Olá, pessoal! Depois de 15 dias de férias, minha coluna por aqui volta com força total. Lembro a todos que esta coluna sai a cada duas semanas e sempre às sextas. Hoje falaremos sobre paradoxos e suas consequências, finalizando com um paradoxo que eu construí sobre os “gurus que sabem prever o futuro”.
Um paradoxo é uma declaração logicamente consistente, mas que contradiz a intuição comum ou um modelo teórico proposto. Se o paradoxo for genuíno, ou seja, válido, a consequência direta é que a intuição comum ou o modelo proposto está equivocado(a). Darei dois exemplos interessantes de paradoxos genuínos e suas respectivas lições para, então, dividir com vocês um paradoxo que pode livrá-los(as) de perdas relevantes em seus investimentos.
O PARADOXO DE ZENÃO
Esse paradoxo é um dos mais antigos da humanidade e pode ser colocado sob diferentes contextos (adoro o contexto da corrida entre uma pessoa e a tartaruga, procurem por ele na internet). Vamos a ele: imagine que você queira atravessar um campo de futebol de uma trave à outra. Antes de chegar ao seu destino, você deve naturalmente andar até a metade do campo, depois trilhar a metade da distância restante, posteriormente, andar mais metade do percurso que falta e assim por diante, até o infinito sempre com metade do que resta. Considere que sempre que você atinja a metade da distância restante, o cronômetro é parado.
A conclusão disso é que você jamais chegará ao seu destino porque haverá infinitos pontos para você passar e o relógio será interrompido a cada um desses pontos, infinitas vezes. Trata-se, obviamente, de um paradoxo porque esta conclusão não é verdadeira, já que o destino será, claro, devidamente alcançado. Portanto, há algo errado com o modelo por detrás da sua construção. Vamos a isso!
Por meio de uma perspectiva matemática formalizada durante o século XIX, a solução é aceitar que uma metade (1/2) somada a um quarto (1/4), a um oitavo (1/8), a um dezesseis avos (1/16), e assim por diante... equivale ao número 1. Trata-se da soma de uma progressão geométrica infinita, que matematicamente sabemos haver um limite nesse caso. É algo parecido a dizer que a dízima periódica 0,999... é exatamente (e não aproximadamente) igual a 1.
Porém, essa solução teórica não responde como um objeto conseguiria alcançar seu destino e o paradoxo segue inexplicado. O modelo que se rompe aqui é bastante complexo e a humanidade só conseguiu entender isso com mais clareza no século passado. Em resumo, a hipótese que se quebra com esse paradoxo é que o tempo e o espaço não são perfeita e infinitamente divisíveis. Uma das consequências é que o tempo e o espaço não possuem um espectro contínuo, mas são, na verdade, discretos, o que quer dizer que eles dão saltos. Parece loucura né? Mas não é não. Procure saber mais a respeito!
O PARADOXO DE ALLAIS
Escolha uma das alternativas a seguir:
(A) ganhar R$ 10 milhões com certeza, ou
(B) apostar ganhar R$ 10 milhões com 70% de chances, R$ 50 milhões com 20% ou nada com 10% de chances.
Pensou e escolheu de verdade? Agora, ofereço outras duas opções e peço que você tome novamente sua decisão entre:
(ALFA) apostar ganhar R$ 10 milhões com 30% de chances ou nada com 70%, ou
(BETA) apostar ganhar R$ 50 milhões com 20% de chances ou nada com 80%.
A maioria das pessoas escolhe a opção A e depois a opção BETA, o que se configuraria num paradoxo se considerarmos a clássica teoria de utilidade econômica de John Von Neumann e Oskar Morgenstern. Isso pois, de acordo com essa teoria, quem escolhe a opção A (ou B) deveria racionalmente escolher a opção ALFA (ou, respectivamente, BETA), pois são equivalentes. Para perceber isso, basta quebrar as probabilidades conforme abaixo (notem que as alternativas são todas as mesmas que anteriormente):
(A) apostar ganhar R$ 10 milhões com 70% de chances ou R$ 10 milhões com 30%, ou
(B) apostar ganhar R$ 10 milhões com 70% de chances, R$ 50 milhões com 20% ou nada com 10% de chances.
(ALFA) apostar ganhar R$ 10 milhões com 30% de chances ou nada com 70%, ou
(BETA) apostar ganhar R$ 50 milhões com 20% de chances ou nada com 10% ou nada com 70%.
