pela falta de testes e de estruturação da capacidade hospitalar, como aqui no Brasil, tendem a manter os investidores assustados à medida que a realidade se impõe, agravando os danos da doença na saúde, na atividade e no emprego.
Aliás, ontem, o governo brasileiro confirmou quase 60 novas mortes, totalizando quase 300, e pouco mais de mil novos casos pelo segundo dia consecutivo, somando quase 8 mil confirmados. Mas a percepção é de que o nível de subnotificação da doença em território nacional tem atingido níveis alarmantes. Ainda mais agora que se descobriu que a primeira morte por coronavírus no país foi em janeiro, um mês antes do então primeiro caso oficial.
Ou seja, é possível imaginar que os números oficiais do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais representem apenas uma fração ínfima do que efetivamente é a realidade do país em relação à doença. E isso já em um momento em que as redes pública e privada de saúde vêm vivenciando relevantes problemas de lotação para atender a tantos pacientes - e não somente com Covid-19.