Dessa forma, a decisão entre as opções A e B equivale a decidir-se por R$ 10 milhões com 30% ou R$ 50 milhões com 20% (ou nada com 10%), pois a primeira parte de ambas as opções é igual (“apostar ganhar R$ 10 milhões com 70% de chances”). Perceba que a decisão entre as opções ALFA e BETA é exatamente a mesma, pois a parte final de ambas é a mesma (“nada com 70%”). Entretanto, estudos indicam que a maioria das pessoas tende a preferir as opções A e BETA, o que faz nascer o paradoxo.
A explicação é um tiro no coração da teoria de Von Neumann e Morgenstern: na verdade, nossas preferências não são bem modeladas por utilidades aditivas e que seguem regras aritméticas tradicionais tais como as propostas pela teoria. Quando separamos as opções com as partes equivalentes (como eu fiz acima), o que resta fica solto e desprovido de contexto, perdendo comparabilidade. É como se a soma das partes dependesse do todo. Talvez um exemplo mais próximo disso seja: o valor de 100 figurinhas diferentes de um álbum é maior que o valor de 100 figurinhas com repetições.
O ensinamento por detrás do paradoxo de Allais é que damos muito valor à segurança quando estamos na vizinhança da certeza (opção A em vez de B). Entretanto, quando perdemos a certeza, podemos preferir a maior insegurança atrás de um valor maior (opção BETA em vez de ALFA). Em outras palavras, quando estamos num cenário de perfeita segurança, o preço do risco é altíssimo. Já quando estamos num cenário de incertezas e inseguranças, o preço do risco torna-se menor e aceitamos riscos adicionais com mais tranquilidade.
O PARADOXO DO “EU SEI O QUE VAI ACONTECER AMANHÃ COM O DÓLAR”
Imagine uma pessoa que saiba quando o dólar vai subir e quando o dólar vai descer. Essa pessoa então é capaz de tomar posições no mercado e ganhar muito dinheiro a todo tempo. Em consequência, ela é muito rica e, mais do que isso, consegue ganhar dinheiro quando precisa. Por isso, não necessita vender cursos ou de qualquer outra posição profissional, seja como economista ou mesmo gestor de uma grande asset. O paradoxo está posto! Isto, pois tendemos a acreditar que alguns profissionais sabem o que vai acontecer com o dólar, com o Ibovespa, com o petróleo e com qualquer outro ativo relevante da economia. Mas, se eles são profissionais, não sabem exatamente o que vai acontecer porque se soubessem, não estariam ali, mas sim em alguma ilha paradisíaca curtindo a vida com a família ou com quem quer que ele ou ela quisesse.
Na verdade, esse paradoxo é uma bela METÁFORA da mensagem que quero transmitir aqui. Muitas pessoas confundem excelentes e bem-preparados profissionais com “mães dinás”. Por mais que eu tenha estudado e continue estudando, eu simplesmente não sei se amanhã o dólar vai subir ou cair, ninguém sabe! Nessa semana, um repórter (e isso é MUITO comum) me pediu para estimar o valor do dólar ao final de 2021. Esse é o tipo de pergunta que não sei responder e fui sincero com ele. Mas calma, isso não pode gerar frustração. Economistas e pesquisadores não sabem prever o mercado desse jeito, mas eles têm ferramentas para construir intervalos de confiança, para diferenciar o que é provável de acontecer do que é possível e do que é impossível, e muitas outras coisas. Um competente gestor de recursos tem ao seu dispor boas ferramentas econométricas para torna-lo capaz de montar uma estratégia consistente aos seus objetivos e com o maior potencial de rentabilidade possível dado o risco que se deseja assumir.
Desta maneira, meus amigos e minhas amigas, jamais acreditem que alguém tenha algum modelo ou mesmo aptidão para dar “previsões certeiras” do tipo: o dólar acabará 2021 acima de R$ 6,00 e o Ibovespa muito próximo dos 110 mil pontos. Simplesmente porque não há modelo no mundo que nos permita essas previsões certeiras. Afirmo que não há! No máximo, modelos nos permitem fazer afirmações com determinado nível de confiança, ou seja, com uma boa dose de incerteza. O problema é que queremos encontrar gurus por aí porque queremos acreditar que eles podem nos fazer ganhar muito dinheiro e resolver a nossa vida financeira. É gostoso e legal acreditar nisso. Mas não é realista. E, o que é pior, pode fazer você embarcar em apostas as quais você não faz a menor ideia do risco incorrido. E, então, se a previsão do guru estiver errada, você pode vir a amargar uma bela perda. E é justamente isso que quero evitar que aconteça com você!
Um forte e respeitoso abraço a todos. Fica o convite para seguir todo o conteúdo que produzo através do meu Instagram (@carlosheitorcampani).
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ – Cátedra Brasilprev e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.